Segundo o Barómetro da Construção Sustentável da Saint-Gobain, em Portugal, 99% dos agentes do setor da construção e 98% dos cidadãos inquiridos consideram a implementação da construção sustentável uma grande prioridade. Neste sentido, a Ambiente Magazine esteve à conversa com Guilherme Camello, Responsável de Sustentabilidade da Saint-Gobain Portugal, para perceber como este setor se prepara para um futuro mais verde.
Qual o relevo da construção sustentável no panorama geral do setor?
Atualmente, a construção sustentável deixou de ser uma tendência para se tornar uma exigência concreta e estratégica do setor. Há uma crescente consciência — por parte dos consumidores, promotores imobiliários, investidores e decisores políticos — de que o setor da construção desempenha um papel crucial na transição climática, representando cerca de 40% das emissões globais de CO₂.

Em Portugal e na Europa, temos assistido a uma aceleração impulsionada por regulamentações como a Taxonomia Europeia, e mais recentemente, a Diretiva de Eficiência Energética dos Edifícios (EPBD). Além disso, com a entrada em vigor da Diretiva CSRD, os temas ESG tornaram-se centrais também na estratégia empresarial das empresas do setor.
A construção sustentável ganhou um protagonismo significativo no setor, impulsionada pela urgência climática, pela escassez de recursos e pelas novas exigências regulatórias. Hoje, já não se trata apenas de uma opção, mas de uma responsabilidade partilhada por todos os intervenientes. A sustentabilidade tornou-se um critério central na conceção, reabilitação e operação de edifícios, com impacto direto na valorização dos ativos e no bem-estar das comunidades.
Que aspetos a ter em conta para considerar uma construção sustentável?
Uma construção sustentável é aquela que considera todo o ciclo de vida do edifício, desde o projeto até à demolição ou reutilização dos materiais, com vista a minimizar o seu impacto ambiental, promover o bem-estar dos ocupantes e contribuir positivamente para a comunidade envolvente. Entre os principais aspetos considerados estão a eficiência energética, a utilização de materiais com menor pegada ambiental, a gestão eficiente da água, a qualidade do ar interior, o conforto térmico e acústico, a durabilidade e a flexibilidade dos edifícios para responder a diferentes usos e necessidades futuras.
A Saint-Gobain Portugal vê a construção sustentável como o caminho natural para o futuro do setor. Hoje, o mercado valoriza soluções que promovem a eficiência energética, o conforto térmico e acústico, a durabilidade e a circularidade dos materiais. As certificações ambientais, como BREEAM e LEED, também ganham importância na diferenciação dos ativos imobiliários.
Que materiais podem influenciar uma construção mais sustentável?
Os materiais de construção desempenham um papel fundamental na sustentabilidade de um edifício. Para serem considerados sustentáveis, devem ter uma pegada ambiental reduzida ao longo do seu ciclo de vida — desde a extração das matérias-primas até ao fim de vida. Isso inclui baixas emissões de CO₂ na produção, elevada durabilidade, potencial de reutilização ou reciclagem e origem responsável.
Materiais como isolamentos térmicos eficientes, placas de gesso recicladas, argamassas com menor teor de cimento, vidros de controlo solar e soluções com conteúdo reciclado são alguns exemplos que contribuem para construções com melhor desempenho energético, maior conforto e menor impacto ambiental.
Na Saint-Gobain Portugal, estamos comprometidos a transformar o setor com tecnologias que promovem a eficiência e um futuro mais sustentável. E, por isso, temos vindo a desenvolver e a disponibilizar soluções que integram estes princípios, como a nossa gama futuRE, que combina desempenho técnico, economia circular e uma pegada carbónica significativamente reduzida.
Por exemplo, com vista a promover a economia circular e minimizar o impacto ambiental dos materiais, apresentamos o cimento-cola webercol flex lev da Weber que, com cerca de 30% de materiais reciclados incorporados, permite o mesmo rendimento com metade da quantidade de material, e o vidro Oraé®, com 70% de vidro reciclado e uma pegada de carbono mais reduzida.
Aliado à eficiência energética temos o sistema ETICS para fachadas, um sistema térmico da Weber que isola os edifícios pelo exterior. Esta solução reforça a eficiência energética dos edifícios e habitações e permite a redução de custos com climatização.
Ao escolher materiais mais sustentáveis, os profissionais do setor contribuem ativamente para uma construção mais responsável, eficiente e preparada para os desafios do futuro.
Atualmente, 72% das nossas vendas provêm de soluções sustentáveis, e os produtos comercializados pelo grupo permitem evitar cerca de 1.300 milhões de toneladas de emissões de CO2 ao longo da sua vida útil.
Obras sustentáveis estão associadas a obras com mais encargos financeiros?
Sustentabilidade não é um custo — é um investimento com retorno garantido ao longo do tempo.
É verdade que, em alguns casos, soluções sustentáveis podem representar um investimento inicial ligeiramente superior. No entanto, essa visão tem vindo a mudar. Quando analisamos o custo total ao longo do ciclo de vida do edifício — incluindo a operação, manutenção, conforto dos utilizadores e eficiência energética — percebemos que a construção sustentável não é mais cara, é mais inteligente.
Obras sustentáveis tendem a gerar poupanças significativas em energia, água e manutenção ao longo do tempo, além de proporcionarem espaços mais saudáveis e valorizados. Há também incentivos fiscais, fundos europeus e exigências regulatórias que estão a acelerar a adoção dessas práticas e a equilibrar os custos iniciais.
Na verdade, não se trata apenas de custo, mas de valor. Construir de forma sustentável é investir num ativo mais resiliente, eficiente e alinhado com os desafios ambientais e sociais do presente e do futuro.
É importante haver investimentos/financiamentos dirigidos à sustentabilidade na construção?
Sem investimento, a transição sustentável no setor da construção não acontece à escala necessária. A construção sustentável exige inovação, desenvolvimento de novas tecnologias, formação profissional e, muitas vezes, a adoção de soluções com um custo inicial mais elevado.
Para que estas práticas se tornem a norma — e não a exceção — é essencial que existam mecanismos de financiamento e incentivos públicos e privados que reduzam barreiras de entrada e estimulem a transformação do setor.
Instrumentos como fundos europeus, créditos verdes, incentivos fiscais ou linhas de financiamento específicas são fundamentais para acelerar esta mudança. Além disso, os critérios ESG estão cada vez mais presentes nas decisões de investimento, fazendo com que o financiamento sustentável se torne também um critério de competitividade.
Investir em sustentabilidade na construção não é apenas apoiar o presente — é preparar um futuro mais resiliente, eficiente e justo para todos.
De forma geral, as pessoas, e em particular os portugueses, estão preocupados em que as suas novas construções sejam mais sustentáveis?
Sim, sem dúvida! Cada vez mais, os portugueses estão atentos à sustentabilidade nas suas escolhas, incluindo nas novas construções. Em Portugal, de acordo com um Barómetro realizado em 2024 pela Saint-Gobain, 99% das partes interessadas no setor da construção e 98% dos cidadãos inquiridos consideram a implementação da construção sustentável de elevada prioridade e a taxa de conhecimento sobre o conceito é de 71% entre stakeholders e de 36% entre o público em geral.
Além disso, muitos portugueses estão a adotar, no seu dia-a-dia, a prática de reutilizar os objetos e vender produtos usados em plataformas online, o que revela uma consciência ambiental cada vez maior.
Um exemplo claro dessa preocupação é o apagão de 28 de abril de 2025, que afetou Portugal, Espanha e França. Este incidente expôs a vulnerabilidades das infraestruturas críticas e destacou a importância de investir em soluções mais resilientes e sustentáveis. A interrupção de serviços essenciais, como transportes e comunicações, evidenciou a necessidade de repensar a forma como construímos e mantemos as nossas infraestruturas.
Claro que o preço continua a pesar, mas a maioria reconhece que investir em soluções sustentáveis compensa no longo prazo — seja pelo conforto, pela eficiência energética ou mesmo pela valorização do imóvel. Então, sim, a preocupação com a sustentabilidade na construção está definitivamente a crescer em Portugal.
O que espera o setor da construção nesta matéria para os próximos anos?
Nos próximos anos, o setor da construção vai passar por uma transformação profunda, impulsionada pela urgência das questões ambientais e pela pressão crescente de reguladores, investidores e consumidores. Este caminho será fortemente influenciado por novas exigências regulamentares, pela crescente consciencialização dos consumidores e pelos compromissos climáticos assumidos a nível nacional e europeu.
É necessário recuperar um pouco da mentalidade dos nossos avós, quando os consumos e as necessidades eram mais moderados e o respeito pelos recursos naturais era mais natural e evidente.
Porém, isso não significa rejeitar a modernidade — pelo contrário. Devemos aproveitar toda a inovação e a globalização da tecnologia para construir de forma mais consciente, inteligente e eficiente, evitando o desperdício e usando os recursos de forma responsável. A circularidade, a redução da pegada carbónica e a eficiência energética devem deixar de ser apenas objetivos e tornar-se requisitos padrão.
Prevê-se ainda uma forte aposta em materiais mais sustentáveis, processos construtivos inovadores e uma digitalização crescente que permite otimizar recursos. Mais importante, espero que essa mudança cultural envolva todos os agentes do setor, desde fabricantes a arquitetos e clientes, criando parcerias que realmente promovam a sustentabilidade.
Pessoalmente, espero que esta evolução não seja apenas uma resposta a exigências externas, mas uma verdadeira oportunidade para criar ambientes mais saudáveis, confortáveis e duradouros, que valorizem não só o planeta, mas também as pessoas que os habitam, refletindo um equilíbrio entre tradição e inovação.