O setor das Águas continua a alertar para a pressão contínua sobre os recursos hídricos e para a necessidade de pensar e executar uma gestão mais sustentável e eficiente dos mesmos. Novos modelos, novas soluções, reforma de infraestruturas e mais aposta na digitalização são alguns exemplos de mudanças que os players mais apontam.
Segundo a última edição do Relatório do Estado do Ambiente da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), apenas 47% das massas de água se encontravam em bom estado e relativamente às disponibilidades hídricas anuais, verificou-se que o ano hidrológico de 2022/2023 terminou com as reservas hídricas superficiais acima da média em nove das quinze bacias hidrográficas analisadas, mas com as bacias do Sado, Mira e Ribeiras do Algarve (Barlavento e Sotavento) em situação de seca hidrológica. Este ano hidrológico caracterizou-se por afluências elevadas nas bacias hidrográficas do Norte e Centro do país, bem como nas bacias hidrográficas do Tejo e Guadiana. Contudo, nas restantes bacias hidrográficas do Sul as afluências foram muito reduzidas.
No que diz respeito às pressões sobre os recursos hídricos, nos Planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH) do 3.º ciclo, a Região Hidrográfica do Tejo e Ribeiras do Oeste foi a que apresentou o maior valor de carga urbana por ser a região mais populosa, enquanto as RH do Vouga, Mondego e Lis, Tejo e Ribeiras do Oeste e Sado e Mira foram as que apresentaram os maiores valores de cargas industriais devido aos polos industriais existentes. As cargas provenientes da agricultura mostraram valores de azoto muito significativos, comparando com o fósforo, principalmente nas RH do Tejo e Ribeiras do Oeste, do Douro e do Guadiana, enquanto as cargas provenientes da pecuária apresentaram valores de azoto significativos, mas também de fósforo, principalmente nas RH do Tejo e Ribeiras do Oeste e do Vouga, Mondego e Lis.
Na escassez de água, as RH com maior índice de escassez são a do Sado e Mira e a das Ribeiras do Algarve com 74% e 66%, respetivamente. Por outro lado, os setores com maior consumo de água são o agrícola (70%) e o urbano (13%).
Relativamente à água para consumo humano, desde 2015 que se atingiu, e manteve a meta, estabelecida no Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais 2020 (PENSAAR 2020), e mantida no Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais e Pluviais 2030 (PENSAARP 2030), de 99% de água segura na torneira do consumidor, indicador que em 2022 atingiu os 98,88% em Portugal Continental. Realçar que, nesse ano, 52 concelhos registaram 100% de água segura e apenas três concelhos registaram um nível de desempenho inferior a 95%.
Face a este pequeno estado de arte dos recursos hídricos em Portugal, a Ambiente Magazine tentou perceber o que empresas ligadas ao setor estão a fazer para tornar a sua gestão mais eficiente, de forma a contrariar a escassez hídrica e diminuir a pressão sobre um recurso tão valioso como a água.
O investimento da Águas do Ribatejo
A Águas do Ribatejo é a empresa responsável pelo fornecimento contínuo de água e drenagem e tratamento de águas residuais nos municípios de Almeirim, Alpiarça, Benavente, Chamusca, Corucha, Salvaterra de Magos e Torres Novas. Até ao momento, esta entidade investiu mais de 160 milhões de euros nos sistemas de abastecimento de água e saneamento, “dotando a região de um conjunto de infraestruturas modernas, eficientes e resilientes”, começa por apontar o Diretor Geral, Miguel Carrinho.

Além de ampliar as redes para levar a água a mais pessoas, a Águas do Ribatejo reabilitou cerca de uma centena de reservatórios e substituiu centenas de quilómetros numa rede de abastecimento que atingiu 2.250 km num território de 3.200 km2.
“Estes investimentos permitiram reduzir as perdas de água para 30%, valor que ainda é elevado, mas trata-se de um enorme esforço dado que iniciámos a exploração há 15 anos com perdas de 52%”, explica o Diretor Geral, acrescentando que estão agora em curso operações com 13 milhões de euros de investimento, dos quais 8,5 milhões no abastecimento de água e 4,5 milhões no saneamento, a concluir já em 2026.
A Águas do Ribatejo está ainda “a diminuir a pegada ambiental e a reduzir a dependência do mercado energético com redução de custos, permitindo libertar recursos para investir noutras áreas”.
“Podemos referir, a título de exemplo, as soluções e equipamentos que permitem reduzir perdas de água contribuindo, portanto, para uma maior eficiência hídrica. Outro exemplo são as soluções e ferramentas para a otimização do consumo energético de equipamentos, bem como a própria eficiência desses equipamentos, que tem vindo a melhorar significativamente ao longo do tempo. Temos ainda as soluções de produção de energia a partir de fontes renováveis, com especial destaque para o fotovoltaico, que apresentam um potencial muito significativo de crescimento para as Entidades Gestoras”, revela Miguel Carrinho.
“Com efeito, ao melhorar a eficiência hídrica, gerindo de forma mais eficiente um recurso tão valioso como é a Água, estamos a tornar-nos mais sustentáveis, quer em termos ambientais, mas também em termos económicos e sociais. O mesmo sucede se consumirmos menos energia, ou se potenciarmos a produção a partir de fontes renováveis, permitindo a redução da pegada carbónica”, diz também.
Face à problemática da escassez hídrica, a entidade revela que o seu contributo passa pela disponibilização de novas ferramentas e recursos aos seus operadores, técnicos e restantes colaboradores, a par de uma formação contínua e envolvimento em projetos de investigação “que nos permitam antever soluções para problemas que a qualquer momento irão surgir”.
“É também importante destacar o investimento realizado ao nível do saneamento, em particular no tratamento de águas residuais. Com efeito, a valorização dos recursos hídricos passa, também pela qualidade das águas residuais que são devolvidas ao meio hídrico contribuindo, dessa forma, para a melhoria do estado das massas de água da região”, refere Miguel Carrinho.
“Na pedagogia para o consumo responsável, criámos sistemas de aproveitamento de águas tratadas nas ETAR para regas, lavagens de filtros, equipamentos, viaturas e pavimentos”. “Inibimos o uso da água da rede publica para lavagens de pavimentos e regas, sensibilizando as autarquias e as empresas a aproveitarem as águas pluviais em reservatórios próprios e a recorrerem à água dos rios com cisternas”. Também os “municípios, em articulação com os bombeiros e Proteção Civil, criaram reservatórios onde armazenam a água das chuvas para usar no abastecimento de cisternas para regas, lavagens de pavimentos e para abastecer veículos de combate a incêndios” – exemplifica o Diretor Geral da Águas do Ribatejo.
Atualmente, a luta ainda passa por “continuar a sensibilizar os consumidores para eliminarem gastos supérfluos com regas em horas de calor, lavagem de telhados e pavimentos para ter um ar mais fresco ou enchimento de piscinas por ausência de sistemas de tratamento”.
A verdade é que “a água dos nossos consumidores faz parte do mesmo ciclo da água da agricultura e da indústria” e “todos os ecossistemas dependem da mesma água num planeta com recursos que são de todos mas são finitos”, relembra o responsável.
Em relação à estratégia “Água que Une”, lançada pelo Governo português, Miguel Carrinho afirma: “entendemos que a água é um desígnio nacional que nos deve unir a todos numa estratégia que garanta a competitividade, a coesão territorial e a sustentabilidade ambiental e económica”.
EPAL/Águas do Vale do Tejo na aposta em ApR
Uma das soluções de reaproveitamento de água usada já por várias entidades é a ApR (água para reutilização). No caso da EPAL/AdVT, é feito o fornecimento, por exemplo, durante o verão, à Câmara Municipal da Guarda, de 25 a 30 mil m3 de ApR produzida na ETAR São Miguel para rega do Parque POLIS daquela cidade.

As primeiras Licenças de Produção (EPAL/AdVT) e de Utilização (CMG) foram emitidas pela Administração de Região Hidrográfica do Norte, com parecer favorável da Autoridade Regional de Saúde e da Direção Regional de Agricultura e Pescas, territorialmente competentes, e o serviço já se encontra autorizado pelo Concedente e pelo Regulador, e contratado entre a EPAL/AdVT e a CMG.
“A utilização de ApR para rega de espaços verdes constitui uma mais-valia significativa para o ambiente e para a autonomia e segurança do sistema de abastecimento de água à cidade da Guarda. Desta forma, é dada uma nova vida à água gerada na cidade, valorizando milhares de metros cúbicos de água com qualidade compatível para regar espaços verdes, evitando a utilização de água potável para o efeito, principalmente no Verão quando este recuso se afigura como um bem ainda mais precioso”, garante a EPAL.
A Águas do Vale do Tejo tem vindo ainda a promover a reutilização de água tratada (ApR) como solução sustentável para a gestão dos recursos hídricos, tendo estabelecido em 2017 um projeto piloto com a Casa Relvas, empresa do setor vitivinícola instalada em São Miguel de Machede, em Évora.
O fornecimento de ApR produzida na ETAR local destina-se à rega agrícola, garantindo água com qualidade adequada e contribuindo para aliviar a pressão sobre os recursos hídricos numa região marcada por escassez frequente.
Nos últimos anos, duas vontades fortes alinharam-se: a da Casa Relvas, ao adotar práticas agrícolas mais sustentáveis, e a da EPAL/AdVT, ao valorizar a água tratada gerada na aldeia de São Miguel de Machede. Desta colaboração resulta a promoção do uso eficiente da água e a preservação dos recursos hídricos, reforçando a resiliência face às alterações climáticas e às limitações hídricas da região.
O sistema de produção e fornecimento de ApR a partir da ETAR São Miguel de Machede e o sistema de armazenagem e rega das parcelas agrícolas tem sido adaptado e ensaiado nos últimos anos, com vista ao estabelecimento de uma relação contratual entre a EPAL/AdVT e a Casa Relvas, estimando-se um volume anual entre 12 e 15 mil m³.
As primeiras Licenças de Produção (EPAL/AdVT) e de Utilização (Casa Relvas) foram emitidas pela Administração da Região Hidrográfica do Alentejo em 1 de junho de 2023, com parecer favorável da Autoridade Regional de Saúde e da Direção Regional de Agricultura e Pescas, entidades territorialmente competentes.
Acciona passa à ação em Vilamoura
A 31 de julho de 2024, a Águas do Algarve assinou o contrato da “Empreitada de Execução da Infraestruturas de Elevação e Adução de ApR da ETAR de Vilamoura, marcando assim o início do que será um novo paradigma na produção de água para reutilização, atendendo ao processo de tratamento inovador e à qualidade da água obtida.

As caraterísticas e a localização da ETAR de Vilamoura bem como a abertura e dinamismo da Águas do Algarve para fazer face aos desafios da região foram os fatores diferenciadores na abordagem da Acciona ao projeto da instalação de água para reutilização desta ETAR.
É neste contexto que a Acciona, fazendo uso do seu know-how e da experiência adquirida noutros projetos de ApR, desenvolveu uma solução de tratamento baseada em tecnologia de membranas que permite a produção de uma água para reutilização de classe A. A dimensão da instalação, a qualidade de água obtida e a tecnologia de tratamento fazem da ApR de Vilamoura uma instalação ímpar e diferenciadora no panorama nacional e com praticamente nenhuma outra referência equivalente a nível europeu.
Com uma capacidade instalada de 1.000 m3/h e projetada para entregar água de classe A ao longo de todo o ano, a linha de tratamento da ApR de Vilamoura está adaptada para fazer face às variações quantitativas e qualitativas da linha de tratamento principal.
Para tal, a instalação dispõe de reservatórios de regularização a montante e a jusante da linha de tratamento e de um sistema de controlo que é capaz de avaliar as necessidades dos pontos de entrega para otimizar a gestão da produção. O processo de tratamento baseia-se em linhas gerais num pré-tratamento físico-químico seguido de uma ultrafiltração e desinfeção para garantia de um residual de cloro.
A qualidade da água produzida garante os níveis mais altos de exigência definidos na legislação, o que permitirá à Águas do Algarve aumentar a qualidade do seu serviço e oferecer soluções a novos potenciais clientes com requisitos mais restritivos.
A Tecnorém, parceira da Acciona neste projeto, é responsável pelos trabalhos de construção civil incluindo a execução de todas as infraestruturas que irão aduzir a água para reutilização aos pontos de consumo.
A Acciona tem uma experiência acumulada importante no projeto, dimensionamento e operação de instalações destinadas à produção de água para reutilização, com diferentes níveis de exigência e destinada a diferentes usos.
Só na região de Múrcia em Espanha, a zona que mais reutiliza água no mundo, a Acciona tem uma dezena de instalações, entre as quais, quatro com recurso a tecnologia de ultrafiltração. Na região de Madrid, opera uma instalação com uma capacidade instalada de 13.000 m3/d, que produz água para reutilização para uma fábrica de papel, onde os requisitos de qualidade são de tal modo elevados que obrigam a uma linha de tratamento com filtros de areia pressurizados, filtros de carvão, ultrafiltração, osmose inversa e remineralização.
“A conclusão das obras está prevista para o primeiro trimestre de 2026, dotando assim a região do Algarve de maior resiliência para fazer face a períodos de escassez de água, contribuindo para uma economia circular”, revela a Acciona.








































