A tecnologia a favor do setor da Água

Dar resposta aos desafios da emergência climática e da escassez, perdas, envelhecimento das infraestruturas ou degradação da qualidade da água são alguns dos desafios de quem opera neste setor. Acelerar a adoção de tecnologias tem sido assim uma aposta para muitas empresas que procuram tornar a sua operação mais eficiente, contribuindo para o bem-estar das populações. Fomos ao encontro de algumas empresas que atuam no setor da água para perceber qual a importância da tecnologia para uma operação eficiente e sustentável.

Na Águas do Norte, a adoção das novas tecnologias tem sido cada vez maior. Quem nos diz é Frederico Lopes, Diretor de Tecnologias de Informação e Inovação da Águas do Norte, destacando que “as atividades diárias desenvolvidas estão cada vez mais dependentes das tecnologias geradoras de grandes volumes de dados que, devidamente analisados, têm permitido a tomada de decisões cada vez mais bem informadas, ajudando a garantir a segurança, a eficiência no uso da água e a sustentabilidade ambiental”. Desta forma, há um “consenso alargado” na Águas do Norte, sobre a importância da tecnologia nos mais variados aspetos, sendo considerada um “elemento-chave com capacidade para alterar os processos existentes e as tarefas organizacionais mais simples”, permitindo uma “coordenação mais eficiente” entre os processos e criação de valor. A tecnologia é assim vista como um “catalisador de inovação”, abrindo um “novo paradigma onde uma nova visão estratégica e um novo enquadramento organizacional têm promovido modelos de governança inovadores, permitindo assim um sistema cada vez mais aberto, seguro e confiável”, precisa. A título de exemplo, destaca-se a aposta na “implementação de sistemas de monitorização e controlo” que têm contribuído para a eficiência operacional da empresa.

“Queremos tornar os serviços mais eficientes, aumentar o nível de serviço e contribuir de forma sustentável para a redução dos níveis de utilização dos escassos recursos que a natureza nos disponibiliza”

Com uma importância cada vez maior na operação da Águas de Gaia, a tecnologia é já um ponto indispensável na estratégia da empresa, fazendo já parte do seu ADN. “A utilização de tecnologia divide-se em duas vertentes: a de gestão e a de ser um interface com o cliente, para que possamos ter a capacidade de atender da melhor forma possível e de forma mais ágil os nossos clientes e com capacidade multicanal”, afirma Miguel Lemos, Presidente do Conselho de Administração da Águas de Gaia. A aposta em soluções de digitalização das infraestruturas das Utilities é algo que também está bem presente: “Queremos tornar os serviços mais eficientes, aumentar o nível de serviço e contribuir de forma sustentável para a redução dos níveis de utilização dos escassos recursos que a natureza nos disponibiliza”. Ao mesmo tempo, o foco da empresa é o cliente, colocando a tecnologia ao serviço de “um melhor, mais simples e mais eficiente atendimento”. Ainda assim, a implementação de novas soluções tecnológicas tem sido de enorme importância para a gestão da Águas de Gaia, no sentido de “sermos mais eficientes, para reduzirmos a água não faturada, para tomarmos decisões mais rápidas e mais assertivas”. Por isso, a aposta tem sido também na telegestão, na telemetria, na evolução do SIG e na implementação de sistemas de Inteligência Artificial, permitindo uma desmaterialização constante: “Hoje, os nossos fiscais, leitores ou qualquer outro técnico no terreno utiliza um tablet em vez de um monte de papéis”, exemplifica.

Carlos Manso

Por seu turno, na Infralobo, já não existe nenhum processo que não esteja otimizado pela utilização de novas tecnologias, refere Carlos Manso, Presidente do Conselho de Administração da Infralobo, destacando que a aposta se tem centrado na “prestação de serviços públicos essenciais de elevada qualidade, através da utilização de ferramentas tecnológicas com foco na satisfação do cliente, garantindo a sustentabilidade ambiental e económica dos serviços e produtos”. De uma forma “mais lenta ou mais acelerada”, a empresa tem apresentado melhorias ao longo dos anos, afirma o responsável, assegurando a “humanização nas relações internas e externas”. Carlos Manso destaca a implementação do SMART RESORT by Infralobo como um excelente exemplo de transformação da cultura e da forma como analisam e decidem toda a operação., permitindo tomar decisões em diversas áreas, “desde a rega inteligente” à “recolha inteligente de resíduos, com sensores de volume e gestão otimizada de rotas”.

A evolução tecnológica, nas mais diversas vertentes, traduz-se em oportunidades para que a eficiência das infraestruturas e equipas possa ser melhorada

Para a Águas do Ribatejo, a melhoria da eficiência é uma prioridade. Francisco Oliveira, Presidente do Conselho de Administração da Águas do Ribatejo, refere que a aposta da empresa se tem centrado na instalação de equipamentos e soluções tecnologicamente avançadas e na progressiva digitalização dos seus serviços e operações: “A evolução tecnológica, nas mais diversas vertentes, traduz-se em oportunidades para que a eficiência das infraestruturas e equipas possa ser melhorada”.  A empresa tem assim apostado em diversas áreas que vão desde a “telemetria e zonas de medição e controlo”, passando pelas “tecnologias de tratamento, sistemas de informação ou cibersegurança: todas são importantes e a nossa convicção é que a obtenção de resultados passa por investir na utilização de tecnologias de forma transversal a toda a organização”.

Exemplos práticos

Frederico Lopes

A Águas do Norte tem procurado criar uma rede de infraestruturas de água e saneamento que ‘fale’ com os colaboradores, num “diálogo que se pretende que desenvolva um conhecimento completo e total de todos os sistemas, compreendendo todas as suas variáveis no passado, presente e futuro”, explica Frederico Lopes. A título de exemplo, o “projeto de gestão remota e de conhecimento do comportamento das barragens”, nas suas várias dimensões, “tem sido essencial para garantir o funcionamento adequado destas infraestruturas críticas e para que os objetivos delineados para a sua utilização e aproveitamento hidráulico possam ser atingidos”. Através de uma “plataforma agregadora” e “interoperável com diferentes sistemas”, a empresa possui hoje um “auxiliar relevante” que permite “monitorizar”, “atuar” e “antecipar cenários no decorrer de eventos extremos de seca”. Outro dos projetos implementados é o “sistema integrado de gestão de alertas e notificações”, permitindo às equipas terem a capacidade de identificar problemas críticos antes que estes afetem a operação: “O sistema utiliza técnicas de inteligência artificial para prever, simular e otimizar a operação em tempo real”, antecipando cenários de risco operacional e ajudando a “planear e preparar equipamentos, instalações e colaboradores para eventos extremos”.

Em Gaia, são também vários os projetos implementados e com resultados bastante satisfatórios para a operação da Águas de Gaia: “Lançamos recentemente um novo serviço – H2ON – que proporciona aos clientes um mecanismo de monitorização das leituras e consumos, alertando por e-mail para padrões anormais de consumo de água”, refere Miguel Lemos. Outro exemplo é o sistema de Telemetria, que permite a obtenção de “leituras dos clientes em tempo real”, mas também dos “balanços hídricos analíticos (BHA) de consumos em tempo real por zona de medição e controlo (ZMC)”, a “deteção em tempo real de usos não autorizados” e de  “situações anómalas ou fraudulentas no funcionamento dos contadores”, bem como a “integração no sistema H2ON de alertas”.  Ao nível interno, o responsável destaca o sistema inovador assente no sistema de SIG, recorrendo à selagem dos locais de consumo com a implementação de um QR-Code. A solução é baseada numa aplicação de “mobilidade para atribuição digital do selo ao cliente no terreno”, através do acesso automático à base de dados de clientes, podendo ser “monitorizados diariamente e o perfil de cada local de consumo é permanentemente atualizado e integrado na base de dados georreferenciada ligada ao sistema de clientes”, frisa.

redução da sua pegada carbónica em 55% nos últimos três anos

A aposta em sistemas de telemetria e sistemas inteligentes de rega já possibilitou à Infralobo atingir valores no indicador de Água Não Faturada consistentemente abaixo dos 8% por ano e reduzir os consumos para rega de espaços verdes em 44% em dois anos. Já com o sistema de gestão de frota, Carlos Manso destaca que foi possível à empresa reduzir em 18% a frota automóvel disponível, sem colocar em causa a operação e qualidade do serviço, sendo simultaneamente possível uma substituição gradual de viaturas movidas a combustível fóssil por viaturas elétricas, fornecidas internamente por painéis fotovoltaicos. Todas as infraestruturas relevantes são atualmente fornecidas por energia renovável produzida pela Infralobo, tendo registado uma “redução da sua pegada carbónica em 55% nos últimos três anos”. Em 2022, a satisfação dos clientes ultrapassou os 80%: “Estes números são demonstrativos de que é possível para as empresas evoluírem tecnologicamente sem que as relações humanas sejam sacrificadas nesse processo”, sucinta.

Com reduções significativas ao nível da água não faturada, é graças à aposta na tecnologia que permite, à Águas do Ribatejo, recolher informação e, a partir da mesma, gerar conhecimento que, depois é utilizado para implementar ações no terreno. Tal como indica Francisco Oliveira, “as equipas operacionais têm, há já bastante tempo, acesso a aplicações e ferramentas que permitem, de forma ágil e desmaterializada, registar e aceder a informação relevante para a sua atividade” e permitem também “recolher e tratar, de forma sistematizada, informação sobre essa mesma atividade que é, depois, utilizada para melhorar a eficiência operacional das equipas”.

Os desafios da tecnologia

manutenção e a modernização das tecnologias obsoletas será um trabalho desafiador

Acompanhar a evolução tecnológica será um dos desafios que as empresas também vão ter de saber dar resposta. E neste âmbito destaca-se desde logo o financiamento essencial para investir e assegurar as novas tecnologias: “Alocar recursos financeiros em tecnologias digitais será vital para as organizações”, refere o Diretor de Tecnologias de Informação e Inovação da Águas do Norte, que não tem dúvidas sobre a constante evolução tecnológica, considerando que a capacitação dos trabalhadores será um outro desafio, sendo “inevitável ter colaboradores capacitados para acompanhar as tendências e implementar novas tecnologias”. Além disso, a “capacitação digital pode ajudar a aumentar a satisfação dos próprios colaboradores”, bem como a “prepará-los para funções mais qualificadas”. Apesar dos avanços das tecnologias digitais serem um potencial para todas as áreas do ciclo da água, Frederico Lemos chama a atenção para a cibersegurança, uma vez que as infraestruturas críticas estão cada vez mais conectadas: “A manutenção e a modernização das tecnologias obsoletas será um trabalho desafiador, sendo que hoje constituem-se como uma enorme vulnerabilidade para os sistemas de abastecimento de água e saneamento de águas residuais”.

Um dos desafios que Miguel Lemos chama a atenção é saber olhar para a tecnologia como algo “transformador” e que ajuda as empresas a serem cada vez melhores e não como uma “moda”: “O desafio é manter este foco, mas também estarmos constantemente a desafiar-nos internamente”. Para isso, a Águas de Gaia criou um departamento de inovação, fazendo reuniões semanais, nas quais se debatem ideias e procuramos soluções: “É um viveiro de criatividade tecnológica!”.

Na Infralobo o desfio centra-se na evolução para um modelo de gestão preditivo e de análise de dados: “Devido à nossa dimensão, a dificuldade na deteção e recrutamento de recursos humanos especialistas e com experiência nessa área é uma tarefa bastante desafiante. Para nós e para todas as empresas que querem operar nesse patamar”, refere Carlos Manso.

aposta na formação contínua dos recursos humanos é essencial para permitir às organizações evoluir e melhorar o seu desempenho

Já Francisco Oliveira atenta que, muitas vezes, surgem tecnologias que, à primeira vista, parecem promissoras, mas “cujos custos e, também, algumas dúvidas sobre a sua efetiva utilidade”, tornam mais difícil o processo de decisão. Também, ao nível operacional, é fundamental “criar as condições para que as equipas estejam constantemente a atualizar os seus conhecimentos”, para tirar o melhor partido das tecnologias e soluções instaladas: “Por essa razão, a aposta na formação contínua dos recursos humanos é essencial para permitir às organizações evoluir e melhorar o seu desempenho”, sustenta o responsável da Águas do Ribatejo.

*Este artigo foi incluído na edição 98 da Ambiente Magazine