“A União Europeia tem mesmo que olhar para o oceano e para o mar de uma forma diferente de como fez até aqui” (Parte II)

O mar faz parte da sua vida. Por isso, assegurar um oceano sustentável para as gerações vindouras foi sempre uma das suas missões nos cargos que desempenhou. Nasceu em Lourenço Marques (atual Maputo), Moçambique, em 1961. Formado em Engenharia Química pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto em 1985, José Maria Costa foi presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo entre 2009 e 2021. Hoje, abraça a pasta do Mar, com funções de secretário de Estado e tem o objetivo de tornar a Economia do Mar uma realidade verdadeiramente concretizada. Nesta segunda e última parte da Grande Entrevista, procuramos saber quais as ambições do atual Governo para o Mar e que metas vão ser atribuídas ao Oceano no próximo quadro legislativo.

[blockquote style=”1″]Qual é o estado atual dos nossos Oceanos?[/blockquote]

“Segundo as informações mais recentes, o estado dos oceanos não é muito famoso: mais de 30% das áreas estão doentes. Em Portugal, também temos muito trabalho a fazer na regeneração de muitas áreas marinhas, na reabilitação dos corais e plantações de carbono. Este é um desafio importante, mas temos também que começar a pensar em associar o ciclo urbano da água com os oceanos, ou seja, temos de deixar de deitar tantos resíduos e contaminação para o mar e isso só [é possível] através de uma grande consciencialização da nossa comunidade, passando também por um trabalho de literacia oceânica nas nossas escolas e universidades, no fundo, literacia para os cidadãos: aquilo que deitamos nos nossos esgotos vai ter ao mar. Temos de apertar a malha relativamente àquilo que são os contaminantes, não só os plásticos mas também os químicos ou medicamentos. E ainda precisamos de enveredar pela melhoria das infraestruturas de tratamentos de águas residuais, introduzindo mais filtros e equipamentos para retermos aquilo que são contaminantes. É um trabalho em que temos de envolver toda a comunidade e não só as populações costeiras”. 

[blockquote style=”1″]Citando o secretário-geral da ONU, António Guterres: “Hoje, estamos perante uma emergência oceânica: é preciso que a maré mude”. São várias as Organizações Internacionais que interferem ao nível global sobre os Oceanos, como pode ser criado uma ligação entre estas e blocos geográficos mundiais (América/Europa/África), no sentido dum caminho no mesmo sentido?[/blockquote]

“Penso que já vai havendo alguma cooperação. Posso dar o exemplo da CPLP: na quinta reunião, foi aprovado um conjunto de declarações precisamente com esta preocupação da conservação do espaço marítimo, do combate à pesca ilegal e não reconhecida e das energias renováveis. O próprio Plano de Ação que o Governo de Angola lançou tem essa visão. Neste momento, há uma perceção da Comunidade Internacional da importância e da centralidade do tema dos Oceanos naquilo que é a saúde global do planeta. Penso que isso hoje é mais claro. Naturalmente que aquilo que o Secretário-Geral da ONU disse, e não deixamos de estar de acordo com ele, é que devíamos ter feito mais nestes anos do que aquilo que fizemos. 

Por isso, esta Conferência de Lisboa (2.ª Conferência dos Oceanos) foi tão importante: teve cerca de nove mil participantes, três mil investidores em muitas áreas de todo o mundo, mais de 200 encontros paralelos, seminários e workshops. A Conferência de Lisboa foi um êxito do ponto de vista da mobilização da Comunidade Internacional para os grandes desafios que temos pela frente. Agora temos mesmo de os concretizar. E citando o Presidente da República, “se há matéria de consenso internacional entre os países, neste momento, o consenso é sobre os oceanos. Temos que fazer mais pelos oceanos”. E foi interessante que cada dirigente de cada Estado-Membro das Nações Unidas fosse fazendo reformulação de objetivos e de compromissos: nota-se uma reorientação da preocupação e da estratégia por parte dos Estados-Membros da ONU face à temática dos oceanos. Naturalmente que compete a alguns países que são chamados extratores (maior dinâmica e capacidade de investimentos): falamos de França, Reino Unido, Estados Unidos, Japão e China. Esses [países] têm de facto que serem os motores e de cooperar com os países de ilhas ou africanos. Essa foi uma nota que surgiu na Conferência dos Oceanos: tenho uma visão de esperança de que vamos reajustar-nos aos novos desafios e começar a inverter o ciclo de degradação dos oceanos com os compromissos internacionais que foram assumidos”. 

[blockquote style=”1″]Que visão tem do papel da União Europeia neste contexto de cooperação? [/blockquote]

“A União Europeia, nestes últimos anos, teve uma preocupação compreensível com o seu alargamento a Leste: as políticas e as preocupações do Green Deal foram muito centradas na chamada Europa Continental. Hoje, começa-se a notar em muitos países que é necessário colocar a questão do mar no centro das preocupações políticas europeias. O mar é o novo território da União Europeia e do mundo. E por isso temos que ter mais tempo para discussão de políticas marinhas, intervir nalguns setores, mas também ter políticas mais assertivas e ambiciosas. A União Europeia tem tido um trabalho importante naquilo que se trata de Política de Pescas, mas temos que ir mais além e ter mais ambição e estou certo que quer os Comissários Europeus quer os próprios diretores gerais ficaram com a perceção que, em conjunto, podemos e devemos fazer mais. Do lado de Português, queremos influenciar na necessidade de União Europeia ser mais interventiva e ter mais fundos disponíveis para apoiar a Política Marinha Integrada, mas também a inovação e a gestão das áreas marinhas protegidas: tivemos reunião com representantes de três Comissões do Parlamento Europeu. A União Europeia tem mesmo que olhar para o oceano e para o mar de uma forma diferente de como fez até aqui”. 

[blockquote style=”1″] O trabalho de proteção dos oceanos resulta, no caso português, da cooperação entre ministérios? [/blockquote]

“Em primeiro lugar, resulta daquilo que é a negociação que o Ministério dos Negócios Estrangeiros faz, e tem defendido muito bem o nosso país naquilo que são os Organismos Internacionais (Nações Unidas, na União Europeia ou noutros Fóruns). Portugal está representado ao mais alto nível nas mesmas reuniões de Alto Nível de vários países relativamente aos oceanos. Portugal é reconhecido internacionalmente como um país amigo dos oceanos e com intervenção concreta. O Governo Português e as instâncias governativas estão muito focadas e têm feito um papel muito importante em procurar sensibilizar e motivar as Organização Internacionais. 

Em segundo lugar, temos a nossa comunidade científica muito focada e sensível às questões dos oceanos: temos muitos projetos de cooperação com países da CPLP, organizações nacionais, universidades, IPMA, DGRM, etc. Portugal tem tido, através do seu meio científico, mas também dos institutos públicos, uma presença ativa. E nota-se, hoje, uma grande preocupação das empresas naquilo que é a sustentabilidade. As médias e grandes empresas têm relatórios de sustentabilidade e o tema do oceano acaba por estar centrado. A minha leitura é, que do ponto de vista daquilo que é a sensibilidade e intervenção, Portugal está num bom caminho e temos um percurso feito muito interessante. Estou certo que vamos continuar a trabalhar nesse sentido”. 

[blockquote style=”1″]Colocar o “oceano” no centro do debate foi o objetivo da recente Conferência dos Oceanos. Aquilo que ambicionava desta Conferência concretizou-se?[/blockquote]

“Esta Conferência foi um enorme desafio para mim e toda a equipa: houve um grande trabalho. Agradeço a todas as entidades que tornaram possível a concretização deste objetivo: foi uma organização internacional única que foi referenciada por todos os países e organizações como de excelência. Portugal está de parabéns e isso deve-se precisamente à nossa capacidade de organização. Estávamos todos alinhados no mesmo objetivo: trazer para o centro do debate os temas sobre a sustentabilidade dos oceanos, mas também o melhor da nossa organização e da respeitabilidade do nosso país. Naturalmente que, quando partimos para uma conferência destas, sabemos sempre que estão 194 países na ONU e, portanto, é difícil ter um texto que agrade a todos: é preciso fazer um trabalho de concertação. Mas, apesar de tudo, acho que os objetivos dessa conferência foram atingidos e nota-se uma grande mobilização. Do ponto de vista pessoal, estou satisfeito e, agora, com mais responsabilidade, depois do primeiro-ministro (António Costa) assumir compromissos muito claros e ambiciosos até 2030. Vamos dar o nosso melhor para que Portugal possa ser um exemplo e uma referência a nível internacional de que assume compromissos e que os cumpre e, porventura, até que os consiga ultrapassar até 2030”. 

[blockquote style=”1″]A adoção da Declaração de Lisboa foi o culminar deste Encontro. Como define este texto?[/blockquote]

“Foi uma boa Declaração e, acima de tudo, um reinício de um processo de compromisso internacional. Mais do que o texto, sentimos um grande compromisso com as intervenções: notamos que os líderes internacionais de diversos países assumiram o compromisso, muitos deles superiores à declaração. Viramos uma página importante e a Conferência dos Oceanos de Lisboa vai ser o princípio uma nova atitude da comunidade internacional perante os oceanos”. 

[blockquote style=”1″]Terminado este Encontro, quais são, neste momento, os principais compromissos de Portugal no curto e médio-prazo?[/blockquote]

“Portugal assumiu os compromissos de reservar 30% da sua área marítima para áreas marinhas protegidas, de atingir 10 GWH de energias renováveis oceânica até 2030, termos todas as áreas marinhas de qualidade ambiental e lançar no próximo ano um novo Fórum para o Investimento Sustentável na Economia Azul. Com estes quatro objetivos vamos conseguir ter mais mobilização de maiores financiamentos para projetos de inovação, economia azul, algas, aquicultura e energia renováveis. Vamos ter o nosso espaço marítimo mais salvaguardado e vamos ter reservas de biodiversidade para o futuro. Portugal está a dar um grande contributo para a sustentabilidade e salvaguarda dos oceanos”. 

[blockquote style=”1″] Aos dias de hoje, como perspetiva o oceano nos próximos 20 anos?[/blockquote]

“A minha perspetiva é que sejam muito melhores e, para isso, temos que fazer um enorme trabalho. Cada país tem que fazer o seu “trabalho de casa”, mas estou certo que, com a Conferência dos Oceanos, demos um passo muito importante e, acima de tudo, criamos uma nova esperança para as gerações que vêm a seguir”.  

 

 

 

Esta é a primeira parte da Grande Entrevista incluída na edição 94  da Ambiente Magazine

 📸 Raque Wise