Água: Qual o (verdadeiro) valor do recurso?

É dos bens mais preciosos que temos no planeta e, por isso, não podíamos deixar passar o Dia Nacional da Água. O dia 1 de outubro serve de mote para várias entidades e cidadãos se juntarem em prol de um bem comum (e escasso). O “verdadeiro valor da água” está em destaque neste trabalho, onde quisemos perceber, junto de associações de defesa do consumidor, a real importância que o cidadão presta a este recurso vital.

“O papel do consumidor é determinante, sendo essencial a sua participação ativa em questões como a exigência pela melhoria do serviço prestado, na solicitação de informação sobre a qualidade da água ou na exigência pela transparência do tarifário”, começa por dizer Antonieta Duarte, Analista do Setor da Água da Deco PROTESTE, acrescentando que o cidadão tem a “responsabilidade de proteger este recurso escasso”, sendo responsável pela “diminuição do desperdício de água e pela adoção de escolhas no seu dia-a-dia que permitam um consumo eficiente”. Na visão da responsável, a valorização do consumidor por parte das entidades gestoras quer “prestação do serviço quer na transparência da informação é um “fator crítico de sucesso. A importância dada ao consumidor não é homogénea a nível regional”, admite. Ainda assim, há atores ligados ao setor que têm reconhecido de forma positiva o papel do consumidor, através do “contributo para o reforço legislativo na obrigatoriedade da prestação de informação diversificada” ou na “maior sensibilização a nível nacional e local por meio de campanhas temáticas sobre a qualidade da água, valor da água, redução de perdas de água ou uso eficiente da água”. Para Antonieta Duarte, o desafio do setor prende-se com a “atuação continuada na prestação de serviço com elevados padrões de qualidade”, paralelamente suportado por uma “comunicação transparente e informada, aplicação de tarifários com garantia de acessibilidade económica e proteção dos direitos do consumidor em geral”. Já sobre o valor que consumidor dá água, a responsável refere que há uma perceção diferenciada”, tendo em conta o contexto “local” ou de “alteração de políticas no setor ou situações de crise económica” e hídrica. Mas, independentemente do contexto, o valor da água como “elemento vital” é um facto imutável: “Os estudos que publicamos têm apreciação bastante positiva pelos consumidores, notando-se um aumento da preocupação com esta temática e a tentativa de adoção de comportamentos individuais mais sustentáveis”. Não obstante, “há fatores que acabam por influenciar diretamente o “valor da  água”, como a perceção de qualidade da água para consumo humano, o preço da água, que tem elevadas variações ao nível municipal e regional, ou a falta de informação acessível e transparente sobre as diversas variáveis que compõem “o valor da água” por parte dos vários atores do setor”, atenta. Algo que parece ter despertado a consciência para a importância da garantia ao acesso e à qualidade da água como elemento indispensável à saúde, foi a pandemia da Covid-19: “O simples facto de abrir a torneira e a água passar a ser determinante para a redução do contágio tornou-a mais preciosa. O aumento de consumo trouxe certamente maior sensibilidade para o uso eficiente da água, redução do desperdício e, nalguns municípios, a consciencialização do elevado aumento da fatura da água derivado do seu consumo”, sustenta. Questionada sobre os efeitos dos investimentos feitos através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Antonieta Duarte acredita que os fundos sejam utilizados para “reforço das infraestruturas obsoletas e mitigação da escassez hídrica nas regiões contempladas neste plano”, originando, dessa forma, “impactos positivos para o consumidor ao nível da acessibilidade económica e maior disponibilidade do recurso água com qualidade”. Ainda assim, “os investimentos neste setor são escassos e muito localizados em termos geográficos”, alerta.

[blockquote style=”2″]Um longo caminho a percorrer[/blockquote]

Devido a se tratar de um recuso natural limitado, a água acarreta vários desafios no presente e no futuro. E, apesar de existirem “pequenas mudanças de hábitos e comportamentos pelo consumidor”, são necessários mais incentivos, de forma que o cidadão seja um agente ativo: “Existe uma certa falta de consciência social e um alheamento às consequências nefastas dos nossos hábitos de consumo”. Sandra Passinhas, presidente da Ius Omibus, defende a urgência de se “alterar o atual padrão de consumo. É essencial pouparmos água no nosso dia a dia, limitando o tempo dos banhos, fechando as torneiras, reaproveitando a água utilizada, reduzindo o consumo de alimentos com elevada pegada hídrica (como o chocolate ou a carne) ou o consumo de produtos têxteis e de papel”, exemplifica. Citando as mais recentes previsões, Sandra Passinhas refere que, em 2040, Portugal será um dos países em crise de escassez de água, o que representa “viver com 25 litros de água por pessoa”, por dia. Segundo a Organização das Nações Unidas, são precisos 110 litros para fazer face às necessidades básicas e, tendo em conta os dados da Águas de Portugal, consome-se 187 litros de água por dia: “Está claro que ainda temos um longo caminho a percorrer”. Contudo, reconhece a responsável, as ações de sensibilização surtem efeitos e há cada vez mais consumidores “atentos a estes assuntos e dispostos a alterar os seus hábitos de consumo, mas é preciso informá-los melhor e encorajá-los a essa mudança”. Por isso, a “Nova Agenda do Consumidor” pretende introduzir “ações concretas em domínios fundamentais”, de modo a “proteger os consumidores e possibilitar-lhes que desempenhem um papel ativo na transição ecológica e digital”, acrescenta. A pandemia também teve impacto neste despertar de consciência: “O consumidor experienciou a incerteza e, de certa forma, a escassez de alguns recursos, o que pode ter conduzido a uma maior consciencialização dos efeitos nefastos de maus hábitos de consumo”. Apesar do PRR dar destaque à necessidade de se mitigar a escassez de água, nomeadamente nos territórios onde essa situação é mais problemática, Sandra Passinhas atenta na urgência de medidas que “capacitem, apoiem e permitam que cada consumidor, independentemente da sua situação financeira, consiga desempenhar um papel ativo na transição ecológica sem discriminação social”.

[blockquote style=”2″]Só a valorizamos, quando não a temos[/blockquote]

Se o consumidor perceber o ciclo da água e respetivas etapas, facilmente chegará à conclusão que o seu papel é proteger o recurso. Esta visão é partilhada por Joana Sousa e Filipe Freitas, técnicos da Direção de Serviços do Consumidor (DSC) do Governo Regional da Madeira: “A consciência de que a água é um bem escasso responsabiliza o consumidor neste domínio, em especial, o papel, que a todos se exige, de proteger o próprio planeta, através da adoção de comportamentos ambientalmente sustentáveis”. Os responsáveis não têm dúvidas da importância do consumidor: “É ele quem vai ditar o futuro deste setor e a forma como chegará às próximas gerações”. Neste percurso, tudo dependerá das atitudes individuais e sustentáveis de cada um: “Não podemos, por isso, adotar comportamentos egoístas, mas sim, pensar nos outros, na sociedade e no planeta”. O consumidor tem ainda relevância na vida dos outros consumidores, mais precisamente, numa “vertente educativa e de sensibilização”, para a adequada valorização deste recurso. Apesar de existir uma “maior sensibilização” Joana Sousa e Filipe Freitas constatam que a “maioria dos consumidores” não dá o “devido valor” à água: “De um modo geral, não temos consciência da escassez da água, e, por regra, só a valorizamos, quando não a temos”. Contudo, as lições que a pandemia trouxe despertou no cidadão a consciência para a “correta utilização do recurso” de forma a “adaptá-lo às suas reais necessidades”, promovendo a sua poupança. No que diz respeito à Região Autónoma da Madeira, os técnicos da DSC acreditam que a informação tem sido um “meio privilegiado” para “formar consumidores” mais responsáveis e preocupados com a sustentabilidade do planeta e seu futuro: “No entanto, consideramos que essa preocupação não se pode esgotar em gestos esporádicos, devendo antes, se refletir em ações regulares”. Relativamente ao investimento de 70 milhões de euros previsto para a Região, Joana Sousa e Filipe Freitas acreditam que será um “importante contributo” para que fiquem garantidas as necessidades dos consumidores e das atividades económicas e agrícolas: “Com a implementação destes projetos de otimização da utilização deste recurso, será feita uma melhor gestão hídrica, recuperando-se assim, elevadas perdas que existem e evitando a sua escassez nas gerações futuras”.

[blockquote style=”2″]PRR: Tudo o que se possa dizer agora será especulativo[/blockquote]

Para Mário Agostinho Reis, secretário-geral da Associação de Consumidores da Região dos Açores (ACRA), é indiscutível o papel do consumidor, mas não deixa de lamentar o facto do cidadão ser “chamado por tudo e por nada” a pagar, sendo que a situação se agrava quando “os critérios nem sempre serão os mais justos”. De acordo com o responsável, a prática corrente é “taxar” em função do volume de água sem atender à sua decorrência: “As autarquias já nos habituaram a isto e não parece que queiram mudar. Cobra-se em função dos metros cúbicos de água sem questionar e atender ao motivo que lhe esteja subjacente”. Apesar do “custo da água por escalões” poder ser positivo enquanto “travão ao desperdício”, Mário Agostinho Reis levanta dúvidas quando se trata de um agregado familiar numeroso: “É assunto que não tem merecido a reflexão devida a nosso ver”. O trabalho nas escolas também é uma mais-valia, pois promove boas práticas para o correto uso da água, mas tão importante é a implementação de medidas “palpáveis” por parte dos poderes públicos. Já sobre o PRR, secretário-geral da ACRA acredita que o consumidor poderá ter alguns benefícios, na sua maioria “reflexos dos programas e das políticas” que possam vir a ser implementadas. Contudo, ainda é cedo para tirar conclusões: “Tudo o que se possa dizer agora será especulativo”. Ainda assim, o responsável acredita que o país e o arquipélago terão a “ultima oportunidade” para “corrigir erros” do passado: “Haja bom senso e prudência. Na ânsia de o fazer, não se enverede por atalhos de conduzam ao precipício”, alerta.