#Ambiguia: A falta de água será a próxima crise europeia?

Depois de um mês de abril com recordes de temperatura máxima, o Governo já declarou situação de seca em 40% do território nacional. A esta situação acresce que Portugal está entre os países que mais vai sofrer com a falta de água. Já são muitos os investigadores a alertar para a necessidade e urgência de um consumo mais sustentável.

No meio de tantos alertas, será que a falta de água pode vir a ser a próxima crise europeia? 

Por: Francisco Oliveira, Presidente do Conselho de Administração da Águas do Ribatejo 
  • O que é que significa estar 40% do território nacional em seca?

Significa que vamos ter tempos difíceis pela frente. Nesta altura, ainda antes de entrarmos na fase mais quente e seca do ano, temos já uma parte muito considerável do país em seca, o que quer dizer que vamos ter um verão complicado. É expectável que com o passar do tempo a situação se venha a agravar.

  • Como é que se explica uma situação de seca em 40% do território nacional no mês de maio?

A explicação é relativamente simples: tivemos, em 2022, uma situação de seca bastante acentuada que, na parte final do ano e no início deste, se atenuou nalgumas zonas. Mas noutras zonas do país, particularmente no Alentejo e Algarve, os índices de precipitação não permitiram recuperar os níveis das albufeiras e cursos de água, pelo que esta seca acaba por ser, na prática, uma continuação da que já vinha do ano anterior.

  • Como é que se prepara um país como Portugal para dar resposta a um desafio desta envergadura?

Não é fácil… Sabemos que as situações de seca são, e muito provavelmente serão, cada vez mais frequentes e persistentes, pelo que a adaptação a esta nova realidade implicará mudanças estruturais. Existe muitas vezes a tendência de adotar medidas conjunturais e pontuais para mitigar os impactos destas secas, o que está correto, mas temos também de equacionar outro tipo de medidas, que implicam alterações de atitudes e comportamentos, que são necessárias para assegurar um futuro mais sustentável no médio / longo prazo.

  • Quando é que o cidadão vai dar o devido valor à água? E até lá, o que pode fazer?

Nós, enquanto cidadãos, tendemos a atribuir um maior valor às coisas que são escassas… Por essa razão, nos países em que a água é um bem escasso, as pessoas lhe atribuem um enorme valor. No nosso país, felizmente, como na esmagadora maioria das situações temos água disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano, e água de qualidade, damos essa realidade por adquirida e não damos, muitas vezes, o devido valor a este bem tão precioso que é a água. É importante sensibilizar os cidadãos para a importância vital deste recurso, para que possamos todos ter comportamentos mais sustentáveis. É praticamente certo que haverá, no futuro, menor quantidade de água disponível pelo que a única solução será utilizá-la de forma mais racional e eficiente.

  • Medidas como as que foram tomadas pela França podem e devem ser replicadas em Portugal? Porquê?

As medidas a adotar devem ser adequadas e proporcionais à situação de cada país e, mesmo, de cada região. O nosso país, apesar de pequeno, tem situações muito diversas no que se refere às disponibilidades hídricas, pelo que não faz sentido pensar em medidas iguais para todo o país, quando a situação não é igual em todo o território. Por outro lado, e como já referido, medidas pontuais de limitações ao consumo são importantes, mas têm de ser acompanhadas de outro tipo de medidas, de caráter mais estrutural. Por exemplo, mais do que proibir a rega de jardins num determinado momento, o mais importante será pensar num novo tipo de jardins, com plantas mais adequadas e adaptadas ao clima de cada região, que consumam menos água.

  • A agricultura e o turismo são mesmo os setores que consomem mais água ou é trata-se de uma “acusação” sem fundamento?

A agricultura é, a nível mundial, e também em Portugal, o setor que consome maior quantidade de água. Essa água é necessária para a rega das culturas das quais provêm grande parte da nossa alimentação. Por essa razão, não se pode, pura e simplesmente, deixar de consumir água na agricultura… No entanto, e tal como em todos os outros setores, é fundamental melhorar a eficiência no consumo de água. A evolução tem sido positiva, mas temos de continuar a melhorar. Por outro lado, é também importante equacionar a utilização de outras fontes de água na agricultura, nomeadamente ApR, tal como já sucede no turismo (nomeadamente nalguns campos de golfe). Um outro aspeto fundamental passa por avaliar a adequação de determinados tipos de cultura a um determinado território. Isto é, se temos um território com pouca água, deveremos privilegiar culturas que consumas menos água, e não o contrário.

  • Como tornar estes setores mais despertos para o problema?

Estes setores, como outros, já estão despertos para o problema. O que temos de fazer é mudar comportamentos, e isso leva o seu tempo.

  • A água pode vir mesmo a ser a próxima crise europeia?

Diversos estudos apontam a água como um dos principais riscos a nível global, em matéria de potenciais conflitos entre países. As principais empresas a nível global elegem, também, a água como um dos fatores críticos nas suas decisões de investimento, designadamente em termos de localização.

Se a água será, ou não, a causa da próxima crise europeia, é difícil dizer… Mas será, seguramente, um dos temas mais importantes na nossa vida coletiva, quer a nível nacional, europeu ou mundial.