ANP|WWF: “Temos que olhar para o setor da água com uma visão construtiva”

A ANP|WWF Portugal continua a trabalhar e a estudar sobre gestão responsável do recurso água. Quem o diz é Ângela Morgado, diretora executiva da ANP | WWF Portugal, sublinhando os dois estudos desenvolvidos pela associação (“Viver para além da água que temos” e “O futuro tem menos água”), ambos lançados no Dia Nacional da Água (1 de outubro de 2019 e 1 de outubro de 2020, respetivamente) e que alertam para uma realidade onde a água é cada vez mais escassa em Portugal. O “aumento global da temperatura, verões mais longos, menos chuva no inverno” são alguns dos fatores que contribuem para que exista menos água à superfície: “O país tem atravessado secas mais frequentes e prolongadas particularmente em zonas onde isso antes não acontecia, além do sul do país”.

A responsável, que falou na sessão “O futuro da água, um desafio doce e salgado: da água potável à economia do mar”, promovido pelo BCSD (Business Council for Sustainable Development) de Portugal, no âmbito da segunda temporada do programa “Conversas sobre Sustentabilidade”, atenta que as previsões para o futuro não são as melhores: “Nos próximos 100 anos, vai existir uma redução de até 30% na precipitação em regiões do país onde atualmente já estão a atravessar séria escassez hídrica como o Algarve”.

O que é que urge fazer? Em termos de ações, Ângela Morgado sublinha a necessidade de se “limitar o consumo de água em algumas bacias do país”, com destaque para o “Sado, Mira e Barlavento Algarvio”. Depois, com o consumo de água a aumentar de ano para ano e com um futuro marcado pela escassez de água, “apelar ao consumidor para poupar água” não é suficiente: “É mesmo preciso preparar esta realidade”, reitera. Para tal, “limitar o consumo em algumas bacias, permitir apenas os consumos onde tenham garantia de abastecimento, promover medidas efetivas para proteger os recursos hídricos, e, em particular, aumentar a eficiência da gestão de água”, são algumas das soluções defendidas pela responsável. E como fazemos? Para a diretora executiva da ANP | WWF Portugal, é fundamental “trabalhar na gestão partilhada e responsável deste recurso”, abordando todas as partes interessadas e todos os utilizadores do recurso, nomeadamente, o setor da agricultura que gasta 70% da água disponível: “Temos que olhar para este setor com uma visão construtiva, envolvendo todos na gestão responsável deste recurso”. Aliás, precisa a responsável, este é um trabalho que a ANP|WWF Portugal tem feito com as “confederações dos agricultores”, partilhando “algumas sugestões” para uma “reforma da PAC (Política Agrícola Comum)” que permita a “sustentabilidade do recurso”.

Ainda com os olhos postos nas soluções e medidas a adotar, a diretora executiva da ANP | WWF Portugal, defende um “trabalho conjunto” entre “governantes e empresas” de forma a substituir a “tradicional resposta infraestrutural”, isto é “acabar com a construção de novas barragens”, promover “soluções naturais baseados nos serviços de ecossistemas”, aplicar integralmente os “princípios e normas da Diretiva Quadro da Água”, proteger e restaurar os “caudais ecológicos” e o “funcionamento natural dos ecossistemas fluviais” ou ainda “remover barreiras obsoletas”. Em suma: “Trazer para Portugal iniciativas coletivas de gestão responsável da água”, sustenta.

[blockquote style=”2″]Reconhecimento das pradarias na própria limpeza da água[/blockquote]

“Mudar comportamentos” é a missão da Ocean Alive que, além de trabalhar para inspirar outras ONG (Organizações Não Governamentais), tem como propósito a “preservação das pradarias” na qualidade da água. Raquel Gaspar, cofundadora da Ocean Alive, não tem dúvidas de que as pradarias são “heróis” na qualidade da água: “São um serviço natural do qual beneficiamos para a limpeza da água e têm um efeito antimicrobiano porque conseguem reduzir em 50% muitos dos agentes patogênicos”. Além disso, as pradarias têm uma grande capacidade de sequestro de carbono: “Um hectare de pradaria marinha pode sequestrar 830 quilos de carvão por ano, o equivalente a 30 vezes mais do que as florestas terrestres”. Estas mais valias e vantagens das pradarias já começam a ser cada vez mais divulgadas: “Existem investigadores em Aveiro e no Algarve que estão a estimar trazer este conhecimento para darmos valor às nossas pradarias”. Contudo, o “grande problema das pradarias” é que estão nos locais menos conhecidos: “O nosso trabalho na Oceano Alive e no estuário do Sado  tem sido lutar pelo reconhecimento das pradarias na própria limpeza da água”.

Apesar dos progressos notórios no Estuário do Sado, nomeadamente, com as indústrias a terem que se certificar e valorizar em termos de impacto no ambiente aquático, Raquel Gaspar não deixa de sublinhar os riscos que ainda se corre: “Precisamos de continuar com reformas e políticas que previnem a perdas das pradarias e a começar a implementar reformas que nos permitam reflorestar o mar”.