APDA defende “equidade das entidades gestoras” não fazendo sentido “regimes jurídicos diferenciados” 

“Os Desafios da Economia da Água” foi o tema central do webinar realizado na passada sexta-feira pela APDA (Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas), através da sua Comissão Especializada de Legislação e Economia.

J. Henrique Salgado Zenha, vice-presidente da APDA, foi um dos oradores convidados da sessão e centrou a sua intervenção nas “Dificuldades do setor: convergir, não agravar, simplificar, sustentar”.

Até ao século XX, lembra o responsável, houve “grandes atrasos e graves problemas” na cultura do setor, “uma dificuldade significativa que só foi resolvida a partir do final dos anos 90 com alterações institucionais significativas que tiveram uma sequência de 20 anos”. Durante essas duas décadas, houve uma “ocorrência significativa de fundos europeus” que permitiram “grandes investimentos” e, daí, um “acréscimo da fiabilidade e qualidade do abastecimento da água”, da “cobertura e tratamento das águas residuais” e da “recuperação dos meios recetores”, tanto do mar como nas praias fluviais e os rios em geral

Estes progressos trouxeram, contudo, alguns inconvenientes: “O sucesso funcionou como uma espécie de grande nuvem branca que escondeu as falhas ainda muito sérias”. J. Henrique Salgado Zenha atenta ainda que os inconvenientes deram origem a uma tendência para o “perfecionismo” no setor, criando-se a ideia de que esse sucesso permitia que Portugal pudesse estar com “níveis de qualidade e exigência” que deviam ser comparáveis aos países mais ricos. Além disso, verificou-se “algum enviesamento” no setor, nomeadamente no “abastecimento de água” e no “controlo das capacitações cada vez mais lasso”. No que diz respeito às águas residuais, verifica-se um “grande desequilíbrio” cuja exigência, segundo o responsável, “que é feita aos consumidores de água através do tratamento de saneamento de águas residuais não tem paralelo no tratamento das questões relacionadas com a poluição pecuária industrial”.

[blockquote style=”1″]87% das entidades gestoras têm ainda mais de 20% de perdas[/blockquote]

Nesse mesmo sucesso, ficaram “escondidas” muitas fragilidades estruturais: “Portugal funciona em termos económicos do setor como um país verdadeiramente holista”. De acordo com o vice-presidente da APDA, o país está com “recuperações de gastos muito baixas” e com “fragilidade económica e técnica” que se reflete na “água não faturada”, no “deficiente conhecimento das infraestruturas” e numa “menor capacidade técnica de respostas”. E se há “fragilidades estruturais que são específicas nas entidades de menor dimensão”, há outras que são transversais, dando como exemplo as “perdas de água” que são ainda muito significativas: “87% das entidades gestoras têm ainda mais de 20% de perdas”. O responsável chama ainda a atenção para o tratamento de lamas das águas residuais, considerando o tema como muito preocupante: “Em Portugal, estamos sujeitos a monopólios regionais de recolha e de deposição final de lamas que não resolvem o problema e nos deixam numa situação de fragilidade perante a provável exigência subsequente da legislação europeia e da implementação dessa legislação”. Por outro lado, o “ritmo de reabilitação dos sistemas” tem também problemas graves.

[blockquote style=”1″]Convergir, não agravar, simplificar e sustentar[/blockquote]

J. Henrique Salgado Zenha destaca também a crise da última década que foi também um fator de agravamento para o setor: “Houve menos financiamento e menos investimento”. E, neste momento, há novos fatores de pressão como a “emergência climática” ou a  “eficiência energética”, sendo que, nesta última, os investimentos em Portugal têm privilegiado a “eficácia” em vez da “eficiência”, refere. Depois, acresce também a pandemia da Covid-19 que já está bem presente e é uma “crise social” que vai dificultar a recuperação de gastos: “A expectativa é de que, no curto e no médio-prazo, haja algumas dificuldades na recuperação de gastos para muitas entidades gestoras e uma menor compreensão por parte dos consumidores para essa recuperação”.

E o que é que se pode fazer? J. Henrique Salgado Zenha é claro: “Convergir, não agravar, simplificar e sustentar”. E para convergir é preciso que as leis e os regulamentos sejam claros: “Há um conjunto de normas que são aplicadas apenas a uma parte das entidades gestoras e não são aplicáveis a outras”. Relativamente ao incumprimento de recuperação de gastos, o vice-presidente da APDA alerta para o facto de haver uma “parte do setor” que não cumpre a imposição legal de recuperação de gastos: “É um problema central. É preciso ter contas distintas e rigorosas para cada atividade e evidência de subsidiação, ou seja, tornar transparentes as contas para se saber o que é que está subsidiado”. Nestas matérias, a transparência da faturação também tem que dar passos: “Ainda é complexa e precisava de ser melhorada em várias entidades gestoras”, precisa.

Para não agravar, o responsável foca a importância de “preparar as agregações adequadamente” e, ao mesmo tempo, fazer uma “progressividade das medidas sem preocupação”. Depois, tão importante é também ter em atenção a “capacidade das entidades gestoras” e a “incapacidade das entidades gestoras”, sendo que, nesta última, o responsável destaca a importância de “dar-lhes músculo antes de começar a exigir demasiado exercício”. Com isto, é preciso ter em atenção à conjuntura: “Não se pode exigir mais ao setor durante a pandemia e no fim da pandemia”, atenta. Ainda nestas matérias, o responsável chama a atenção para a sensatez: “Se for inadiável fazer algumas alterações no curto-prazo, imponham-se primeiro as novas exigências, de forma a dar tempo de adaptação às entidades gestoras e só depois se imponham as sanções”. Quanto aos “saltos qualitativos” J. Henrique Salgado Zenha destaca a importância da “reutilização”, sobretudo em situação de “emergência climática”. Mas defende que deve ser feita não com “carácter generalizado e imediato” mas antes onde for necessário, devendo ser paga pelos consumidores só na medida em que eles são beneficiários delas: “Não devem ser os consumidores a subsidiar outras atividades ou outras entidades com a reutilização que é feita nas suas ETAR´s”.

Para simplificar, o responsável considera que é essencial dar prioridade ao “cumprimento das atuais exigências legais” e ter em atenção à “necessária progressividade”, isto é, “não fazer tudo ao mesmo tempo” e, também, “pensar em soluções para dificuldades sobreorçamentadas” como as perdas, as lamas ou a reabilitação, além da “diversificação das soluções, agregações e prestação de serviços”. O vice-presidente da APDA considera que é também importante “adaptar e agradar” objetivos, “simplificar os planos e regulamentos e amaciar a sua calendarização”, bem como “graduar os objetivos fundamentais e as prioridades” e “criar condições de sustentabilidade para todas as entidade gestoras”.

Para sustentar, o responsável defende que é preciso criar condições para uma campanha nacional de esclarecimento aos consumidores: “A fatura da água já cobre três serviços e cada um deles tem custos muito mais baixos do que as faturas correspondentes da energia ou das telecomunicações. E para o consumidor é tudo fatura da água”. Desta forma, o responsável defende uma “campanha subsidiária”, no sentido de “explicar de uma forma simples e clara” que os consumidores estão a pagar “muito menos” pela “água”, pelo “saneamento” e pelos “resíduos sólidos”, incluídos na fatura da água. Depois, é preciso tornar como prioridade absoluta o “nivelamento do setor” e o “equilíbrio das pequenas entidades gestoras”, dirigindo os “financiamentos disponíveis para as zonas mais desprotegidas”. Nestas matérias, o responsável considera também uma prioridade os “objetivos instrumentais”, dando como exemplo, a “recuperação de gastos” ou a “transparência de contas”.

Em suma, J. Henrique Salgado Zenha defende que, no rumo à modernização do setor, deve-se “harmonizar políticas” e, ao mesmo tempo, “articular a autoridade do Estado entre os vários intervenientes”, bem como uma “equidade das entidades gestoras”, não fazendo sentido que haja “regimes jurídicos diferenciados” entre as entidades dentro do mesmo país.