Associações alertam para falhas graves no Estudo de Impacte Ambiental do caminho das Ginja na Madeira

São 11 as Organizações não-Governamentais que se opõem à construção de uma estrada em plena floresta Laurissilva na Madeira, numa zona protegida classificada como Rede Natura 2000 e Património da Humanidade pela UNESCO. O Estudo de Impacte Ambiental do projeto, que está em consulta pública até esta terça-feira, 7 de dezembro, mesmo depois de reformulado continua a “apresentar ilegalidades, falhas técnicas graves e uma tentativa grosseira de ocultar o estado atual do ambiente” no local.

Estes são aspetos que levam a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), a ANP/WWF Portugal, a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, a Associação para a Defesa e proteção das Florestas Laurissilva (DFLP), a FAPAS, o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), a Iris – Associação Nacional de Ambiente, a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, a Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO) e a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, a recomendar à Secretaria Regional de Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas da Região Autónoma da Madeira que a Declaração de Impacte Ambiental seja desfavorável e que o projeto seja abandonado.

“Não existem quaisquer dados que comprovem a necessidade desta infraestrutura: não há qualquer justificação socioeconómica, e muito menos ambiental”, declara Domingos Leitão, diretor executivo da SPEA, acrescentando que “este projeto que não só não tem qualquer utilidade para a conservação da natureza como põe em causa anos de trabalho e investimento na proteção da floresta Laurissilva; não faz qualquer tipo de sentido”.

O projeto, promovido pela Secretaria Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural do próprio Governo Regional da Madeira, orçamentado em cerca de 12 milhões de euros, e submetido pela segunda vez a Estudo de Impacto Ambiental, pretende transformar o caminho entre o sítio das Ginjas, em São Vicente, e o Paul da Serra num troço de Estrada Regional. “Este caminho situa-se dentro da Rede Natura 2000 e atravessa áreas de habitats classificados como prioritários para a conservação da natureza, e onde ocorrem espécies prioritárias para a conservação a nível europeu”, alertam as associações.

Por isso, reclamam as ONG, o projeto tem, segundo a legislação europeia, obrigatoriamente de ser alvo de um processo de Avaliação de Impacto Ambiental com requisitos legais que o atual Estudo de Impacte Ambiental não cumpre:

  • Não demonstra nem fundamenta a necessidade do projeto;
  • Não estuda nem compara alternativas ao projeto, nem inclui a alternativa zero, como exige a Diretiva Habitats para projetos que afetam da Rede Natura 2000;
  • Não carateriza adequadamente a situação de referência no que diz respeito à flora e fauna protegida e prioritária no âmbito das Diretivas Aves e Habitats. Não efetuou os investimentos suficientes para a recolha de informação na área do projeto e de grupos da fauna prioritários, como os insetos e os gastrópodes terrestes;
  • Não tem em conta nem o trabalho, nem o investimento em restauro dos habitats e das espécies ameaçadas que foram desenvolvidos anteriormente na área do projeto, financiados com dinheiros públicos;
  • Não identifica, nem avalia corretamente, os impactos sobre as espécies e habitats prioritários, nem avalia devidamente os impactos cumulativos desta construção com outras infraestruturas no local, como são os parques eólicos na envolvente;
  •  Como consequência direta da insuficiente caracterização da situação de referência e deficiente identificação de impactos ambientais, também não são indicadas medidas de minimização, compensação e monitorização adequadas e suficientes para cumprir com as garantias exigidas pela Diretiva Habitats na salvaguarda da Rede Natura 2000.

Segundo as ONG, a conversão deste caminho de terra batida numa Estrada Regional implica não só a “pavimentação”, mas também um “alargamento da via para uma largura média de quatro metros e a construção de estruturas (incluindo um muro guia em betão, uma valeta para a recolha das águas pluviais, estruturas de suporte e 10 docas para manobras e estacionamento) que irão destruir plantas nativas e ter um impacte devastador na biodiversidade desta área protegida”.

“Todas estas práticas são inaceitáveis numa área protegida, e esta atuação vai contra todas as diretrizes comunitárias para a preservação de áreas protegidas”, alerta Domingos Leitão.

Esta área foi alvo de um projeto de conservação, o LIFE Fura-bardos, entre 2013 e 2017, financiado por fundos comunitários do programa LIFE, para assegurar a qualidade e regeneração deste habitat ameaçado e reduzir a sua fragmentação. A ser aprovado, o projeto de alteração do caminho terá o efeito contrário, onerando duplamente os contribuintes: primeiro pagaram para recuperar e proteger, e agora irão pagar para destruir o que foi recuperado e está protegido.

O Estudo de Impacte Ambiental atualmente em consulta pública reconhece a importância da conservação deste habitat e da necessidade de aumentar a sua resiliência a incêndios e eventos climáticos extremos relacionados com as aluviões. No entanto, e ao contrário do que argumenta o Governo Regional, a melhor forma de o fazer não será alargando e pavimentando este caminho. Pelo contrário, as organizações propõem que se invista na “recuperação das margens do caminho com vegetação nativa”, que se “condicione o acesso para fruição à passagem pedonal” e que se “controle por via da colocação de cancelas o acesso automóvel não autorizado”. Estas medidas, para as associações, permitirão “reverter o impacte nefasto” que esta estrada tem vindo a ter sobre os habitats e o equilíbrio hidrológico do local, em vez de o agravar.