Autarcas colocam em causa atual modelo de gestão dos aterros em Portugal

São várias as questões que os autarcas de Valongo e da Azambuja levantam relativamente à gestão dos aterros dos seus municípios, da opacidade do modus operandis das empresas que gerem estes empreendimentos, à inação por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), IGAMAOT e CCDR´s respetivas. As dúvidas foram levantadas durante as audições da Câmara Municipal de Valongo sobre o aterro do Sobrado e a da Câmara Municipal de Azambuja sobre o aterro da Azambuja, que decorreram no Parlamento da Assembleia da República.

Odores, pragas de insetos, descargas ilegais em ribeiras e rios, contaminação de lençóis freáticos, mistura de resíduos de amianto com resíduos não perigosos em deposições feitas, dúvidas nos licenciamentos, entidades públicas impedidas de visitar os locais, são alguns dos elementos apontados pelos autarcas na Assembleia da República como prova de que algo tem de ser melhorado na gestão dos resíduos em Portugal. O timing até pode ser o melhor pois está em curso a Revisão do Regime Geral da Gestão dos Resíduos e o Diploma que regula a sua deposição em aterro, bem como a possibilidade das revisões e alterações da licença serem efetuadas após a realização de fiscalização e inspeção de forma harmonizada.

José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara Municipal de Valongo, indicou no Parlamento inclusive que o processo de Licenciamento do Aterro do Sobrado está em investigação, por “indícios de violação do PDM”. O responsável recorda que começaram em 2015 os odores e maus cheiros junto da população. Este aterro é “algo que foi mal licenciado e que funcionou estes anos todos em ilegalidade”, indica o responsável que acrescenta “a APA e a CCDR licenciaram a renovação de licenças apesar de indicarmos (autarquia) que havia contaminação de águas”. Estranha ainda José Manuel Ribeiro, que neste processo de renovação de licença não seja “necessário a autarquia ter conhecimento do mesmo”. Indica ainda o responsável que é obtido então “um licenciamento da empresa para produção de gás, sendo que a empresa não tinha licença urbanística para tal”.

Para o presidente da Câmara de Valongo, este é “um caso vergonhoso, a lei está mal feita”, acrescentando que se for mudada poderá ser a forma “de as empresas olharem para o resíduo de outra forma”, até porque “o Centro Integrado de Valorização dos Resíduos do Sobrado, é um Aterro”. Indica ainda o responsável que é necessário “rastrear os movimentos dos resíduos para que se saiba o que é enterrado, pois ninguém sabe o que entra no Aterro do Sobrado, é um buraco negro”.

O autarca refere que “por 11 vezes foi contaminada a rede de saneamento da região”, a mesma “empresa que tem pedido à APA para descarregar efluentes na Ribeira de Vilar, que no verão não tem água”.

Joana Bento, deputada do Partido Socialista, durante a audição, relembrou que está em curso a Revisão do Regime Geral da Gestão dos Resíduos e o Diploma que regula a sua deposição em aterro, bem como a possibilidade das revisões e alterações da licença serem efetuadas após a realização de fiscalização e inspeção de forma harmonizada. Este ponto de situação relativamente aos aterros vai ao encontro, de acordo com a responsável, do desenvolvimento de um Plano Estratégico de Gestão de Resíduos e do novo Plano de Resíduos Urbanos para o período de 2021 a 2030.

A responsável indica ainda que o Grupo Parlamentar do PS deu entrada de um Projeto de Resolução que entre outras medidas recomenda ao Governo que proceda à elaboração pela Autoridade de Resíduos de um relatório anual sobre os aterros, que defina a monitorização dos níveis de qualidade dos aterros em Portugal e que promova uma fiscalização designadamente pela definição de um programa de inspeções frequentes.

José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara Municipal de Valongo, a finalizar a sua intervenção apela para que haja uma maior transparência e que esta seja transposta na revisão nacional da legislação. Para o responsável, este é o “lado negro do consumo”, “é importante que as atividades inspetivas façam contra-análise às análises fornecidas pelas empresas”. Conclui o responsável que Valongo não tem um aterro, mas sim um buraco”, perguntando: “Como se fecha um aterro mal licenciado?”.

Ao Sol, a empresa Recivalongo, que gere o Aterro do Sobrado, recusa todas as acusações feitas pelo presidente da Câmara de Valongo e lamenta “profundamente o alarme social que tem sido criado”. Sobre o processo de licenciamento, a empresa explicou que o mesmo “começou e terminou” no município, sendo este o primeiro a “ter conhecimento do projeto, a definir a zona do aterro através do Plano Diretor Municipal e, finalmente, a atribuir a licença de utilização depois de emitidas as licenças ambientais”. “O presidente da câmara fala de contaminação de águas e outros problemas, mas nunca apresentou provas, ao contrário da Recivalongo, que tem vindo a rebater todas as falsas denuncias com a apresentação de análises laboratoriais e relatórios técnicos”, disse a Recivalongo, acrescentando que “o aterro é coberto diariamente com terra ou matérias substitutas, conforme definido na licença ambiental e de acordo com as boas práticas ambientais”.

Aterro da Azambuja
As queixas são muito idênticas relativamente ao Aterro do Sobrado, para Luís Manuel Abreu de Sousa, presidente da autarquia da Azambuja, há preocupações com os odores, linhas de água e com deposições de resíduos perigosos/amianto. De acordo com o responsável o “Aterro tem a porta fechada à autarquia. Não sabemos se têm sido feitas inspeções ao Aterro, Não temos qualquer informação”. Adianta o responsável que a empresa que gere o Aterro quer abrir uma segunda célula, mas que há um desentendimento, pois a autarquia não autoriza a mudança do calendário de aberturas de células, face ao que estava previsto.

Recorde-se que estes dois Aterros encontram-se a uma distância inferior a 500 metros das populações mais próximas. Luís Manuel Abreu Sousa reconhece que a autarquia aprovou o Interesse Público para este empreendimento, mas que todo o restante licenciamento foge às câmaras sendo a CCDR, APA e IGAMAOT as responsáveis.

Finaliza o responsável que adiantando que “enganei-me” relativamente à declaração de Interesse Público, pois “o que existe na Azambuja não é nada comparado com a ideia do que tínhamos ao início”.

Refira-se que sexta-feira o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentou o presente Projeto de Resolução, e recomenda ao Governo que:
1. Proceda a uma avaliação criteriosa das infraestruturas de valorização, tratamento e eliminação de resíduos, com o objetivo de aferir a real e futura capacidades existentes e necessárias e de forma a evitar a ampliação ou instalação de novos aterros, contribuindo para uma eficiente utilização dos existentes;
2. Condicione a atribuição de licenças de aumento da capacidade instalada dos aterros, através por exemplo da abertura de novas células, à avaliação do impacto que este poderá ter no território em que se insere, nomeadamente, ao nível da proximidade de aglomerados populacionais, massas de água, zonas agrícolas e outros de relevância significativa;
3. Suspenda ou revogue das licenças de operadores que, de forma sistemática, incumprem com o definido na lei, principalmente com o princípio da proteção da saúde humana e do ambiente, conforme o artigo 6º do Decreto-Lei n.º 178/2006, e de acordo com a gravidade dos incumprimentos identificados e com a rapidez de resolução destes mesmos incumprimentos;
4. Promova a sistematização de circuitos de eficiência de capacidade e de transporte de resíduos que possibilite reduzir o impacto gerado neste processo, otimizando soluções que maximizem o tempo de vida dos aterros e minimizem a distância e recursos necessários para proceder ao tratamento e depósito dos resíduos;
5. Defina um plano nacional de auditoria, inspeção e controlo das instalações de valorização, tratamento e eliminação de resíduos que resulte num relatório sistematizado de informação a partilhar com a Assembleia da República, onde seja possível analisar, por região: as infraestruturas existentes e o seu enquadramento no território; a quantidade, tipologia, origem e destino dos resíduos recebidos em cada sistema; e os circuitos associados à recolha, transporte e depósito dos resíduos;
6. Garanta o acompanhamento do relatório indicado no ponto anterior e os meios necessários para fazer cumprir as medidas corretivas identificadas nos sistemas sinalizados, priorizando a atividade de acordo com a gravidade do impacto dos incumprimentos, nomeadamente ao nível do provocado na qualidade de vida das populações, na qualidade do ar e dos solos, no ambiente e no respetivo território;
7. Promova uma ampla discussão nacional sobre o setor dos resíduos, em particular sobre os resíduos urbanos, as infraestruturas e sistemas que os gerem e a eventual necessidade de os reavaliar, adaptar ou reinventar com vista a desenvolver um setor mais eficiente, mais resiliente e que permita responder aos desafios que Portugal enfrenta no sentido de atingir a meta de 10% de resíduos em aterro em 2035.

Esta semana haverá uma Audição do Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P e uma Audição do Ministro do Ambiente e da Ação Climática e da Secretária de Estado do Ambiente, sobre a situação ambiental dos aterros de Valongo e Azambuja.