Aves: turnos parentais não dependem da fome ou frio mas do perigo

Foram observados 729 ninhos de 32 espécies de aves limícolas na época de reprodução e a conclusão é que é o risco de predação que determina quem e durante quanto tempo toma conta das crias, segundo noticia hoje o Público. O cientista português José Alves foi um dos que vigiaram as aves na região do Ártico e sub-Ártico.

O recorde absoluto foi de 50 horas seguidas a proteger o ninho, sentado em cima dos ovos, sem comer ou beber, o que pertence ao maçarico-de-bico-comprido, uma das 32 espécies observadas no estudo que vigiou os ritmos e as rotinas diárias das aves límicolas. É o exemplo limite da inesperada diversidade encontrada nos turnos parentais destas aves que vivem em zonas húmidas costeiras, segundo o artigo científico publicado esta quarta-feira na revista Nature.

Quem e durante quanto tempo toma conta das crias? Ao contrário dos casais da espécie humana, as aves límicolas não parecem ter grandes dificuldades em organizar as suas rotinas diárias no período de incubação, e a alternância entre macho e fêmea nos cuidados parentais é comum às 32 espécies estudadas pelo grupo de 76 investigadores. Porém, contrariando as expectativas dos cientistas, não é a fome, o ritmo circadiano – determinado pela luz do dia e o escuro da noite -, ou a latitude local onde o ninho é feito, que ditam os horários dos turnos dos progenitores na guarda das crias. Afinal, o mais importante será a estratégia usada para defender dos predadores.

José Alves, do Centro de Estudos do Ambiente e Mar da Universidade de Aveiro, foi um dos cientistas que participaram no estudo coordenado pelo Instituto de Ornitologia Max Planck, na Alemanha, que incluiu 20 anos de recolha de dados em várias partes do mundo. Há dez anos que José Alves passa cerca de dez meses na Islândia a observar esta aves migradoras que se descolcam para o Ártico e sub-Ártico na época de reprodução, e os últimos três anos foram dedicados a este projeto internacional.

Segundo explicou ao Público, a vigia destas aves que fazem os seus ninhos no chão – mais ou menos camuflados dependendo das espécies -, implica muitas horas de observação direta.

O estudo publicado na Nature revela que a duração dos turnos de incubação varia entre as espécies, e dentro da mesma espécie também pode haver variação entre uma hora e 18 horas de vigia contínua. “As espécies que não escondem os seus ninhos têm turnos de incubação mais curtos. E as que os escondem, camuflando-os cuidadosamente na paisagem, têm mais longos”, explicou o investigador. Isto porque, quando há trocas de turno entre os parceiros, há atividade na proximidade do ninho e os predadores podem descobrir onde estão os ovos, daí que nas espécies que preferem esconder os ovos, os casais optam por turnos mais longos para não denunciar a localização. Já as que não escondem, não têm vantagem “em manter-se sentado nos ovos, porque está a indicar onde eles estão”, fundamentou.