Aviação: As respostas ao impacto das operações no planeta

Poluição do ar, ruído e emissões de CO2 são, pelo menos, três componentes em que a aviação impacta o ambiente. Com os impactos da aviação no planeta já reconhecidos pelo setor, este também reconhece que as mudanças são necessárias para reduzir o impacto e, ao mesmo tempo, tornar a atividade mais amiga do ambiente. Entre os desafios, são também cada vez mais as oportunidades que as companhias aéreas vão encontrando no sentido de responder às exigências climáticas e, em simultâneo, oferecer uma experiência diferenciadora aos passageiros.

Apesar de considerar que a aviação está verdadeiramente consciente dos problemas ambientais, Francisco Ferreira, presidente da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável), lamenta que o setor argumente com as “vantagens indiretas” para o Turismo e para a Economia: “O Governo tem sido extremamente passivo em relação aos problemas que aviação causa”. A título de exemplo, o presidente da ZERO lembra que o “impedimento de voos entre a meia-noite e as seis horas da manhã” teria um impacto significativo em termos de ruído, mas sem sucesso na implementação: “Tem havido complacência para este setor”. Outro aspeto a lamentar é o facto de a aviação ser altamente subsidiada: “Não paga o imposto sobre os produtos petrolíferos, o IVA sobre os combustíveis e os bilhetes, exceto no contexto nacional”, exemplifica. Em matéria de ruído e impacto das infraestruturas aeroportuárias, Francisco Ferreira considera que Portugal está “aquém” do que é necessário: “Não temos a resposta ferroviária desejável para uma das rotas que tem maior número de voos e passageiros, como Lisboa-Madrid, o que se torna difícil agir no sentido de se reduzir o número de voos”, exemplifica. É preciso um “pensamento estruturante mais profundo. O Governo tem dado mais primazia às questões da economia e apoio à atividade turística do que ao valor da saúde”, sublinha. No entender do presidente da ZERO, o problema da aviação relaciona-se com o seu crescimento que, consequentemente, traduz-se em “mais emissões” e prejuízos ambientais: “Isto agrava-se com o pós-pandemia a registar recuperações significativas”.

Francisco Ferreira

Já sobre a solução Montijo, a ZERO, com outras entidades, pronunciou-se negativamente à construção, pelo facto de “não resolver o problema de Lisboa” e de “estar encostado à reserva natural do Estuário do Tejo”: “Juridicamente, pelos argumentos, não será fácil o avanço do Montijo”. Em simultâneo, a ZERO tem ainda em marcha um “processo jurídico” com o objetivo de estar tudo em aberto: “O Montijo não faz parte da equação, mas admitimos que seja discutido”. Quanto ao aeroporto de Beja, Francisco Ferreira acredita que pode e deve parte da “equação”, mas reconhece que “não há nenhum caso de outra capital europeia que não tenha o seu aeroporto principal numa distância na ordem dos 40 quilómetros”. E o mesmo acontece no centro do país: “Achamos que há infraestruturas que podem ser complementares”. O presidente da ZERO dá o exemplo de “voos charter para determinado fluxo turístico”: “Temos vários aeroportos na Europa que têm essa dimensão que permite serem viáveis sem, no entanto, serem considerados aeroportos fundamentais de garantia para grandes cidades”.

No desafio de tornar a aviação mais verde, Francisco Ferreira considera que tal implica tornar a mobilidade mais verde: “Usar o comboio para distâncias até aos 600 quilómetros, reduzir as necessidades de viagens de avião e ter um desenvolvimento tecnológico para a eficiência dos aviões”. Tão importante é fazer com que Portugal não dependa tanto do Turismo: “Temos de pensar como conseguir um desenvolvimento sustentável e que o mesmo engloba a economia. Não é compensando as emissões e plantando árvores que vamos conseguir ultrapassar este dilema das emissões da aviação”.

[blockquote style=”2″]As respostas da aviação[/blockquote]

José Lopes

Mitigar as emissões, estimular a inovação e ir para além do carbono são os três pilares que norteiam a estratégia da easyJet para transformar a aviação numa indústria mais sustentável. Neste âmbito, a companhia trabalha com parceiros de toda a indústria para acelerar o desenvolvimento de tecnologias: “Estamos otimistas para operar em aviões sem carbono a partir de meados de 2030, fazendo esta transição assim que as novas tecnologias estejam disponíveis e comercialmente viáveis”, afirma José Lopes, diretor-geral da easyJet Portugal. Com base nesta premissa, em novembro de 2021, a companhia juntou-se à Race to Zero, campanha apoiada pela ONU, comprometendo-se a atingir a emissão líquida de carbono zero até 2050. Até lá, são já visíveis algumas práticas, como a “implementação de uniformes de tripulação feitos de garrafas de plástico reciclado”, evitando que estas acabem em aterros e nos oceanos, ou a “substituição de artigos de utilização a bordo, já tendo removido mais de 36 milhões”. Além disso, a easyJet já iniciou testes para a utilização de uma mistura de combustível sustentável para a aviação (SAF), “um substituto do combustível fóssil com o potencial de reduzir as emissões de carbono até 80%”. Em matéria de emissões, a low cost já compensou mais de 6 milhões de emissões de carbono do combustível utilizado nos seus voos, traduzindo-se numa redução por passageiro-quilómetro em mais de um terço nos últimos 20 anos.

Maria João Calha

Consciente do impacte ambiental da atividade, a TAP Air Portugal também tem definida uma estratégia de atuação assente em quatro pilares: eficiência energética e emissões de CO2; resíduos; redução da utilização de plástico descartável; e ruído. Quem nos diz é Maria João Calha, gestora de sustentabilidade da companhia, lembrando que, em 2021, a TAP apoiou a Resolução da IATA, adotando o objetivo coletivo de atingir emissões de carbono zero até 2050: “Várias iniciativas estão a ser avaliadas na definição do roadmap para alcançar este objetivo, mas com grande foco nas opções de combustíveis sustentáveis para a aviação, planeamento de novas tecnologias de aeronaves e soluções energéticas eficientes no Campus TAP, em Lisboa”, sustenta, acrescentando que este compromisso é comum a “companhias aéreas membro da IATA” e vai precisar de “articulação com vários stakeholders, principalmente viabilizando alternativas viáveis ao combustível fóssil”. No âmbito da assinatura do “Compromisso Verde” em 2020, iniciativa promovida pela Câmara Municipal de Lisboa, está a meta de “melhorar a eficiência energética média anual das operações de voo em 2% e 20% as emissões de CO2 por passageiro num percurso de 100 km, até 2025”, refere. O foco da TAP é também reduzir os plásticos de utilização única “em 80% até 2025”, sucinta. No que respeita à operação, a gestora sublinha a “frota moderna”, que permite aos aviões terem “motores de combustão mais eficientes”, garantido “reduções até 20% do consumo de combustível e emissões de CO2”, e serem mais silenciosos, minimizando os níveis de ruído da operação.

Para o Grupo SATA, a sustentabilidade ambiental é também um pilar essencial para o desenvolvimento da organização e negócio. A companhia integra um conjunto de compromissos e metas, como a “implementação de um programa de compensação voluntária de carbono para passageiros” até ao final de 2022, a “eliminação do plástico descartável a bordo nas aeronaves” até 2023, até à “redução em 20% as emissões de CO2 (face a 2005) até 2025 e em “20% do consumo de eletricidade nas instalações (face a 2015)”, até 2030, afirma a Direção de Sustentabilidade do Grupo SATA. Ao nível da operação, a SATA admite que a preocupação de tornar os voos mais verdes passou a ser uma prioridade: “Da implementação de medidas operacionais, que se refletem no decréscimo de consumo de combustível, à digitalização dos processos referentes ao voo, conjugado com a eliminação do plástico de utilização única da nossa operação, tudo concorre para que os objetivos traçados pela área da sustentabilidade sejam transversais a tudo o que fazemos”. Sobre desafios, a empresa aponta a “perceção” como primeira barreia: “Apesar da aviação ser responsável por cerca de 2,5% das emissões de CO2 produzidas globalmente, a verdade é que é um setor sempre apontado como fortemente poluente. A perceção não corresponde à realidade”. Além disso, “o setor assume que deverá reduzir ao mínimo a sua pegada ambiental. Tem sido feito um investimento claro nos últimos anos, através de ações concretas levadas a cabo pelos diferentes players do sector, entre os quais as companhias aéreas”, considera

Thibaud Morand

Tornar-se neutra em carbono até 2050 é o objetivo da estratégia global de sustentabilidade do grupo LATAM Airlines. Apresentada em plena pandemia, esta estratégia engloba compromissos que giram em torno de “alterações climáticas, economia circular e valor partilhado”. A este respeito, Thibaud Morand, diretor-geral para a Europa da LATAM Airlines, afirma que um dos principais eixos assenta em trabalhar na “conservação e reabilitação de ecossistemas” da América do Sul: “Estamos empenhados em fazer todos os esforços para compensar as nossas emissões com soluções baseadas na natureza, tirando partido do enorme património natural que temos”. A companhia está a trabalhar em soluções para eliminar os plásticos de utilização única até 2023, gerar zero resíduos para aterro até 2027 ou compensar 50% das emissões domésticas até 2030. Procurando a “redução da pegada de carbono” através da conservação da natureza, o grupo criou o programa CO2BIO: “Entre 2021 e 2023, serão realizadas ações de conservação para aumentar a captura de carbono em cerca de um milhão de toneladas de CO2 e estão a ser efetuados estudos para alargar o projeto e aumentar a captura para os 2,8 milhões de toneladas até 2025”. A LATAM Airlines lançou também o programa “Fly Neutral Friday”, que permite “transformar um dia por semana numa oportunidade de apoiar projetos de conservação de ecossistemas estratégicos na região, compensando as emissões de nove rotas aéreas no Chile, Peru, Colômbia, Equador, Peru e Brasil”. Para tornar a operação mais amiga do ambiente, o responsável considera que é essencial ter “tecnologia e novos combustíveis” que só estarão disponíveis na próxima década, estando a trabalhar com a indústria “para disponibilizar estas soluções o mais rapidamente possível”. Apesar destes desafios, Thibaud Morand considera que o Estado português tem estado em linha com os outros países europeus.

Comprometida com a inovação sustentável e com o Acordo de Paris, a Raynair integra a estratégia “Pathway to Net Zero Emissions”, centrando “esforços para inovar e promover práticas ambientais sustentáveis em todos os negócios”. Entre os compromissos da companhia low-cost, Thomas Fowler, Director Of Sustainability and Finance da Ryanair, destaca o “investimento em aviões com tecnologia avançada”, a “redução em 10% das emissões de CO2 por quilómetro até 2030”, o “uso de 12,5% de combustíveis sustentável até 2030”, ser “neutra em emissões até 2050” e “uma classificação CDP ‘A’ nos próximos dois anos”. Neste processo, a companhia vai investir mais de 22 mil milhões de euros em aviões, o que vai permitir uma “redução de 16% de combustível” e de “até 40% do ruído”, acrescenta. Este investimento acontece depois de, em 2021, a companhia irlandesa ter implementado o “handling elétrico em 11 grandes aeroportos europeus”, permitindo que a assistência em terra seja feita “sem emissões”, com uma poupança de 1000 toneladas de Co2/ano. Em matéria de compensação, a Ryanair, com o Carbon Offset Scheme, oferece a possibilidade aos passageiros de o fazerem voluntariamente através de um contributo ou da Calculadora de Carbono para compensar totalmente as emissões: “100% das contribuições dos clientes vão para nossos projetos climáticos”, como o “Renature Monchique”, fundado em parceria com o GEOTA, o ICNF, o Turismo do Algarve e a Câmara Municipal de Monchique, para ajudar na reflorestação da região após os incêndios florestais de 2018. Esta contribuição, até ao momento, “resultou na plantação de 200 mil árvores que, no futuro, serão responsáveis ​​pelo sequestro de três mil toneladas de CO2 por ano”. Para Thomas Fowler, os desafios que a aviação enfrenta requerem cooperação entre o setor e o Governo, cabendo a este fazer uma “nova reflexão sobre a forma como as novas políticas ambientais deixam de lado o tráfego de longo curso mais poluente”, sucinta.