Biomassa-AP: O potencial do recurso com estratégica de crescimento e desenvolvimento sustentável

O Biomasa-AP é um projeto de cooperação transfronteiriça que consiste na melhoria das capacidades dos centros de I+D das regiões da Galiza e do Norte de Portugal para otimizar a exploração e a utilização da biomassa procedente de restos da poda florestal, dos arbustos, das vinhas e do kiwi.

O projeto, que integra um consórcio europeu liderado pela Fundação Centro Tecnológico de Eficiência Energética e Sustentabilidade (EnergyLab), agrega várias ações de capitalização para promover a competitividade do tecido produtivo da biomassa naquelas regiões, gerando oportunidade para criar riqueza e emprego no âmbito rural e no setor agroflorestal. A iniciativa já teve continuação com um outro projeto, o “Biomasa-CAP”, que aproveita os conhecimentos, experiência e resultados obtidos para potenciar a visibilidade e perceção sobre a biomassa não valorizada mas com alto potencial como um recurso estratégico para o crescimento e desenvolvimento tecnológico, social e do meio ambiente sustentável do território transfronteiriço.

O potencial de biomassa existente na Eurorregião

Dentro da Eurorregião, as oportunidades para este tipo de recurso são muitas: “A biomassa é um dos recursos renováveis ​​com maior potencial no momento e a sua utilização tem aumentado significativamente nos últimos anos devido ao aumento das energias não poluentes”, afirma Yarima Torreiro Villarino, investigadora de bioenergia do Centro Tecnológico EnergyLab, acrescentando que “este crescimento está a promover não só o aperfeiçoamento das tecnologias de valorização energética existentes, como também a procura de novas fontes alternativas de biomassa”.

Para a investigadora este projeto demonstra que “a valorização e utilização da biomassa é uma oportunidade estratégica de crescimento e desenvolvimento sustentável a nível económico, tecnológico, social e ambiental no território transfronteiriço”.

Uma análise dos principais produtores dos setores da biomassa e a avaliação do potencial das biomassas selecionadas concluiu que existem cerca de 1 milhão de ha de superfície de matos em terrenos sem arvoredo: 53% ficam localizados na região da Galiza tem 53% e os restantes 47% no Norte de Portugal. Destes, cerca de 500 mil ha equivalentes de matos foram considerados como sendo área potencialmente mecanizável, com uma cobertura de 100%. Desta forma, o potencial existente de matos, considerando um período de aproveitamento de 8 anos, poderá atingir 1,5 Mt / ano de biomassa em estado verde, o que equivaleria energeticamente a mais de 341.000 TEP (tonelada equivalente de petróleo).

O mesmo se aplica à exploração do kiwi. Existem cerca de 2.500 ha de plantações, 72% dos quais encontram-se na região norte de Portugal. Como estas plantações estão normalmente preparadas para possibilitar a mecanização e são de grande tamanho, é praticamente viável a recolha das podas em todas as plantações. Em média, são geradas anualmente 4,65 t de biomassa verde por ha, e aproximadamente 77% pode ser recolhido, estimando-se que o potencial de aproveitamento de biomassa da poda de kiwis na Eurorregião é de cerca de 9.000 t no estado verde, o que equivale energeticamente a 1.300 tep (tonelada  equivalente de petróleo).

Na vinha, o cenário é diferente. Apesar de existirem mais de 108.000 ha de vinha, apenas 38.000 ha são considerados como área potencialmente mecanizável na recolha de restos de poda da vinha, devido principalmente a limitações de acessibilidade. Assim, considerando que, em média, 1 hectare de vinha gera 3 t de resíduos de poda em estado verde e cerca de 2 t de biomassa poderiam ser recolhidas mecanicamente, a Eurorregião teria disponíveis, por ano, cerca de 75.000 t de biomassa verde provenientes do sector vitivinícola, o que equivaleria a cerca de 17.000 tep.

As ações capitalização realizadas no projeto, segundo a investigadora visam promover a “melhoria da competitividade do tecido produtivo na zona transfronteiriça”, gerando “oportunidades de criação de riqueza e emprego nas zonas rurais”, visto que são nestes territórios que “se encontram as fazendas agroflorestais que geram biomassa não valorizada”.

Sistemas de recolha

O projeto Biomasa-AP realizou vários testes de recolha mecanizada de restos de poda de matos, kiwi e de vinha, utilizando maquinaria equipada com três tecnologias diferentes de recolha e trituração. O objetivo foi avaliar a sua viabilidade técnica e económica para os produtores da Eurorregião.

Os equipamentos testados para recolher os restos de poda de kiwi e vinha baseiam-se num sistema de recolha da biomassa do solo e são constituídos por um rolo de picos que recolhe os restos do solo e os introduz numa câmara de moagem, onde o material é triturado e transferido diretamente para um depósito para facilitar o transporte e descarga na área de recolha. A principal diferença entre os equipamentos testados são os diferentes sistemas de trituração: enquanto um deles dispõe de martelos livres, o outro está equipado com um sistema de dentes fixos e contra-dentes. Embora não tenha havido diferenças significativas no equipamento em relação à produção, existem diferenças no tipo e na qualidade do material triturado. O equipamento com martelos livres produziu maior quantidade de material comprido e fino. Já o equipamento equipado com dentes fixos e contra-dentes, gerou um material triturado mais homogéneo e, sobretudo, de menor comprimento.

Para recolha de matos, foi utilizado um protótipo denominado “Retrabio”, desenvolvido pela parceira Xera-Cis Madeira. Este protótipo é composto por um veículo a motor com tração total 8×8 com 300 cv de potência em que, na parte frontal, tem uma cabeça trituradora intercambiável que recolhe e tritura o material diretamente e utiliza um sistema de sucção para transferir o material triturado para um depósito de carga de 24 m3, localizado na parte traseira do veículo, onde o material é armazenado. Através de um sistema hidráulico, o depósito permite a descarga lateral do material.

A variabilidade das condições disponíveis em cada uma das parcelas testadas, como a concentração das podas nas linhas ou nas cabeceiras, a altura da ramada ou as características do solo (rugosidade, afloramentos, etc.), condicionaram significativamente a eficácia das máquinas de recolha utilizadas. No caso dos matos, por exemplo, a maior limitação foi a inclinação do terreno pois, embora o veículo pudesse trabalhar numa linha com uma inclinação máxima de 30-35%, os rendimentos de trabalho diminuíram consideravelmente. Também não foi possível realizar a recolha mecanizada de restos de poda de coníferas, uma vez que as condições do terreno, especialmente em relação à pedregosidade e irregularidade, não permitem a utilização dos equipamentos utilizados na recolha de podas agrícolas. A largura e a dimensão do equipamento “Retrabio” não permitiram aceder à área de recolha sem causar danos no arvoredo existente.

Dos testes, pode também concluir-se que é tecnicamente viável a recolha mecanizada dos restos de kiwi e da poda da vinha, bem como de matos. O mesmo não se pode dizer da recolha de podas de coníferas.

Aspetos em consideração:

  • Resíduos agrícolas
    • Considerar o tamanho mínimo da parcela.
    • Ter uma largura de caminho suficiente para o equipamento (mínimo 2,5 metros).
    • Disponibilização de caminhos transversais.
    • Altura livre disponível (ramada).
    • Utilização de pré-podadoras.
    • Pedregosidade e declive lateral.
    • Disponibilidade de acessos para manobrar os equipamentos.
    • Acessibilidade às áreas de armazenamento ou descarga.
  • Matos
    • Considerar o tamanho mínimo da parcela.
    • Pedregosidade e inclinações.
    • Disponibilidade de acesso para manobrar os equipamentos.
    • Acessibilidade às áreas de armazenamento ou descarga.

Avaliação económica dos sistemas de recolha

Para a avaliação económica dos sistemas de recolha, foi definido um processo dividido em três fases. Enquanto que a primeira fase é de recolha e trituração do material, em que a biomassa é armazenada no depósito do veículo, a segunda e terceira fases são, respetivamente, de transporte do veículo para a área de descarga e de descarga propriamente dita.

Concluiu-se que, em condições favoráveis, os custos de recolha são estimados em 16 €/tonelada verde para os restos de poda de kiwi, 22 €/tonelada verde para os restos de poda de vinha e os 20€/tonelada verde para matos.

Deve-se ter em conta que estes são os custos do material triturado e descarregado na rampa, aos quais devem ser acrescentados os custos com a logística e o transporte para a fábrica. Por outro lado, deve-se considerar que a densidade da vinha verde e dos matos é inferior à das aparas de madeira, situando-se normalmente, no estado verde, entre 160 – 220 kg/m3. Além disso, as segunda e terceira fases condicionam, em grande medida, o custo total da recolha e o custo final do seu transporte até ao destino.

Propriedades básicas para utilização como biocombustível sólido

Dos estudos e testes realizados para determinar as propriedades básicas dos diferentes materiais para utilização como biocombustível sólido, concluiu-se que os restos da poda agrícola do kiwi e da videira têm uma elevada humidade na recolha, especialmente o kiwi; um elevado teor de cinzas; poder calorífico líquido inferior ao da madeira e dos resíduos de madeira com o mesmo teor de humidade; e um baixo poder calorífico líquido, devido à humidade de recolha, limitando a sua utilização em biocombustíveis densificados.

Já os resíduos florestais, a poda de conífera, e matos têm uma elevada humidade na recolha; um poder calorífico líquido semelhante ao da madeira e dos resíduos de madeira; um baixo poder calorífico líquido, devido à humidade de recolha; e um teor de cinzas relativamente elevado, algo também limitará a sua utilização em biocombustível densificado.

Pré-tratamento e processamento de biocombustível

  • Processo de secagem: Foi efetuada uma combinação de secagem natural e forçada para posterior densificação em condições ótimas. O processo de secagem natural, dada a baixa densidade do material e a sua granulometria, facilita, no caso da videira e do mato, ser efetuada a secagem sob uma cobertura ou com coberturas biotêxteis. No caso do Kiwi, por outro lado, existe um problema ao favorecer o aparecimento de degradações durante a fase de secagem natural.
  • Trituração de biomassa: O objetivo era reduzir o tamanho do material ao adequado para ser utilizado nos equipamentos de densificação (briquetagem e peletização). Não foram encontrados problemas na trituração de matos e restos de poda de vinha e kiwi, mas os restos de poda de coníferas apresentaram dificuldades técnicas devido às agulhas nos moinhos de martelos.
  • Separação granulométrica: Foi realizada para obter uma partícula adequada aos equipamentos de densificação e para melhorar a qualidade do biocombustível ao separar frações com maior teor de cinzas. Nesta fase, deve ser dada especial atenção ao sistema de atado utilizado na poda, uma vez que alguns materiais utilizados podem causar o cegamento dos sistemas de triagem industrial.
  • Densificação: Foram efetuados testes de densificação para a produção de pelets e briquetes com os materiais selecionados (poda de kiwi, videira, tojo e giesta). Foi possível produzir pelets com todos eles e, embora o material da poda da vinha e dos matos apresentem uma densidade relativamente baixa, o que pode influenciar o sistema de alimentação do granulador, a qualidade do material granulado era boa. O material procedente da poda de kiwi apresenta uma maior densidade inicial e também uma maior dureza do material, o que faz com que apresente mais dificuldades de granulação, especialmente em equipamentos de baixa potência. Em nenhum dos materiais foi necessário adicionar qualquer aditivo a fim de melhorar a compactação do material. No que diz respeito à densificação em briquetes, todas as espécies de biomassa estudadas têm características físico-químicas capazes de produzir biocombustíveis densificados com elevado potencial energético, tendo em conta a comparação com os briquetes comerciais. Os materiais com mais lignina, como o tojo, têm uma maior capacidade de compactação, ao contrário do kiwi, que apresenta grandes dificuldades no processo de aglomeração. Para melhorar as características estruturais e de cozedura dos briquetes, foi estudada a inclusão de novos aditivos como o caulino, o amido e a casca de mexilhão.

Aproveitamento energético

Combustão

Um dos objetivos fundamentais deste projeto era a análise dos combustíveis utilizados com vista à sua viabilidade comercial. Para o efeito, foi realizada uma série de testes, a fim de fazer uma comparação entre o valor dos diferentes parâmetros para pelets de madeira comercial e para cada um dos combustíveis desenvolvidos neste projeto.

Os testes foram realizados num queimador experimental de biomassa e numa caldeira comercial, estudando várias facetas da combustão, desde a estabilidade da combustão ao longo das horas de funcionamento da instalação até aos resíduos deixados pela instalação após o ciclo de funcionamento completo. Os resultados refletem o potencial de alguns combustíveis para substituir ou complementar a madeira, apresentando poderes caloríficos similares e permitindo, com a remoção adequada de cinzas e sinterizados, a sua combustão durante períodos de tempo comparáveis.

Com notas finais, Yarima Torreiro Villarino não tem dúvidas de que o projeto respondeu ao desafio de “promover a utilização dos recursos naturais disponíveis na Eurorregião, que apresentam um grande potencial para a geração de energia renovável, especialmente a biomassa como recurso endógeno”. Além disso, ao promover uma economia verde e a geração de conhecimento, responde ainda aos desafios que se colocam na União Europeia quanto à necessidade de “promover um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”, que contribua para uma “maior coesão económica, social e territorial”, remata.

O Biomasa-AP é um projeto cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do Programa Interreg V-A Espanha-Portugal (POCTEP) 2014-2020, no âmbito do Eixo 1 “Crescimento inteligente através de uma cooperação transfronteiriça para o estímulo à inovação”. O consórcio é liderado pela Fundação Centro Tecnológico de Eficiência Energética e Sustentabilidade (EnergyLab) e conta com o apoio da Universidade de Vigo, através do Grupo de Tecnologia Energética – Galiza, Espanha; Instituto Energético da Galiza (INEGA) – Galiza, Espanha; Agência Galega da Industria Forestal (XERA), que participa através do Centro de Inovação e Serviços em Madeira (CIS Madeira) – Galiza, Espanha; Fundação Empresa-Universidade Galega (FEUGA) – Galiza, Espanha; Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) – Região Norte, Portugal; Instituto de Ciência e Inovação da Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI) – Região Norte, Portugal; Agência de Energia do Cávado (AEC) – Região Norte, Portugal; Agência Regional de Energia e Ambiente do Alto Minho (ÁREA Alto Minho) – Região Norte, Portugal.

 

Este artigo foi incluído na edição 100 da Ambiente Magazine