Biorresíduos: “Fraca aposta dos Municípios vão resultar no incumprimento das metas da reciclagem”

Num momento em que os Municípios têm um ano para operacionalizar a recolha seletiva de biorresíduos, até 31 de dezembro de 2023, a Associação ZERO analisou as soluções de recolha propostas por 84 Municípios, selecionados aleatoriamente de entre as candidaturas apoiadas pelo Fundo Ambiental através do Programa de Apoio à Elaboração de Estudos Municipais para o Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos.

De acordo com a ZERO, a aposta da maioria dos municípios recai sobre uma recolha seletiva na via pública, a solução mais fácil de implementar, mas que só pode ter um resultado: “o incumprimento por parte de Portugal das metas comunitárias de preparação para a reutilização e reciclagem de resíduos urbanos de 55% já em 2025”.

No entender desta Associação, é cada vez mais certo que “Portugal continuará a desperdiçar recursos fundamentais para os solos portugueses ao mesmo tempo que gasta dinheiro em projetos que apenas vão encher os aterros ou aumentar a queima de resíduos”, como é o caso do “recente apoio de 17,5 milhões de euros destinados à implementação de projetos de recolha seletiva de biorresíduos por parte do Fundo Ambiental”.

Das soluções propostas pelos 84 Municípios, “apenas 25 incluem a recolha Porta-a-Porta (PaP) para os produtores domésticos”, sendo que, “somente em 6 é que este modelo de recolha abrange uma percentagem da população igual ou superior a 50%”. Nos restantes, “a população abrangida é inferior a 10%, chegando a ser apenas residual em alguns municípios, servindo somente 1% a 2% da população”, refere a ZERO.

O sistema de recolha PaP, tal como constata a Associação, é um dos sistemas mais eficientes na recolha de resíduos, tanto pela quantidade quanto pela qualidade dos resíduos recolhidos, como comprovam os dados da Agência de Resíduos da Catalunha, onde o sistema porta-a-porta se encontra implementado, que apontam para taxas de captura de biorresíduos que rondam os 58%.

Ecopontos têm maus resultados nas embalagens

Nos estudos que a ZERO analisou, sobressai uma forte tendência de aposta na recolha seletiva na via pública, através de contentores dedicados aos biorresíduos, com 87% dos municípios analisados a optar por essa solução para os produtores domésticos. “Trata-se de um modelo de recolha em tudo semelhante ao dos convencionais ecopontos verde, azul e amarelo, que desresponsabiliza os cidadãos relativamente aos resíduos que produzem e que terá como consequência uma baixa taxa de recolha, à semelhança do que já se verifica na recolha seletiva do fluxo de embalagens e resíduos de embalagem”, refere.

Por exemplo: “Viana do Castelo, um dos primeiros municípios a implementar este modelo de recolha para os biorresíduos atingiu, em 2020, uma taxa de captura equivalente a 16% do potencial de biorresíduos alimentares produzidos nas áreas de abrangência do projeto, com uma taxa de contaminação de 7%, o que denota o fraco desempenho deste modelo de recolha”.

Recolha de biorresíduos em regime de co-coleção também parece ser ineficaz

Já a recolha de proximidade, em regime de co-coleção, modelo utilizado em países do norte da Europa, como a Suécia e a Noruega, foi a escolha de 16 municípios, entre os quais os da RESIALENTEJO (à exceção de Barrancos) e da TRATOLIXO (Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra), sendo que nestes últimos a co-coleção está neste momento em fase de implementação.

Os primeiros resultados disponibilizados para os Municípios de Oeiras e Cascais mostram que “as taxas de captura face ao potencial existente no total dos resíduos urbanos oscilam entre os 10% e os 15%, respetivamente”, demonstrando que “a aposta em soluções que dependem totalmente da vontade de colaboração dos cidadãos é o melhor caminho para o fracasso”, aponta a ZERO.

Aposta na compostagem doméstica e comunitária é um ponto positivo

Já a opção por soluções de recolha na origem, ou seja, compostagem doméstica e compostagem comunitária, é considerada por 86% e 67% dos municípios, respetivamente, sobretudo como complemento a outras soluções de recolha e aplicadas a áreas com características predominantemente rurais e com fraca densidade populacional.

Embora a ZERO veja como “importante e necessária uma aposta inequívoca na compostagem doméstica e comunitária”, é com preocupação que “verificamos a pretensão de alguns municípios, como por exemplo, Boticas, Aljezur, Melgaço, Óbidos, Guarda, entre outros, cuja população abrangida por este tipo de soluções está entre 50% e 100%”, o que implica a “distribuição de milhares de compostores domésticos em cada um dos municípios e o acompanhamento e aconselhamento em continuidade dos utilizadores”.

Tendo em conta que os contentores destinados aos resíduos indiferenciados se mantêm disponíveis e que a participação dos cidadãos será voluntária, a ZERO considera que “existe um elevado risco de que as taxas de captura de biorresíduos através destes sistemas venham a revelar-se bastante inferiores ao previsto, caso não exista a monitorização e acompanhamento contínuo da utilização dos compostores, situação que não parece ter sido devidamente acautelada”.

Perante esta realidade, a Associação defende que os futuros apoios à implementação de sistemas de recolha seletiva de biorresíduos incluam critérios de elegibilidade que:

  • Incentivem à apresentação de propostas que incluam soluções de recolha que demonstrem melhores taxas de captura;
  • Obriguem à existência de um acompanhamento regular dos utilizadores servidos por sistemas de recolha na origem (compostagem doméstica e comunitária);
  • Incentivem projetos que apresentem um plano concreto de implementação de sistemas de Pay-As-You-Throw (PAYT), enquanto medida de estímulo à participação dos produtores de resíduos.