Bloco de Rega da Messejana é mais um projeto público sem visão e com riscos sérios para a sustentabilidade, alerta ZERO

A situação da agricultura de regadio ligada à utilização da Barragem do Monte da Rocha é preocupante, no entanto, a proposta de mais um novo perímetro de rega nos concelhos de Aljustrel e Ourique como parte da solução suscita muitas dúvidas do ponto de vista da sustentabilidade e do desenvolvimento local. É que não só o bloco de rega proposto ocuparia solos desadequados para o regadio, pondo em causa habitats e espécies protegidas, como também a área designada é incompatível com o ordenamento em vigor. A garantia é dada pela ZERO (Associação Sistema Terrestre) que participou recentemente na consulta pública do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do projeto de execução do Circuito Hidráulico de Ligação à Albufeira do Monte da Rocha e do Bloco de Rega da Messejana.

Ainda sobre este projeto, alerta a associação, acresce que o investimento público incide sobretudo no benefício direto de um grupo restrito de grandes proprietários – cerca de 30 -, sem nenhuma integração em estratégias de desenvolvimento local nem a proteção da saúde e bem-estar das populações face à exposição a substâncias perigosas e à degradação da paisagem.

Monte da Rocha: uma situação de escassez que carece de explicações

A Albufeira do Monte da Rocha tem estado condicionada desde de 2016 na sua capacidade de abastecimento dos perímetros de rega conexos, com restrições das disponibilidades hídricas para a agricultura, tendo-se verificado mesmo a suspensão de campanhas de rega, lê-se no comunicado da ZERO.

Segundo a associação, a baixa precipitação dos últimos anos é um fator central na situação de escassez de água na albufeira, pelo que o incremento das solicitações de água e a manutenção de volumes altos de abastecimento para o regadio durante vários anos de menores afluências carece de análise muito cuidada, sobretudo quando se pretende infraestruturar ainda mais um novo bloco de rega.

Segundo os dados da Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado (ARBCAS) e da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), a área beneficiada pelo Aproveitamento Hidroagrícola (AH) do Alto Sado viu, até 2015, uma ampla expansão da área precária afeta sobretudo a culturas permanentes: “em 2015 quase metade da área regada neste AH estava fora do bloco de rega e já em 2019 mais de 1/3 da área regada estava ocupada por olivais intensivos fora dos perímetros de rega”.

De acordo com a ZERO, a existência de culturas permanentes em regime precário leva a uma “pressão de consumo plurianual ao invés de uma ponderação anual de disponibilidade hídrica” que deveria caraterizar o próprio regime precário. “Esta sobre-intensificação dos AH servidos pela Albufeira do Monte da Rocha parece, pois, desajustada à realidade climática da região, parecendo por demais evidente que novos projetos agroindustriais acentuaram as pressões hídricas do sistema contribuindo para a situação atual (na área em análise já se encontram implementadas monoculturas de regadio)”, precisa a associação.

Do Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo, ao Programa de Ordenamento Florestal, às Reservas Agrícola e Ecológica Nacionais e as classes de ordenamento dos espaços rurais dos Planos Diretores Municipais de Aljustrel e de Ourique: “o ordenamento territorial em vigor é, em geral, incompatível com a implementação do perímetro de rega proposto”, refere o comunicado partilhado pela ZERO.

A ser aprovado, diz a ZERO, este bloco de rega será uma decisão centralizada do planeamento territorial, passando por cima de vários instrumentos de gestão em vigor.

Riscos sérios de degradação dos solos e da biodiversidade

Para a associação ambiental, os solos abrangidos pelo projeto para o novo perímetro de rega da 2.ª fase do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) são, na sua maioria, “subótimos para as práticas do regadio”, já que, de acordo com o EIA 74% dos solos têm riscos de “salinização e alcalização”.

“Apenas 11% desta área está atualmente em Reserva Agrícola Nacional (RAN), com grande parte dos solos com capacidades produtivas limitadas (46% do tipo E, 90% dos tipos C,D e E), indicando que se adequam melhor a práticas silvopastoris e outros sistemas culturais que permitem um uso focado  na conservação/regeneração do solo”, refere o mesmo comunicado.

“O modelo de intensificação agrícola promovido levará a pressões negativas a espécies protegidas presentes na área do Bloco da Messejana, causando a fragmentação adicional de habitats relevantes”, atenta a ZERO, acrescentando que “cerca de 20% do perímetro de rega projetado interceta um corredor ecológico na proximidade da Zona de Proteção Especial para as Aves de Castro Verde (Rede Natura 2000)”.

Investimento num número reduzido de beneficiários

Para a ZERO, as lições dos perímetros de rega mais antigos do EFMA continuam por incorporar.

Por um lado, segundo a associação ambiental, o Bloco de Rega da Messejana resultará num investimento num número reduzido de beneficiários – mais de 60 mil euros para cada usufrutuário, considerando área média das parcelas considerada no EIA. Neste contexto, “as infraestruturas públicas de rega poderão fazer quintuplicar o valor das propriedades, tendo em conta as tendências recentes, o que, na prática, irá apenas favorecer diretamente um pequeno grupo de grandes proprietários, sem expetativas razoáveis de dinamização das economias locais e de dinâmicas conducentes a uma diminuição da perda de população. Isto ocorre enquanto que o valor turístico das localidades próximas e a habitação serão desvalorizados pela perda de atratividade gerada pela industrialização da paisagem”, lê-se no mesmo comunicado.

Por outro lado, “as medidas de proteção dos aglomerados urbanos são insuficientes ou nulas”, refere a associação. “Prevê-se uma faixa de proteção no entorno da Aldeia dos Elvas de 30 m mas, tendo em conta que esta localidade ficará rodeada pelo perímetro de rega proposto, deveriam ser devidamente analisadas as condições de orografia, ventos dominantes, qualidade da paisagem e outras dinâmicas passíveis de afetar negativamente a saúde e bem-estar da população. Outras localidades, como a Conceição, não mereceram qualquer consideração em termos de aplicação dos princípios de prevenção e precaução”, precisa o comunicado.

Também, diz a ZERO, “não se prevê uma monitorização das práticas dos beneficiários”, embora se reconheça que “só com as melhores práticas agrícolas pode o projeto ser sustentável”.

Para a associação, todo o projeto mereceria a “contemplação de alternativas que promovam a gestão sustentável” da bacia hidrográfica da Albufeira do Monte da Rocha, integrando “Nature-Based Solutions” e um “incentivo a sistemas agrícolas agroecológicos”.