Cientistas da UC estudam viabilidade de usar CO2 na produção de energia geotérmica

Uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra (UC) desenvolveu um equipamento que, pela primeira vez, permite testar a viabilidade de utilizar dióxido de carbono (CO₂), um dos principais gases do efeito estufa, na extração de energia geotérmica, uma energia limpa gerada através do calor da terra.

Tal como explica a UC, em teoria é possível utilizar dióxido de carbono em estado supercrítico para extrair energia geotérmica, mas até agora esta possibilidade nunca foi testada, ou seja, não existe informação experimental que explique o que é que acontece ao CO₂ a partir do momento em que entra nas rochas. “O estado supercrítico caracteriza-se pela capacidade de alguns fluidos, como é o caso do CO₂, apresentarem simultaneamente propriedades líquidas e gasosas quando expostos a pressão e temperatura superiores às do seu estado crítico”, lê-se numa nota divulgada pela Universidade.

O grande objetivo do projeto “KIDIMIX – Difusão Molecular e Difusão Térmica de CO₂ em misturas modelo próximo do ponto crítico”, que tem a colaboração da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, “é estudar a viabilidade de usar CO₂ capturado da atmosfera para produzir energia geotérmica. A injeção de dióxido de carbono em formações rochosas subterrâneas, para armazenamento geológico, pode proporcionar benefícios que vão além da redução da sua concentração na atmosfera. A temperatura e pressão existentes à profundidade a que o armazenamento geológico ocorre colocam o dióxido de carbono num estado supercrítico, o que faz dele um ótimo candidato para a extração de energia geotérmica”, explica Cecília Santos, que coordena o estudo juntamente com Ana Ribeiro. Ambas são investigadoras do Centro de Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

No entanto, esclarece a investigadora, do ponto de vista experimental, desconhece-se “o comportamento do CO₂ a partir do momento em que é armazenado nas formações geológicas, sendo este previsto com base em modelos teóricos. Conhecê-lo é particularmente importante para tirar partido das propriedades termofísicas deste gás relativamente às da água, o fluido atualmente usado para a extração de energia geotérmica. Por exemplo, a menor viscosidade e maior coeficiente de expansão térmica do CO₂ permitem uma troca de calor mais eficiente, o que é muito importante para extrair energia da terra”.

Considerando que já existem tecnologias estabelecidas para sequestrar CO₂ da atmosfera, “se demonstramos que extrair energia geotérmica com este gás é seguro e financeiramente viável, uma vez que as tecnologias de armazenamento de carbono são muito dispendiosas quando utilizadas isoladamente, seria uma excelente notícia para ajudar no combate às alterações climáticas e contribuir para a descarbonização”, sustenta Cecília Santos.

O equipamento experimental desenvolvido no âmbito do projeto permite efetuar vários tipos de medições, incluindo a difusão do dióxido de carbono com componentes que estariam naturalmente no interior das formações geológicas, como hidrocarbonetos. Estas medições, indica a investigadora da FCTUC, são essenciais para “caracterizar misturas supercríticas e obter dados precisos sobre as propriedades de transporte destas misturas. Estamos a estudar a difusão molecular e difusão térmica de misturas de vários componentes, conjuntamente com a sua modelação teórica, de forma a aprofundar a compreensão do estado e das propriedades do dióxido de carbono em condições supercríticas”.

Se as experiências em laboratório confirmarem que o CO₂ pode efetivamente ser usado na extração de energia geotérmica, além de representarem um grande passo em direção às metas de descarbonização preconizadas pela União Europeia (UE) e uma ajuda preciosa no combate às alterações climáticas, os resultados também poderão ser úteis para aplicação “em outros tipos de indústria. Este estudo pode contribuir para o desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de dióxido de carbono mais seguras, permitindo uma melhor avaliação de risco e de eficácia. O desenvolvimento destas tecnologias aliadas à geração de gás ou energia renovável pode aumentar a competitividade do país (e da UE) e estimular o crescimento económico”, declara.

Nesta fase do estudo, a equipa está centrada em compreender o comportamento do CO₂ no interior do reservatório geológico. Numa segunda fase, depois de entender toda a mecânica envolvida no processo, será possível desenvolver um modelo que torne o processo viável, sobretudo do ponto de vista económico. “A ideia é, no futuro, dar uso a toda esta informação numa planta industrial em ambiente real”, sustenta Cecília Santos.

O projeto KIDIMIX teve início em 2018 e é financiado, em 200 mil euros, por fundos comunitários, através do programa COMPETE 2020, e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).