Como é que a indústria olha para a descarbonização?

Numa altura em que a descarbonização é inevitável, será que as empresas estão verdadeiramente atentas às necessidades de descarbonizar ou, face às emergências como a Covid-19 e a guerra na Ucrânia, preocupam-se em viver o dia-a-dia? Esta foi uma das questões levantadas no debate “As Oportunidades e Desafios da Descarbonização da Indústria” promovido esta segunda-feira, 12 de dezembro, na sessão de apresentação do projeto “Indústria de Futuro – Roteiro para a Introdução dos Gases Renováveis no Setor Industrial Nacional”, impulsionado pela Floene.

Mesmo com o mundo “virado do avesso”, Isabel Santos, membro do Conselho Consultivo para a Energia da AIP (Associação Industrial Portuguesa), acredita que “as coisas negativas, por vezes, fazem-nos olhar para dentro e perceber o que temos de fazer”, sendo que a descarbonização na indústria é mesmo inevitável: “É algo que hoje em dia já ninguém coloca em causa em termos do que é um custo ou um investimento e já encaramos como um investimento de médio e longo prazo”. E os preços altos que a Guerra originou no gás natural trouxe um impacto positivo: “Fez que houvesse uma consciência de que o temos hoje como um dado adquirido não o temos amanhã e, ao mesmo tempo, pensar naquilo que é a descentralização”. Apesar do “longo caminho”, Isabel Santos acredita que há muitas oportunidades: “O setor da indústria está muito atento a estas temáticas”.

No que se refere ao facto da descarbonização ser um investimento, a responsável não tem dúvidas de que há uma necessidade de “estabilidade de preço” e, portanto, estas “introduções de gases em termos de autoconsumo” vão permitir essa estabilidade a médio e longo prazo e reduzindoo custo ambiental em termos de emissões de carbono: “Estes dois fatores fazem com que haja uma atratividade do ponto de vista do investimento”.

Da mesma forma, para a indústria cerâmica, “a indústria transformadora portuguesa e consumidora intensiva de gás”, o termo descarbonização não é tabu. Aliás, José da Cruz Pratas, presidente da Direção da APICER – Associação Portuguesa Indústria Cerâmica, recorda o facto deste setor ter estado presente na substituição do GPL pelo gás natural: “As empresas rapidamente se adaptaram”. Outro exemplo tem que ver com a redução de emissões de CO2 na cerâmica em 33%, entre 2005 e 2019: “Com a modernização dos processos produtivos, a utilização de tecnologias, as alterações de layouts nas empresas, a aquisição de fornos e a eficiência energética conseguiu-se de facto fazer autênticas revoluções”, reforça. Portanto, a descarbonização é tida como um assunto de sobrevivência: “Assim que tivermos a possibilidade de entrar nestes gases verdes, abriremos o setor na possibilidade de se converter”, afinca.

“Se a cogeração sai de cena perde-se competitividade”

Esta preocupação também chega ao setor do vidro: “As questões de eficiência existem desde sempre no vidro e nas embalagens”, assegura Beatriz Freitas, Secretária-Geral da AIVE (Associação Dos Industriais De Vidro De Embalagem), destacando tratar-se de um esforço que já dura há 20 anos. Por exemplo, entre 2005 e 2020, registou-se uma redução de 200 mil toneladas de CO2, o equivalente a “um terço das nossas emissões diárias” e, da mesma forma, a eficiência energética é, assim, vista como uma “oportunidade: não foi preciso a necessidade de criar porque já existia”.

E porque a descarbonização exige financiamento, foi levantada a questão sobre a forma como estão desenhados os mecanismos e se as empresas estão bem informadas e capacitadas para poder aceder aos mesmos. No entender de José Costa Pereira, Vogal da Comissão Executiva da COGEN Portugal, mais importante do que serem bem desenhados, é a forma como são aplicados: “Os atrasos têm-se vindo a verificar e a verdade é que, este ano, 20 unidades de cogeração já saíram de cena”. Tal significa que haverá menos competitividade: “Nunca é demais reforçar que estas unidades estão em indústrias (vidro, têxtil, cerâmica) e se a cogeração sai de cena, perde-se competitividade”. Esta é assim a grande preocupação: “Se as indústrias ainda lá estarão quando for o tempo de chegar o dinheiro”. Nesta matéria, o responsável defende a necessidade de haver processos bem desenhados e mais ágeis, que “cheguem facilmente às indústrias”.

O projeto “Indústria de Futuro – Roteiro para a Introdução dos Gases Renováveis no Setor Industrial Nacional”, foi apresentado esta segunda-feira, 12 de dezembro, no Museu do Oriente.