Como é que as plantas carnívoras conseguem digerir as suas presas?

Apesar de no imaginário colectivo serem consideradas autênticos monstros com tentáculos, as plantas carnívoras não são assim tão assustadoras. Na maior parte das vezes, comem insectos e têm de o fazer devido às condições adversas em que vivem, revela hoje o Público. Mas como é que uma planta carnívora é capaz de digerir um insecto?

Para atrair as presas, as plantas carnívoras usam os seus atributos, como o néctar, uma coloração que pode ser em tons rosa e verde ou, até mesmo, a fragrância. Depois de as presas serem capturadas com estas armadilhas, caindo para a câmara digestiva, as plantas carnívoras accionam nas folhas uma espécie de goma pegajosa e viscosa, que dificulta a subida da presa aprisionada. De seguida, um conjunto de fluídos digestivos digere o insecto.

Os cientistas já tinham descoberto este processo em 1992, relatado num artigo científico na revista Science. Em específico, aperceberam-se de que este processo acontecia em três espécies de plantas carnívoras do grupo dos jarros, que tiveram uma origem evolutiva comum: são elas, a Cephalotus follicularis, da Austrália e que está relacionada com a carambola; a Nepenthes alata, da Ásia e tem uma relação evolutiva com o trigo-sarraceno; e por fim, a Sarracenia purpurea, da América e relacionada com o kiwi. Agora, os cientistas quiseram ir mais longe e perceber como é que estas três espécies de plantas carnívoras fazem a digestão.

Para o descobrirem, sequenciaram o genoma da espécie Cephalotus follicularis e observaram que, no passado, a selecção natural escolheu 35 proteínas, que permitiram o aparecimento de novas enzimas para digerir a presa. Ao longo da sua evolução, as plantas carnívoras usaram estas enzimas também para combater doenças, como as doenças fúngicas, ou para enfrentar com outros problemas que ocorrem durante a digestão.

E que enzimas são estas? São a quitina, que se encontra no exterior do exoesqueleto dos insectos; e a fosfatase ácida púrpura, que permite às plantas obter fósforo (um nutriente essencial) do próprio corpo das presas.

Ao mesmo tempo, ocorreram mudanças nas sequências genéticas que comandam o fabrico dos aminoácidos (os tijolos das proteínas) destas duas enzimas, tendo sido substituídos por outros aminoácidos. “Na Cephalotus follicularis e na Nepenthes alata, a quitina e a fosfatase ácida púrpura partilham um número idêntico ou muito elevadas de substituições de aminoácidos, o que não ocorre nas espécies não carnívoras”, lê-se num comunicado de imprensa da Universidade de Buffalo, envolvida no estudo.

“Até agora, nunca tínhamos imaginado que a família de enzimas usadas por estas plantas para as suas funções digestivas também fazia parte de famílias de proteínas já conhecidas como responsáveis pelas respostas patogénicas nestas plantas”, diz-nos Victor Albert, biólogo na Universidade de Buffalo e um dos autores do trabalho.

Publicados na revista Nature Ecology and Evolution, os resultados demonstram que estas plantas carnívoras tiveram uma evolução convergente, ou seja, espécies diferentes de plantas acabaram por usar métodos semelhantes no processo digestivo. Além disso, os autores reforçam a necessidade de plantas carnívoras se alimentarem de insectos.

“Muitas vezes, as plantas carnívoras vivem em ambientes pobres e sem nutrientes, por isso a capacidade para aprisionar e digerir animais pode ser indispensável, dada a escassez de outras fontes de alimentação”, explica Kenji Fukushima, físico do Instituto Nacional para a Biologia Fundamental, do Japão, e autor principal do artigo.

E em Portugal?
E há plantas carnívoras em Portugal? “Claro que sim!”, responde ao Público Victor Albert. O biólogo destaca uma espécie endémica de Portugal, Espanha e Marrocos, a Drosophyllum lusitanicum, ou pinheiro-baboso. Habituada a solos xistosos e secos, esta planta exala um odor a mel, para atrair moscas, mosquitos e borboletas. A sua digestão demora entre 24 horas e os oito dias.

“Esta planta está próxima do jarro da Ásia [a já referida Nepenthes alata], porque tem longas folhas pegajosas com substâncias mucosas, que servem de armadilha para os insectos”, explica Victor Albert.
Além do pinheiro-baboso, já foram identificadas pelo menos sete espécies de plantas carnívoras em Portugal: a Drosera intermedia, a Drosera rotundifolia, a Utricularia subulata, a Utricularia gibba, a Utricularia australis, Pinguicula vulgaris e a Pinguicula lusitanica.

A inventariação e o estudo da distribuição geográfica das plantas carnívoras em Portugal foram feitos em 1941, por Abílio Fernandes, botânico da Universidade de Coimbra. Desde então, só se fizeram estudos pontuais, como o das biólogas Elizabete Correia e Helena Freitas, da Universidade de Coimbra, em 2002, sobre a Drosophyllum lusitanicum. Segundo este trabalho, a área de distribuição desta espécie está em declínio em Portugal e as biólogas alertaram então para o seu possível desaparecimento em quatro décadas.

Mas há quem queira fazer mais estudos sobre o pinheiro-baboso. “Adoraria sequenciar o genoma desta espécie também!”, faz questão de dizer Victor Albert, habituado a estas andanças.

*Foto de CNBC