Compatibilização da energia elétrica e da salvaguarda dos valores naturais traz “desafios” e “oportunidades”

“É tempo de ancorar o presente para repensar o futuro”. Foi com esta frase que Vítor Batista, representante da EDP, quis dar início ao segundo painel “Novos voos na Distribuição”, promovido no passado dia 10 de outubro, segunda-feira, no âmbito da celebração dos 20 anos da Proteção da Avifauna na Rede de Distribuição, uma parceria que junta a E-REDES e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Quercus, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e a Liga para a Proteção da Natureza (LPN).

Reconhecendo-se os objetivos da Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030, uma parte essencial do Pacto Ecológico Verde (Green Deal) e do Plano Nacional de Energia para o Clima 2021-2030 do rumo à neutralidade carbónica até 2050, é tempo de abordar os desafios e oportunidade que se antecipam na compatibilização das necessidades da energia elétrica e da salvaguarda dos valores naturais. Foi em torno desta questão que Humberto Delgado Rosa, da Comissão Europeia, Pedro Beja, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO), Carlos Albuquerque, em representação do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), e Jorge Esteves, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), se debruçaram.

“Não é sobre conflitos, mas sim sobre sinergias” que se define o Pacto Ecológico Verde. Este foi o ponto de partida para Humberto Delgado Rosa destacar aquela que é a grande novidade deste Pacto, lembrando que não é só o clima que importa, mas também o resto do ambiente. E a biodiversidade é um bom exemplo disso: “É um reconhecimento e um facto de que não atingiremos as metas climáticas, se a natureza continuar a se degradar”. Ao nível da energia, o representante europeu destaca que a “racionalidade das energias renováveis foi bem capturada e absorvida pelos Ministérios da Energia”, sendo que, hoje, há “necessidades conjuntas” entre a “energia renovável e a natureza”. E com o surgimento da guerra na Ucrânia, o tema da energia tornou-se ainda mais premente no curto-prazo, voltando-se a “abrir a caixa dos combustíveis fósseis” para resolver o problema: “Nada mudou no Pacto Ecológico Verde. Só se reforçou a importância de mais renováveis, mas também não diminuiu em nada a importância de mais natureza”.

Num cenário de muitas metas e desafios, Humberto Delgado Rosa atenta na necessidade de “restaurar a natureza”, dando nota que “esta grande aceleração dos anos 50 fez com que o impacte do ser humano na biosfera chegasse a um ponto em que as faturas estão a chegar”, sendo o verão passado um bom exemplo disso. A palavra-chave é mesmo restauro: “Muitas empresas estão a evoluir num sentido de querer ter uma ação “nature positive” e, por isso, é importante a conciliação com investimentos em renováveis”. E, neste âmbito, o destaque vai para as sinergias que já vão existindo, desde o “eólico offshore com benefícios para a biodiversidade marinha” até aos “métodos de gerir a vegetação por baixo das redes que aumenta a biodiversidade”, exemplifica.

“A solução elétrica é, atualmente, a mais eficiente”

Do lado da ERSE, Jorge Esteves destaca aquela que tem sido a perspetiva do regulador e que assenta em “apostar numa lógica do mercado integrado de energia”. Neste sentido, o responsável alerta para a necessidade de resolver o mal-entendido que tende a estar na ordem do dia: “Efetivamente, o PNEC, a política europeia e a aposta numa eletrificação da sociedade têm como objetivo a eficiência energética em primeiro lugar. E hoje, a tecnologia permite demonstrar que a utilização de soluções elétricas são as mais eficientes do ponto de vista energético”. Portanto, torna-se “errado dizer que estamos a jogar num crescimento de consumo: estamos é a aumentar o consumo elétrico porque, no global, o objetivo é reduzir os consumos”, explica. A questão da “economia local de energia” é outro dos temas que tem levantado muitas dúvidas depois de ter sido lançado o Pacote legislativo “Energia Limpa”. O regulador tem procurado apostar nesta área, realçando a lógica da “descentralização”: “Este é um desafio e as redes de distribuição são centrais neste processo”, declara.

Já numa perspetiva mais global, Jorge Esteves destaca a importância de “sermos mais eficientes na utilização de recursos e utilizar recursos renováveis endógenos”, numa perspetiva de integração de todos os vetores energéticos e numa lógica de economia circular de energia: “São as três linhas que nos permitirão atingir uma transição energética para uma sociedade neutra em carbono em 2050”. No entender do responsável, este é um período em que “temos de dar passos” na direção da mudança e que a solução elétrica é, atualmente, a mais eficiente”.

“A experiência que foi ganha nestes 20 anos pode ser um case study”

Foi na interação entre a avifauna e as linhas elétricas que Pedro Beja do (CIBIO), lançou diversas questões: “Qual é a solução para energia que é melhor e que tem mais impactes positivos na parte de biodiversidade? Quais são as soluções que, permitindo obter determinado objetivo em termos naturais, também são compatíveis não só com energia mas com outros aspetos?”. O especialista indicou que a solução deverá ser a de “colocar as pessoas na mesma mesa, com dúvidas, alguma resistência, e tentar caracterizar o problema, percebendo as suas características, como se define e, depois, num processo de tentativa e erro, ir tentando resolver” as questões. Esta visão deve ser expandida para outros problemas que existem e para os quais se pensa que existirá uma boa solução, mas, provavelmente, ainda nem sequer existe: “Temos de desenhar, testar, errar e voltar a fazer”. É neste aspeto de interação entre “saberes e perspetivas que a conciliação se faz: “A experiência que foi ganha nestes 20 anos pode ser um case study para outros problemas que estão a ser tratados de forma mais parcelar”, justifica.

Nesta ótica de “desafios” e “oportunidades” e, simultaneamente, a compatibilização das necessidades da energia elétrica e da salvaguarda dos valores naturais, Carlos Albuquerque (ICNF) defende que uma comunicação bem-feita daquilo que se faz deve ser o ponto de partida: “Temos de comunicar e saber demonstrar a valorização que damos e de que forma é que conseguimos convencer a assumir essa valorização”, remata.

*Ao longos dos próximos dias a Ambiente Magazine vai partilhando notícias sobre o evento que marcou os 20 anos do Programa Avifauna