Compras Verdes Sustentáveis: Uma realidade? Que desafios?

Que percentagem assumem as compras verdes sustentáveis nos municípios de Guimarães, Lisboa e Porto? Esta foi uma das questões levantadas na “Conferência Economia Circular e Ambiente” promovida, recentemente, pelo Município de Guimarães no Laboratório da Paisagem.

As compras verdes sustentáveis estão cada vez mais incorporadas no dia-a-dia, apesar de, muitas vezes, nem se dar conta. Esta é uma constatação que foi evidenciada por representantes dos municípios de Guimarães, Lisboa e Porto que, recentemente, se juntaram, em Guimarães, para falar da percentagem de compras verdes sustentáveis que é praticada em cada um dos municípios.

No caso de Guimarães, mais precisamente, no departamento de Ambiente, há já um caminho de sustentabilidade em compras verdes e ecológicas, como por exemplo, na aquisição de “contentores de resíduos com plásticos reciclados” ou de “mobiliário de banho com materiais de origem reciclada”, destaca Dalila Sepúlveda, Chefe de Divisão de Ambiente e Espaço Público no Município de Guimarães, acrescentando que “há uma quantidade de materiais (de origem reciclada) que já são adquiridos”. Nesta ótica, está a ser definido o “Plano de Compras Sustentáveis” e a “Estratégia de Compras Sustentáveis”, juntamente com o Governo: “60% do nosso departamento já tem compras verdes  públicas incorporadas, seja em termos de empreitadas ou iluminação que já contém esses critérios”. Tendo em conta a Autarquia em si, a percentagem é de 30%: “Estivemos a fazer o levantamento de todos os contratos públicos porque não temos os critérios ambientais lá determinados”. Após uma análise a todas as compras feitas nos últimos dois anos pelo município, pode concluir-se que “dos milhares contratos, uma grande percentagem já tem critérios ambientais, mas estão escondidos”. Desta forma, a responsável defende a necessidade dos critérios ambientais estarem visíveis e incluídos numa estratégia: “Na limpeza, todos os nossos detergentes já tem ecolabel e, este, é um critério ambiental que não está lá determinado”, exemplifica.

“Quando falamos em compras sustentáveis, falamos com toda a certeza de que não sabemos tudo”

Quando o assunto é a capital portuguesa, Paula Alves, coordenadora da equipa da Missão para a Compra Sustentável da Câmara Municipal de Lisboa, reconhece tratar-se de algo complexo: “Estamos com uma realidade em que temos 174 unidades orgânicas do nosso organograma, à exceção de uma, que será uma divisão ligada ao orçamento, em que todas fazem compras”. No município de Lisboa, de acordo com a responsável, existem categorias de compras centralizadas em várias unidades orgânicas: “Só de bens e serviços, estamos a falar de mais de 2500 fornecedores, desde os grandes, que estão altamente preparados para esta mudança e com os quais queremos aprender, até ao fornecedor da esquina que vende a palha e que limpa a chaminé da polícia municipal. São realidades completamente diferentes”. A isto soma-se o “universo de colegas envolvidos”, desde o “assistente administrativo” até ao “arquiteto, engenheiro e sociólogo”, por exemplo: “Tudo isto é o universo da compra sustentável”. Uma outra “complexidade” é regulamentar este sistema: “Estamos a falar de compras sustentáveis, algo que é transversal numa estrutura hierárquica”, a que se soma o “perfil do gestor de contrato”, os “planos de gestão para fazer o acompanhamos e avaliação dos contratos e da própria execução”, bem como o “alinhamento com as metas nacionais, da cidade e com aquilo que é a legislação portuguesa, diretivas europeias ou recomendações que estão a cair em catadupa e que ninguém consegue manter isso atualizado”, faltando “monitorização e avaliação”. Paula Alves parece não ter dúvidas de que, “quando falamos em compras sustentáveis, falamos com toda a certeza de que não sabemos tudo”, sendo preciso ter a “humildade para assumir que “somos os primeiros a implantar o sistema, mas de longe que não somos os primeiros a integrar a sustentabilidade”.

Apesar de ainda não ser possível “falar em números”, a responsável afirma que “as empreitadas por via do tratamento e encaminhamento de resíduos” estão interligadas com as compras sustentáveis. Já em relação aos “bens e serviços”, Paula Alves admite que “vamos à pesca dos critérios de sustentabilidade: e, sim, compramos mesmo que não tenhamos consciência de que estamos a comprar”. Na meta de “60% das compras incluírem critérios de sustentabilidade até 2024/2025”, a responsável prevê que seja ultrapassada: “(Prevemos) que 90% das compras integram critérios de sustentabilidade”. Já quanto à medição, “diria que só em 2025 ou 2026 é que poderemos falar”. Para a representante do Município de Lisboa, no momento da compra, a pergunta que deve permanecer é: “Como é que eu, com o mínimo de energia, consigo causar um maior impacto?”. E, no momento de olhar para a compra, deve-se questionar: “Até que ponto é que estou a contribuir para as metas de circularidade, neutralidade ou redução de plástico?”.

“As compras ecológicas não devem ser feitas com base num “objetivo/meta”

Com base na Estratégia Nacional de Compras Públicas Ecológicas, a Porto Ambiente também tem estabelecida uma lista de produtos e serviços, onde integra metas e objetivos:

“Começamos com 50% em 2021, terminamos o ano com 64%. Até maio já estamos nos 55%”, refere Patrícia Leão, coordenadora de Compras, Aprovisionamento e Gestão de Financiamentos da Porto Ambiente. Além disso, o número de artigos de produtos e serviços prioritários subiu para 16 no ano passado: “Em 2023, estamos com 20 produtos e serviços prioritários”.

No que se refere a metas e objetivos, a responsável defende que as compras ecológicas não devem ser feitas com base num “objetivo/meta”, mas sim em prol do ambiente: “É muito satisfatório ver que além das questões das alterações climáticas, (esta preocupação com o ambiente) já começa a ser algo do dia-a-dia”. Um bom exemplo que demonstra bem isso é a separação de resíduos: “Temos 90% da cidade com recolha de biorresíduos, uma adesão muito satisfatória”.

“Mensurar para se tomar uma melhor decisão e identificar grandezas para se tomar melhores decisões”

Numa perspetiva de desafios, o economista Pedro Mota e Costa relembra que os municípios são entidades muito complexas: “Têm atribuição de ação social, cultural, ambiente, desenvolvimento económico, enfim, é um mundo: e, esse mundo, materializa-se em estruturas orgânicas complexas e, de facto, implementar este tipo de estratégia obriga a que haja agilidade e equipas multidisciplinares”. A isto soma-se ainda o contexto atual onde os municípios se inserem: “Têm esta preocupação com a sustentabilidade e outros grandes desideratos em cima da mesa, como a implementação da Estratégia Local da Habitação que vai duplicar a despesa num primeiro momento de investimento e, depois, toda a lógica futura de intervenção, bem como a transferência de competências à administração central e, ainda, a implementação do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência)”.

Segundo Pedro Mota e Costa, dos “96 mil procedimentos lançados pelos municípios nos últimos quatro anos”, tinham sido analisados “2800 critérios ambientais”: “Admito que não estão sinalizados”. Aqui há uma dimensão importante que é a “caracterização adequada da informação e fazer esse levantamento”, atenta.

Uma outra preocupação são os “códigos de contratos públicos”, havendo a urgência de se “mudar o paradigma” quando se fala de um investimento: “Temos de olhar para a perspetiva do investimento naquele momento e a capacidade que temos de o financiar numa perspetiva mais ampla, isto é, saber que vamos ter que colocar lá recursos humanos, despesas de conservação ou manutenção”. Em suma, “temos de nos preocupar com aquilo que o código dos contratos públicos nos obriga e, acima dos 5 milhões de euros, tem que haver uma análise de custos e benefícios”, atenta o economista, alertando para a importância de se incluir a “preocupação com a sustentabilidade”. No fundo é: “Mensurar para se tomar uma melhor decisão e identificar grandezas para se tomar melhores decisões”, remata.

A “Conferência Economia Circular e Ambiente” decorreu no âmbito da celebração do Pacto Climático, com o Município de Guimarães e outras 70 entidades a reforçar o compromisso com a neutralidade climática até 2030.