Por João Pequeno, Gestor de Ciência e Investigador no MARE da NOVA FCT
Portugal não é apenas um país à beira-mar: é uma nação com uma inegável ligação histórica ao oceano, com projeção internacional, que nos moldou e continua a moldar cultural e socialmente. Com uma zona económica exclusiva que ultrapassa largamente o território continental, o nosso futuro coletivo está inevitavelmente ligado e dependente da saúde dos mares. Ainda assim, é surpreendente e preocupante a forma como o conhecimento público sobre o oceano continua reduzido e fragmentado: muitos veem-no como um mero cenário de fundo, quando é, na realidade, um sistema vivo do qual dependemos para a regulação do clima, para a alimentação e para o nosso bem-estar.
A literacia do oceano começa, por isso, com uma ideia simples e poderosa: só protegemos aquilo que conhecemos e, só assim, ganhamos o sentimento de pertença ao oceano. Quando compreendemos as ligações entre o que consumimos em terra, a gestão dos resíduos, as políticas energéticas e o estado dos ecossistemas marinhos, emerge em nós uma responsabilidade acrescida e tornamo-nos agentes ativos de mudança, em vez de meros observadores. Essa transformação cultural é essencial para responder às ameaças que o oceano enfrenta hoje: alterações climáticas, perda de biodiversidade, poluição e pressões sobre habitats e recursos vivos.
Há também um papel claro para a ciência neste processo, demonstrado e validado por diversos projetos. Concordo que os investigadores podem e devem participar na elaboração de políticas e de recursos educativos. Quando cientistas colaboram com professores, comunicadores, editores e educadores, o conteúdo é atual, sólido e assenta no melhor conhecimento disponível. A formação de docentes, a integração transversal do oceano nos currículos escolares, em vez de ser tratado como um tema isolado, e programas dirigidos a adultos, decisores políticos e agentes económicos são passos imprescindíveis.
Não basta, porém, um apelo emocional. A literacia do oceano tem uma dimensão prática e política: o conhecimento robusto sustenta decisões estratégicas, desde a criação e gestão de áreas marinhas protegidas até ao desenho de políticas de gestão de resíduos e de economia circular. Estas devem ser acompanhadas por mobilização social e literacia que convertam compromissos em mudança concreta e fiscalização efetiva. Educação e participação informada são a melhor garantia de que medidas vinculativas não se fiquem por meras declarações.
Portugal foi pioneiro ao traduzir e adaptar princípios de literacia do oceano em 2011, o que nos tornou referência nesta área. Desde então, existem iniciativas exemplares como os centros Ciência Viva, o programa Escola Azul e muitos projetos desenvolvidos por universidades, ONG e instituições públicas, mas falta coordenação estratégica que evite duplicação de esforços e dispersão de recursos. A literacia concentra-se, sobretudo, nas zonas costeiras e nos públicos jovens, e as populações do interior e faixas etárias mais velhas ficam muitas vezes fora do radar. Precisamos de métricas nacionais de literacia, de campanhas que liguem comunidades e problemas locais à saúde do mar e de mecanismos que transformem os cidadãos em parceiros ativos da governação marinha.
A literacia do oceano não é um luxo académico, mas uma pedra basilar social que permite políticas duradouras, apoia a inovação na economia azul e protege o património natural que sustenta comunidades. Em vez de esperar que as soluções venham apenas de cima, devemos investir na base: nas escolas, nas famílias, nas cidades e nas aldeias, para criar uma cultura de cuidado informado.
A aposta deve integrar capacitação formal e não formal para a literacia do oceano, visando toda a população, assegurando inclusão, multigeracionalidade e diversidade na sociedade. Só assim conseguiremos formar agentes ativos e interventivos na gestão deste recurso imprescindível, de forma eficaz e eficiente.
Se quisermos um futuro em que o oceano seja fonte de prosperidade e resiliência, o desafio é também educativo: formar cidadãos para que sejam ativos no processo. Isso faz toda a diferença entre promessas vazias e mudanças efetivas e é essencial para que os erros que cometemos em terra não sejam repetidos no oceano.








































