Consumo alimentar na UE tem um impacto prejudicial no planeta, confirma relatório

Apesar de ser o maior exportador mundial de produtos agroalimentares em termos económicos, a União Europeia apresenta um défice comercial significativo quando medido pelo que realmente importa em termos nutricionais, tais como calorias e proteínas. Esta é uma das conclusões de um relatório da ANPlWWF e da WWF que analisa criticamente a dinâmica comercial da UE.

O relatório “A Europa come o mundo – Como a produção e consumo de alimentos na UE impacta o planeta” apresentado, esta segunda-feira, 23 de maio, conclui ainda que a Europa “importa muito mais alimentos do que exporta e que o consumo alimentar tem um impacto prejudicial no planeta”.

“Um pouco por toda a Europa são várias as vozes que têm alertado para o perigo da instrumentalização do conflito que pretende diluir ao máximo os compromissos ambientais de forma a aumentar a produção. Sabemos que esta retórica não é verdadeira e é, na verdade, bastante enganadora já que apenas um sistema alimentar mais sustentável será capaz de proporcionar segurança alimentar. A UE não deve concentrar-se em produzir mais, mas sim em produzir e consumir melhor, de forma diferente”, declara Para Ângela Morgado, diretora executiva da ANPlWWF.

As importações de alimentos da UE e a produção interna são fundamentalmente insustentáveis, uma vez que deterioram os recursos naturais, provocam a desflorestação global e esgotam os stocks de peixe em todo o mundo. “Cerca de 40% dos alimentos produzidos na UE também nunca são consumidos, e este desperdício tem um custo enorme para o nosso clima e biodiversidade”, precisa o estudo.

Para esta Organização, “tentar aumentar a produção alimentar na UE em resposta à atual crise alimentar mundial, como alguns grupos políticos e de lobby têm vindo a sugerir, provavelmente só irá exacerbar estes problemas”. Portanto, a WWF defende que só a “mudança de consumo pode contribuir para a segurança alimentar e diminuir os impactos do sistema alimentar da UE, tornando-o mais resiliente”.

De acordo com Ângela Morgado, “é evidente que ao tornar os nossos sistemas alimentares sustentáveis, estamos também a torná-los resilientes. As medidas ambientais e os objetivos de sustentabilidade não enfraquecem a segurança alimentar, mas sim apoiam-na. O Pacto Ecológico Europeu e a Estratégia Do Prado Ao Prato não precisam de ser revistos para permitir o aumento da produção. Pelo contrário, precisam de ser acelerados através de uma melhor utilização dos subsídios agrícolas, de uma ação reforçada em matéria de consumo alimentar e dietas alimentares, e da rápida adoção das legislações planeadas sobre tópicos-chave, incluindo a desflorestação e conversão de terras, restauro e pesticidas”.

Destaques do relatório:

  • O modelo de comércio agroalimentar da UE gira em torno da importação de matérias-primas de baixo valor, tais como cacau, frutas e soja, e da exportação de produtos de alto valor como o vinho e o chocolate – dando um contributo positivo para a economia da UE, mas não necessariamente para o abastecimento alimentar global.
  • Muitos dos produtos agroalimentares importados para a UE são produzidos à custa de milhões de hectares de florestas e outros ecossistemas naturais, alimentando as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e as injustiças sociais; a UE continua a ser o segundo maior importador de produtos ligados à desflorestação tropical. A nova Lei da Desflorestação da UE, atualmente em discussão no Parlamento Europeu e no Conselho do Ambiente, é uma oportunidade para pôr fim a esta destruição.
  • A UE importa quase duas vezes mais pescado do que produz, e parte deste provém de regiões tropicais onde as comunidades locais dependem destes stocks de peixe para a obtenção de proteínas, mas enfrentam um declínio das capturas devido à pesca excessiva e às alterações climáticas. A aquicultura poderia fornecer algumas soluções, mas apenas se se concentrar em espécies herbívoras como a carpa e os moluscos filtrantes, em vez de espécies carnívoras como o salmão.
  •  A UE produz mais produtos de origem animal do que o recomendado para a nossa saúde. Para sustentar este setor pecuário sobredimensionado, mais de metade das culturas de cereais que cultivamos são dadas aos animais, e importamos grandes quantidades de soja e outras rações. A produção de culturas para alimentação animal ou combustível é intrinsecamente ineficiente, aumentando os impactos da nossa agricultura e alimentação na biodiversidade, saúde do solo, e clima.
  • A UE desperdiça anualmente grandes quantidades de alimentos, estimadas em 173 kg de alimentos por pessoa. Embora haja um esforço crescente para tratar do desperdício alimentar a nível do retalho e do consumidor, a perda de alimentos nas explorações agrícolas é frequentemente negligenciada, mas estima-se que 15% da produção alimentar total se perca durante ou pouco depois da colheita de cada ano.
  • Há um apetite de mudança por parte dos consumidores da UE. Três em cada cinco europeus querem comer de forma mais sustentável e três em cada quatro querem legislação da UE para garantir que todos os produtos vendidos na UE não conduzam à perda da biodiversidade.
  • As empresas alimentares estão cada vez mais envolvidas na produção de alimentos positivos para a natureza, na agricultura regenerativa e em padrões mais elevados de bem-estar animal. Atualmente, cerca de 14,6 milhões de hectares de terra na UE e no Reino Unido – 8,1% da área agrícola total – são cultivados em Modo de Produção Biológico por quase 350.000 produtores, e o mercado de alimentos biológicos da UE duplicou de valor desde 2010.