Covid-19: Redução de 4% nas emissões de CO2 não chega para travar as alterações climáticas

À conta da pandemia do surto de Covid-19, o mundo parou. A vida de países inteiros ficou em stand-by. A atividade humana diminuiu. E tudo isso implicou uma redução de 4% nas nossas emissões de CO2. A maior redução desde a II Guerra Mundial. Mas, para cumprir o Acordo de Paris, teríamos de reduzir essas mesmas emissões 6% todos os anos. Ou seja, nem o impacto “positivo” do vírus no ambiente é suficiente para mudar o decurso das alterações climáticas. 

A Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) juntou-se, virtualmente, para discutir qual o impacto da Covid-19 nas alterações climáticas e chegou-se à conclusão de que a relação do vírus com o ambiente é mais estreita do que pensávamos mas que, mesmo assim, o seu impacto positivo não soluciona tudo.

Filipe Duarte Santos, investigador e professor catedrático, começa por contar que o novo coronavírus provém de um animal, provavelmente de um morcego, e que ao que tudo indica as zoonoses têm vindo a aumentar pela “relação harmoniosa” do Homem com a Natureza e com os biomas das florestas, ou seja, é sua consequência.

A redução de emissões pelo Covid-19 é apenas “uma gota de água” 

O investigador recorda que existe uma relação muito estreita entre o confinamento das pessoas e a poluição atmosférica, nomeadamente, o impacto que o vírus tem tido ao nível do transporte aéreo com o decréscimo acentuado dos voos. A realidade é que “estamos a desfrutar de um ambiente que seria o mais desejável para o futuro”.

Assim, “na sequência da diminuição da atividade económica do mundo, há uma diminuição das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera”. Mas Filipe Duarte Santos deixa bem assente que “essa diminuição não resolve o problema das alterações climáticas”. Vamos a dados:

Os dados mais recentes estimam que a pandemia vai implicar uma redução de 1.600 milhões de toneladas de CO2 este ano, o que corresponde a uma diminuição de 4% face a 2019. Antes do surto do Covid-19, estava previsto um aumento de 470 milhões de toneladas de CO2. Esta é a maior quebra de emissões de CO2 desde 1990 sendo maior que aquela provocada durante a II Guerra Mundial ou na gripe espanhola.

No entanto, esta redução é apenas “uma gota de água para o problema” ambiental e climático. É que para cumprir o Acordo de Paris “era necessário todos os anos, incluindo no atual, que as emissões reduzissem 6% por ano“, de acordo com o mesmo. E a crise do Covid-19 reduziu apenas 4%. “Estão a ver a enormidade do desafio que a Humanidade tem para resolver este problema das alterações climáticas?”, interroga o investigador.

Filipe Duarte Santos explica que o que conta é a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, ou seja, “para que a concentração de CO2 na atmosfera diminua é necessário que as emissões adicionais, provocadas pela atividade humana, sejam praticamente nulas”. Só depois das emissões descerem acentuadamente é que a “concentração estabiliza”. Neste momento, ela continua a aumentar.

Alerta ainda para o facto de que, depois da pandemia, os preços dos combustíveis fósseis — como o petróleo — vão estar muito baixos pelo que “haverá novamente um aumento muito grande do consumo destes combustíveis” nefastos para as alterações climáticas.

Uma prosperidade sustentável para o futuro

O responsável defende que vivemos, neste momento, quatro crises no Mundo: o Covid-19 com consequências sócio-económicas, a crise da dívida pública e privada e as crises ambiental e climática. Enquanto esta pandemia será momentânea, ainda que demore algum tempo a passar, as restantes crises têm “horizontes temporais muito mais extensos e, por isso, são muito mais difíceis de resolver”. O desafio passa então por “encararmos também essas questões de médio e longo prazo que nos vão afetar a nós mas também as gerações futuras”.

Ao longo deste período de isolamento, e quando tudo retomar, as pessoas vão notar menos poluição e ruído o que pode ser positivo, na medida em que podemos “pensar que existem comportamentos alternativos e conceitos de prosperidade diferentes da económica” como uma “prosperidade sustentável ou simplicidade voluntária”, reflete Filipe Duarte Santos.