Crise climática: “Aprendemos com esta crise que interferimos demasiado na Natureza”

Muitas são as semelhanças entre uma crise sanitária, como a da Covid-19, e a crise climática. Ambas são globais, encontram resposta na ciência, dependem de uma mudança de comportamentos do mundo inteiro e crescem exponencialmente. Jorge Moreira da Silva, antigo ministro do Ambiente e especialista em alterações climáticas, confia que a pandemia é fruto da nossa interferência na Natureza e que só haverá realmente recuperação se esta for “verde”. 

Jorge Moreira da Silva defendeu, durante o webinar sobre o impacto da Covid-19 na transição energética, organizado pela sociedade de advogados CMS Rui Pena & Arnaut, que “a crise está connosco há muito tempo”, não sob a forma de pandemia mas através de outras crises como a climática, pelo que “esta é apenas uma crise adicional que nos dá mais uma razão para aumentar a nossa ambição da sustentabilidade”. No entanto, o especialista faz um paralelismo entre a crise da Covid-19 e a crise climática, afirmando que da atual crise “podemos identificar sintomas, consequências e as raízes do problema” que nos ajudem a travar outras crises.

Aspetos comuns entre a Covid-19 e a crise climática

O ex-ministro reflete que a pandemia, tal como as alterações climáticas, é uma “crise global cuja resposta deve ser encontrada com base na ciência” e que coloca em evidência a interconetividade e a interdependência, na medida em que “um único caso em África será suficiente para manter esta pandemia viva”. Ainda que cada indivíduo faça o que puder em casa, cada país e continente dêem o seu melhor, “a crise não termina até que, coletivamente, ajudemos aqueles que estão a ficar para trás” na luta contra a Covid-19. “Não seremos afetados da mesma forma”, adianta, e “o debate global afeta, dramaticamente, a capacidade dos países e empresas lidarem com a crise”.

Os países em desenvolvimento “serão mais afetados pela crise”, também pela climática quando nem sequer são “aqueles que registam mais emissões”, tanto a nível sanitário como económico, e espera-se um aumento da pobreza extrema pela 1.ª vez em mais de 30 anos. Por exemplo, na Somália existem apenas 19 unidades de cuidados intensivos e cerca de quatro em cada 10 casas em África têm água potável, ou seja, “lavar as mãos e o distanciamento social são ficção científica”.

Além disso, a pandemia “dá-nos uma noção de crescimento exponencial e não linear” como acontece com o clima e a verdade é que “não podemos lidar com esta crise sem uma alteração de comportamento“, como o lavar as mãos e manter o distanciamento social. Neste sentido, Jorge Moreira da Silva afirma que “a crise climática é de longe muito pior do que a pandemia” pois “temos de mudar de comportamento antes” da crise existir.

“Aprendemos com esta crise que interferimos demasiado na Natureza”

Todos os elementos enumerados são “importantes” para lidar com a crise climática e “aprendemos com esta crise que interferimos demasiado na Natureza” com as crescentes evidências de que “esta pandemia está relacionada com a forma como interferimos na vida selvagem e não lidamos com a biodiversidade com o respeito de que precisa”. Cerca de 72% das epidemias e pandemias são originadas por interferência dos Humanos na Natureza. Assim, segundo o mesmo, “quando investimos na biodiversidade não estamos a perder dinheiro” e há que investir também em “resiliência, mitigação e adaptação” para nos protegermos e lidar melhor com futuras crises.

O especialista acredita que “se formos um mundo dividido não conseguimos cumprir o Acordo de Paris e a Agenda 2030” e que com esta pandemia “existe o risco de muitos objetivos sustentáveis serem esquecidos para lidar com as consequências económicas da crise”, apesar de as pessoas estarem pelo menos mais conscientes delas. Mas, para si, “isto não é uma possibilidade entre salvar empregos e a economia ou lidar com as alterações climáticas e sustentabilidade”. Esta é sim uma “oportunidade para o desenvolvimento sustentável” onde “só haverá recuperação se for verde e sustentável”.

As finanças devem, por isso, “ser consistentes com a transição digital e energética” e o investimento deverá ser maior, mais seletivo — não selecionar empresas mas antes setores e atividades –, produtivo e inovador.