Dar resposta às perdas de água é algo que “está ao alcance de todos”

No ano passado, por esta altura, o Município de Carrazeda de Ansiães e São João da Pesqueira, em Trás-Os-Montes, enfrentavam uma situação de crise hídrica que obrigou à implementação de planos de contingência com medidas mais rigorosas. Em causa estava mesmo o acesso ao consumo de água por parte dos cidadãos.

A Gestão das Perdas de Água em contexto de crise” foi o nome de um dos debates promovidos no 5.º Encontro CESDA da APDA, que decorreu nos dias 6 e 7 de junho, em Santo Tirso. Coube a José Pimenta Machado, vice-presidente da APA – Agência Portuguesa do Ambiente, a moderação desta conversa.

O verão por si só já é um período onde o consumo de água tende a aumentar. Em Carrazeda de Ansiães, por exemplo, o turismo obriga, desde logo, a um consumo mais elevado: “A nossa preocupação começou com a Albufeira de Fontelonga que, com capacidade para 900 mil metros cúbicos, estava com cerca de 27%”, começou por dizer João Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, acrescentando que, em julho, a situação que se previa era mesmo alarmante. O facto da Albufeira de Barragem de Fontelonga ter um papel crucial para o fornecimento de água para abastecimento público do concelho, agravou ainda mais a situação: “Em anos normais, os afluentes começam a correr em dezembro ou janeiro, pelo que o mês de outubro significaria um período de rutura no abastecimento público”.

Face a esta realidade, o Município viu-se obrigado a reportar ajuda urgente à APA: “A nossa mensagem foi muito bem recebida e começamos a monitorizar o sistema semanalmente, fazendo leituras para ter um acompanhamento real do nível da Albufeira”, explica o autarca, acrescentando que foi ainda implementado um “plano de contingência”. Nesta concentração de ações, a Autarquia levou ainda a cabo uma campanha de sensibilização para população no Concelho, alertando para a situação de crise: “A população começou a reduzir os consumos e a Câmara Municipal, grande consumidor, também deu o seu exemplo”, afirma.

No que às perdas de água diz respeito, João Gonçalves reconhece que a situação é ainda uma preocupação, com uma percentagem (de perdas) de 50% ou mais, pelo que o “envolvimento de investimento” e de “instrumentos financeiros” são essenciais: “Na principal adutora, que vai desde a estação de tratamento até à Vila, reportavam-se avarias quase todos os dias e, num primeiro passo, avançamos para a substituição da mesma, onde, agora, estamos já a substituir outra e a projetar continuar com este trabalho”.

No consumo, o foco assentou em alertar a população para a situação, algo que já tem dado contributos: “Ao nível de capacitação descemos de 116, no ano passado, para 106, já este ano”. Foi um “trabalho complicado e que teve que chegar à transferência de água desde o Rio Tua, de modo rodoviário, até estação de tratamento”, relembra o autarca, acrescentando que “só começamos a ter afluência à barragem no dia 8 de dezembro e, nessa altura, o nível estava perto dos 10%”. Portanto, “se não tivéssemos o Inverno que tivemos (chuvoso) o que aí viria seria uma grande preocupação”, atenta.

Hoje em dia, o ponto de situação é, totalmente, diferente: “ A Albufeira encontra-se com 80% de capacidade e para o curto prazo não é preocupante”. Ainda assim, o médio e longo prazo continua a ser motivo de alarme: “Temos a expectativa  que este Plano de Eficiência Hídrica seja rapidamente desenvolvido em Trás-Os-Montes e que apontemos soluções para o futuro, pois os impactos das alterações climáticas já estão a ser sentidos”, alerta.

“Não se pode desperdiçar uma boa crise, para implantar as medidas necessárias”

Em São João da Pesqueira a situação foi idêntica: “Em fevereiro tivemos uma reunião e o cenário traçado foi de que, se tudo se mantiver como está, em maio não haverá água na torneira”, começou por dizer Paulo Tolda, diretor de Estratégia e Administração Geral do Município de São João da Pesqueira, defendendo, ainda assim, que o desafio das perdas é algo que “está ao alcance de todos: é preciso que haja vontade política”. E, no caso de São João da Pesqueira, “tínhamos todos os recursos dentro de casa”, refere o responsável, acrescentando que “não foi preciso contratar mais pessoas” para dar resposta. Com o “apoio técnico da Águas do Norte e da EPAL”, foi possível avançar com o trabalho, sucinta.

Na altura, quando foi dado o “cenário de rutura iminente”, aquilo que se começou a fazer foi a “definição de uma estratégia: sabíamos qual era o objetivo”, refere Paulo Tolda, acrescentando que o plano de ação assentou, inicialmente, em “chamar os interveniente de todos os setores fundamentais”, como a “comunicação”, o “serviço de água”, a “proteção civil” e os “representante de IPSS” para conhecerem as sete ações concretas que o Presidente da Câmara lançou num despacho: “Toda a gente vestiu a camisola e incorporou aquela missão de reduzir as perdas como algo essencial”. Nas reuniões falava-se em “aumentar tarifários” e “mexer na fatura água”, ações que, para o responsável, só fazem sentido serem postas em prática em situações de crise: “É a altura ideal para fazer mudanças que eram necessários”. Para tal, a rega de água jardins deixou de estar funcional e foi exigido uma cobrança a todas as IPSS que usam o recurso: “Entendemos que as entidades que recebessem a fatura iriam tomar medidas de redução de consumos”.

Para além disso, foi alocada uma equipa permanente à deteção ativa de fugas: “Em termos práticos o volume total em (metros cúbicos) recebido (no sistema) em Alta, em 2020/21 estava muito próximo dos 760 mil metros cúbicos de água recebida, o que, em 2022 foi reduziu para 200 mil metros cúbicos”. Em suma, “foi uma redução de 26%”, atenta o Paulo Toda, perspetivando que, “em 2023, os dados sejam ainda mais positivos, com uma redução acumulada de consumo em 34%”. Aliás, “continuamos a ter o benefício desse trabalho” que, da mesma forma, acaba por se traduzir do ponto de vista financeiro: “Gastávamos 420 mil euros só em aquisição de água e, em 2023, passamos para 315 mil euros”, sustenta. Também nas perdas, que rondavam os 50% e que, em 2022, já estavam nos 28%: “Este ano, se continuarmos assim vamos estar entre os 20% de perdas reais”.

Graças à mobilização dos setores essenciais e de todos os cidadãos estarem sensibilizados para as responsabilidades que tinham pela frente, foi possível reverter a situação e, aliás, uma das grandes lições que este Município retira é que “não se pode desperdiçar uma boa crise, para implantar as medidas necessárias”, remata o responsável.