De que forma é que a prática de surf em piscinas de ondas pode contribuir para a economia azul?

A prática de surf em piscinas de ondas é cada vez mais uma realidade. Vários fabricantes multiplicam instalações, revelando a maturidade das tecnologias e a viabilidade financeira dos projetos. E os estudos demonstram que as piscinas de ondas para a prática de surf apresentam vários benefícios para as comunidades ou até para as atividades ligadas ao turismo. Mas a pergunta que se coloca é: “De que forma é que a prática de surf em piscinas de ondas pode contribuir para a economia azul?”. A Ambiente Magazine foi à procura de respostas.

Álvaro Sardinha

“Importa, desde já, sublinhar que o desenvolvimento da economia azul precisa de pessoas e de talento e a promoção da prática de surf desempenha aqui um importante papel”, começa por explicar Álvaro Sardinha, fundador da iniciativa EconomiaAzul, destacando que “o turismo náutico – que inclui a prática de desportos aquáticos, como o surf – constitui uma importante fonte de receitas e de emprego na economia do mar, contribuindo para o desenvolvimento das regiões e das suas comunidades”. Além do valor económico, o turismo náutico oferece um valor de transformação social intangível, que persiste no tempo e cujos efeitos se prolongam por gerações: “Promove a literacia da natureza, sensibiliza para a proteção ambiental e aproxima pessoas e oceano, captando talento para futuras carreiras, ideias e investimentos azuis”. Para o responsável, os desportos náuticos merecem particular atenção, pelo facto de “potenciar ligações permanentes e regulares de crianças, jovens e adultos ao meio marítimo e marinho”, aproximando-os assim dos setores que constituem a economia do mar: “Estas crianças, jovens e adultos são essenciais para o desenvolvimento da economia azul que se ambiciona”.

Mas o valor da prática de surf não se reduz ao turismo: “O seu valor é estrutural e deve ser valorizado em estratégias de longo prazo. Aproximar pessoas e o oceano é o primeiro passo para a edificação de uma verdadeira economia azul, mais forte nas atividades emergentes, na inovação e no conhecimento”, precisa. Por outro lado, o valor da prática de surf não se reduz apenas às áreas costeiras: “O desenvolvimento e produção de equipamentos e surfware podem ser realizados em qualquer ponto do mundo – a economia do mar não resulta apenas das atividades económicas realizadas nas regiões costeiras”.

É assim que, tal como explica Álvaro Sardinha, a prática de surf em piscinas de ondas, ao “alargar o acesso da atividade desportiva a comunidades não tradicionais”, permite “amplificar o potencial de captação de mais praticantes e o crescimento da indústria”, promovendo a “aproximação de pessoas e oceano de uma forma indireta”, mas válida e valiosa: “A economia azul ganha assim o que mais precisa: pessoas, literacia e sustentabilidade”.

Questionado sobre esta tendência crescente prática de surf em piscinas de ondas, o fundador da EconomiaAzul refere que está ligada com a “enorme visibilidade” que desporto (surf) tem alcançado e da perceção generalizada da sua importância, inclusive na “promoção da sustentabilidade das pessoas, do oceano e do planeta”. De facto, a prática de surf tem crescido de forma surpreendente a nível mundial, acompanhada por uma indústria especializada em equipamentos, acessórios, produtos ou vestuário (surfware): “Por exemplo, na Austrália, uma em cada dez pessoas pratica surf”. Mas há mais fatores que têm contribuído para este crescimento, nomeadamente a “qualidade das estratégias de turismo e da sua implementação”, a “organização de eventos mediáticos de projeção mundial”, a “criação de uma rede mundial de reservas de surf”, a “dinâmica dos clubes, associações e empreendedores” ou os “Jogos Olímpicos de Tóquio 2020”. No caso das estratégias, Álvaro Sardinha dá como exemplo a “Estratégia do Turismo 2027” do Turismo de Portugal: “Conseguem, de forma efetiva, promover o turismo azul baseado em práticas desportivas saudáveis e inclusivas”.

[blockquote style=”1″]Desafios / Oportunidades[/blockquote]

Piscina de ondas para surf – Wave Park – Coreia do Sul

Contudo, esta tendência de crescimento é também acompanhada por desafios como a “pressão demográfica exercida sobre as comunidades das regiões onde se encontram as melhores ondas”, com “impactos sociais e ambientais negativos” que comprometem os benefícios económicos. Outro dos desafios é a “desigualdade no acesso à prática do desporto” que, segundo o responsável, “penaliza e discrimina as populações que residem no interior dos países com litoral (como Portugal) ou em países sem regiões costeiras (como a Suíça)”. Na resposta a estes desafios, Álvaro Sardinha assegura que as piscinas de ondas para a prática de surf apresentam, pelo menos, dois benefícios para as comunidades e para as atividades ligadas ao turismo: a “existência de instalações de piscinas de ondas perto do litoral”, que promovam a “dispersão dos pontos de atração e a criação de roteiros de turismo de maior valor acrescentado”, libertando assim as “áreas costeiras da prática intensiva de surf”; e a “instalação de piscinas de ondas em países e regiões do interior”, que permitem a “prática de surf por populações que residem longe do litoral, captando mais talento para a modalidade e diminuindo a pegada ecológica dos praticantes que se deslocam longas distâncias à procura de ondas”.

Ainda sobre os benefícios, Álvaro Sardinha atenta na importância de se “planear” e “gerir” o crescimento contínuo do turismo náutico, incluindo a prática de surf: “Se o crescimento não for planeado e gerido, pode levar a impactos significativos em locais culturais, património, paisagens, espaços públicos e ambientes sensíveis, bem como na vida quotidiana dos residentes”. É por isso que prática de surf em piscinas de ondas contribui para a sustentabilidade ambiental das regiões: “Ao oferecer novas instalações para a prática do surf, afastadas dos locais de maior pressão, as piscinas de ondas promovem a dispersão no espaço e no tempo da prática de surf, aliviando a pressão ambiental e social sobre as regiões”, sucinta. O mesmo acontece com a diminuição da pegada ecológica, potenciando uma economia circular de âmbito local, com a otimização de transportes públicos com zero emissões: “Podem ser evitados ou reduzidos os percursos longos e a respetiva emissão de gases de efeito de estufa (GEE) pelos meios de transporte convencionais, contribuindo para a redução da pegada ecológica”.

Em Portugal, tal como indica o responsável, há um caso de estudo que demonstra os impactos nefastos do surf: “É o caso da região da Ericeira”. Reconhecida em 2011 – a nível internacional – com a classificação de Reserva Mundial de Surf, a Ericeira oferece, atualmente, 38 escolas e múltiplas instalações de alojamento e de apoio, que atraem praticantes de todo o mundo, “um crescimento exponencial que tem concentrado enormes impactos ambientais e sociais nas regiões costeiras locais”, alerta. Um estudo prévio aponta algumas das consequências desse crescimento, nomeadamente o “aumento de resíduos”, a “destruição de fauna e flora”, as “praias e serviços sobrecarregados”, a “massificação”, as “ameaças ao património natural” ou a “mobilidade deficiente”.

[blockquote style=”1″]Parque de surf em Santarém[/blockquote]

Piscina de ondas para surf – Alaia Bay – Suíça

Questionado sobre a possibilidade de existir este tipo de infraestrutura em Portugal, Álvaro Sardinha cita uma notícia da Câmara Municipal de Santarém que aprovou por unanimidade, no passado dia 17 de maio, um pedido de viabilidade de construção de um parque de surf com alojamento turístico na Póvoa de Santarém, situado a 5 minutos da portagem da A1, a 40 minutos de Lisboa e da costa atlântica, nomeadamente das praias da Nazaré e de Peniche. O projeto prevê a construção de uma piscina de ondas, uma escola de surf, edifícios de apoio à prática e à aprendizagem de surf, um restaurante, bares e esplanadas numa área total de 50 hectares. Estão igualmente previstos alojamentos de tipo bungalow e uma pequena unidade hoteleira com capacidade para alojar equipas de surf nacionais e estrangeiras.

[blockquote style=”1″]O Futuro[/blockquote]

Para Álvaro Sardinha, o potencial das piscinas de ondas para a prática de surf pode levar a prática da atividade a muitas mais pessoas, democratizando o acesso e dinamizando toda a economia do desporto, incluindo fabricantes de equipamentos, vestuário, oferta de alojamento e turismo local. “Estas infraestruturas estão já a expandir o interesse e o entusiasmo pelo surf em áreas a milhares de quilómetros das regiões costeiras, abrindo caminhos para novas formas de competição, já que os eventos competitivos não ficarão restritos às ondas do mar”, reforça.

Tendo como missão aproximar pessoas e oceano através do conhecimento e da comunicação, a iniciativa EconomiaAzul pretende, ao comunicar a relevância das piscinas de ondas para a prática de surf, alertar para as oportunidades que aguardam empreendedores e que podem contribuir para o crescimento da economia azul nacional, criando riqueza e emprego: “As piscinas de ondas para a prática de surf constituem uma tendência global ainda pouco discutida em Portugal”, remata.

Testemunhos favoráveis ao desenvolvimento de piscinas de ondas em Portugal:

  • Ericeira Surf Clube: “Chegámos a uma nova era. O reinado das ondas artificiais chegou e vem para ficar gerando uma onda gigante – a da socialização do surfing potenciada pela inovação técnica e tecnológica – que pode desencadear um tsunami no processo de desenvolvimento sustentável das comunidades e dos territórios em múltiplas dimensões: a desportiva, a económica, a social, a humana, a ambiental e a territorial.”
  • O projeto INOVSEA promovido pela Associação Empresarial de Viana do Castelo (AEVC) e pela Associação Comercial e Industrial da Figueira da Foz (ACIFF) visa potenciar a inovação nas PME que integram a economia do mar das regiões costeiras do Alto Minho e Baixo Mondego. Este projeto sublinha a importância das piscinas de ondas para a prática de surf.

Exemplos de empresas / fabricantes com tecnologias patenteadas em termos de piscinas de ondas:

  • Wavegarden (empresa espanhola), com seis instalações em operação (Praia da Grama, Brasil; Alaia Bay, Suíça; Wave Park, Coreia do Sul; Urbnsurf, Austrália; The Wave, Bristol e Surf Snowdonia, Reino Unido) e uma instalação em construção (Surfland, Brasil);
  • Surf Loch Wave Systems, EUA;
  • PerfectSwell by American Wave Machines, EUA;
  • Surf Lakes, Austrália;
  • Kelly Slater Wave Company, EUA;
  • Okahina Wave, França (em fase de testes).

*Link para a notícia:

Câmara aprova parque de surf na Póvoa de Santarém