De que forma é que Portugal pode cumprir a meta dos REEE anunciada pela União Europeia?

No âmbito do Dia Internacional dos Resíduos Eléctricos, assinalado no passado dia 14 de outubro, a APEMETA (Associação Portuguesa de Empresas de Tecnologias Ambientais) realizou mais uma sessão “Manhãs da APEMETA”, cujo tema foi “Equipamentos Elétricos Usados”. O webinar realizou-se esta quinta-feira e juntou as três entidades gestoras com atividade em Portugal: ERP Portugal – Associação Gestão de Resíduos; Electrão – Associação de Gestão de Resíduos e Weeecycle – Associação de Produtores de EEE. 

As três entidades foram desafiadas a fazer uma abordagem do panorama nacional relativamente ao setor e de que forma é que Portugal poderá conseguir alcançar a meta dos 65% anunciada pela União Europeia. 

Pedro Simões, gerente de operação da ERP Portugal, reconhece que a quantidade de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE) recolhidos tem aumentado: “Em maio, registaram-se aumentos de 22% a 30%”. Além disso, em agosto deste ano, a ERP Portugal “recolheu 634 toneladas, mais 2%” relativamente ao ano anterior. Este aumento é o “resultado do esforço que tem sido feito ao nível da recolha própria”, afirma, considerando contudo que “ainda não é suficiente”.

O responsável afirma que o que motivou à elaboração do Estudo de Avaliação do Desempenho e de Definição do Plano de Ação para o SIGREEE  foi precisamente a problemática associada à gestão dos REEE e, em simultâneo, o envolvimento de todos os setores. As metas são, desde logo, a grande preocupação: “Temos, em 2019, uma média de colocação no mercado de todo o SIGREEE de 158 mil toneladas. Se aplicarmos a meta da recolha de 65%, estamos falar que o objetivo de Portugal é de cerca de três mil toneladas”. Relativamente a 2020, e contabilizando a informação já disponível “da colocação do mercado de 2019 que são cerca de 200 mil toneladas”, a média de colocação passa para “180 mil toneladas”, o que “significa que a nossa meta ,aplicando os 65%, passaria para 117 mil toneladas”. Uma meta desafiadora em que o responsável é claro: “Os REEE estão a ser geridos e não estão a ser tratados”, pelo que a questão passa por trazer os resíduos para o “controlo e monitorização” por parte das entidades gestoras e da Agência Portuguesa do Ambiente e das tutelas.

Outro problema é o canal municipal: “Entendo que tem um grande potencial e que pode ser feito mais”. Segundo os dados de 2019, foram “recolhidos 4900 toneladas de REEE” e ao nível da captação, a “média nacional é de 500 kg por habitante”, declara. Já a rastreabilidade, o responsável considera ser um ponto-chave a trabalhar: “Existem muitas recolhas de REEE misturadas com outros resíduos e que não podemos contabilizar, sendo apenas contabilizados como sucatas metálicas”.

[blockquote style=”2″]Não basta olhar só para as metas e para o dinheiro que é necessário injetar [/blockquote]

Relativamente ao mercado paralelo, Pedro Simões afirma que a ERP Portugal está em linha com o plano de ação para os REEE, destacando que os pontos principais têm que ver com o “consumidor” onde, sobretudo ao “nível de encaminhamentos dos equipamentos”, é necessário perceber se há “disponibilidade, locais onde depositar e se está a depositar correta ou incorretamente”. Ao nível das distribuidores, o responsável destaca a “obrigação da retoma” dos REEE: “Verificam-se algumas práticas de desvio”. Já ao nível dos ecocentros, o gestor destaca a importância de “controlar a gestão e melhorar a quantidade e qualidade dos resíduos que chegam aos ecocentros”. Nesta área, a ERP Portugal está a desenvolver projetos de investigação e desenvolvimento, no sentido de melhorar e encontrar soluções para o controlo dos resíduos colocados nos ecocentros. Também os furtos são uma problemática neste setor: “Na rede de recolha, há roubos constantes e, quando chega ao tratamento, o material não tem grande valor”, sustenta.

Para Pedro Simões, não basta “olhar só para as metas e para o dinheiro que é necessário injetar”: é também preciso “olhar de uma forma mais abrangente e holística” para o setor até porque há “muitas vertentes e componentes associadas à gestão dos equipamentos”.

[blockquote style=”2″] Produtores Incumpridores [/blockquote]

Por seu turno, Carla Gonçalves, da WEEECYCLE, defende que a responsabilidade da gestão dos REEE não pode ser “apenas das entidades gestoras mas de todos”, sendo que “o produtor, operadores de tratamento de resíduos, o consumidor, sistemas municipais e entidades” devem ser chamados para a discussão. Este debate faz sentido tendo em conta que a responsável considera que “a atual legislação tem muitas arestas por limar”, sendo necessário instar os “agentes envolvidos” a uma “eficiente partilha de informação, cooperação e participação”. 

E quem são estes agentes? Carla Gonçalves diz que eles “atuam nas várias vertentes” do circuito económico, sendo importante “comunicar e sensibilizar” estes atores para a sustentabilidade e para a necessidade de “fabricar produtos mais sustentáveis e amigos do ambiente”, com “maior durabilidade e passíveis de serem reparados. Já existem produtores a implementar medidas na sua produção mas, para muitos, o fator económico prevalece”, lamenta a responsável, apontando para outros fatores que são, neste momento, impossíveis de controlar como as “vendas online”, em que “ninguém controla” o número de equipamentos colocados no mercado. “Na própria sociedade, adquirimos este tipo de equipamentos e ninguém controla isso”, sustenta. 

No entanto, existem produtos que podem ser controlados “por parte das entidades competentes”, como é o caso daqueles que “não cumprem a legislação”. Este controlo poderia passar por “sensibilizar os produtores e promover para que seja cada vez maior o número de empresas a apresentar certificados como prova do cumprimento legal”. Esta necessidade surge do facto de haver produtores incumpridores e que “apresentam nas suas faturas o valor da eco taxa e que, muitas vezes, não tem correspondência”.  

Carla Gonçalves defende uma responsabilização do consumidor, adotando “uma atitude menos consumista” e exigir “equipamentos de maior duração, mais amigos do ambiente, extensão dos períodos de garantia e a criação de hábitos de reciclagem neste tipo de resíduos”. Quando um equipamento deixa de funcionar, o consumidor debate-se com vários problemas, a começar por ele próprio: “Embora a troca já exista, não é cumprida por resistência dos próprios consumidores”, afirma. Outro dos problemas na logística do comércio está no “desvio deste tipo de resíduos” aquando da vandalização dos ecopontos ou a ausência de programas de “incentivo para a retoma do equipamento antigo”. Todas esta falhas trazem “consequências para o meio ambiente. Se o mercado paralelo, que continua a comercializar este tipo de resíduos, continuar a ser alimentado, não conseguimos cumprir os nossos objetivos”, avisa a responsável. 

Carla Gonçalves vai mais longe e diz mesmo que “existe a necessidade de punições para combater o desrespeito e o incumprimento”, sendo que devem ser feitas ações para “informar os cidadãos para esta preocupação”, focando-se na população mais jovem. “Não é possível aumentar a recolha de REEE sem consciencialização”, sustenta. 

[blockquote style=”2″] Lógica Economicista [/blockquote]

Ricardo Furtado, diretor-geral do ELECTRÃO Recolha e Reutilização, que concorda com todas as problemáticas do setor apresentadas pelos restantes oradores, centra a sua apresentação no estudo: “É caso único ter três entidades gestoras concorrentes a unir esforços pela promoção desta avaliação de todo o contexto do SIGREEE”. Além disso, foca a questão do “estudo beneficiar da intervenção de todas entidades que têm um papel relevante” na gestão dos REEE: “É um sinal de humildade e de procura de entendimentos”, destaca. Outro aspeto fundamental é que as entidades não estão apenas preocupadas com a avaliação do diagnóstico conjuntural do SIGREEE mas também tecnológico: “Há um conjunto de materiais e componentes do EEE que hoje não tem opções de reciclagem”, refere. Com  o estudo, as entidades pretendem assim “avaliar o que é que o tecido empresarial oferece e se tem capacidade para nos oferecer”, não bastando apenas “recolher muito e bem”, mas sim “garantir que os resíduos são corretamente tratados e reciclados”.

O estudo traz ainda a oportunidade de chegar à autoridade máxima: “É uma mensagem para o Ministério do Ambiente”. E pode também fornecer um “conjunto de consensos importantes” para “implementação” no futuro próximo do país, refere o responsável, destacando que, no final de novembro, “vai produzir resultados provisórios”. As alterações que estão a ser promovidas pelo Governo servem para o responsável deixar o apelo de que “não fosse publicada a legislação que tem impacto direto neste setor sem pelo menos termos a oportunidade de apresentar as conclusões deste estudo”.

Ricardo Furtado destaca também uma falha ao nível da certificação, não se compreendendo o facto de “haver uma norma de certificação internacional preparada”, no sentido de “garantir o melhor desempenho”, mas que, “depois, não é incentivada a nível nacional”. O responsável reconhece que o sistema de licenciamento tem virtudes mas destaca a ineficiência que tem de “garantir que o nosso setor de recolha  e tratamento interioriza essas melhores práticas e passe a utilizar estas normas”.

Relativamente ao papel do Estado, cabe-lhe “saber ler os sinais, interpretar e legislar bem”, tendo a “capacidade de ouvir os intervenientes do setor e da sociedade”. E, a esse nível, faz sentido haver uma “decisão por parte das entidades competentes” no que diz respeito aos “valores de contrapartida aos SGRU e aos retalhistas” que são pagos pelas entidades gestoras: “Faz sentido que estes valores de contrapartidas sejam avaliados de acordo com a nossa participação mas decididos através de despacho-ministerial”, afirma. Neste momento, “estamos numa lógica economicista e sem introduzir benefícios para o setor”, sustenta. Já sobre aquele que deve ser o papel das entidades gestoras, Ricardo Furtado considera que a responsabilidade é pouco definida: “Há muitos intervenientes com responsabilidades ao nível da cadeia”, diz, considerando que, para se recolher mais e melhor, “temos que dotar a possibilidade das entidades gestoras poderem intervir por elas próprias em algumas áreas da cadeia de valor”