“Defendemos uma cidadania ativa em que cada cidadão faz a diferença”

Este ano o Greenfest no sul do país tem uma nova morada: o Campus da Universidade Nova de Carcavelos. E foi precisamente nesta nova “casa”, que Pedro Norton de Matos, mentor e organizador do evento, recebeu a Ambiente Magazine para uma Grande Entrevista. Economista de formação, procurou sempre o equilíbrio de estar em contacto com a Natureza, até porque a sua vida este sempre muito ligada à terra, à fauna e à flora. Definindo sustentabilidade como a necessidade de chegar a um compromisso intergeracional, Norton de Matos não hesita em sublinhar que é isso que o Greenfest procura fazer, com conteúdos diversificados para chegar às quatro gerações. O entusiasmo para a edição deste ano é “enorme”.

O que se espera do Greenfest deste ano?
Espera-se uma grande edição. É a 12.ª edição no Sul. O Greenfest realizou-se 11 anos no Centro de Congressos do Estoril e vamos inaugurar uma nova casa. Estamos com um enorme entusiasmo e expectativa. A Universidade, por definição, é uma sede de conhecimento, de partilha de informação, de aprendizagem; e o Greenfest também é muito isso. É um espaço aberto, inclusivo, de diálogo e partilha. Um local onde o rio e a terra encontram o mar e acaba por estar aqui também muito representada a temática da Água, que é o tema que escolhemos (O Planeta Água).

Todos os anos acompanhamos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aos quais também já ouvi chamar de “Objetivos De Sempre”. E são de sempre: acesso à água para todos, alimentação, escolaridade, saúde… O Greenfest acaba por ser o reflexo de como, enquanto civilização, estamos a lidar com estes desafios. Este ano elegemos a Água num sentido lato: falamos não só da água doce, como da água salgada, a água gelada dos polos, as alterações climáticas, as infraestruturas das cidades onde cada vez vivem mais pessoas e onde existe um desafio muito grande no sentido de terem infraestrutura capaz de fornecer água bacteriologicamente pura. E depois há outros desafios enormes, como as águas recicladas. Não faz sentido usar água potável, que é uma água cara por definição, para lavar automóveis ou jardins. As cidades do futuro têm que pensar muito bem neste tema da água, perceber como é possível trabalhar com outras águas, as chamadas águas cinzentas, e não a água potável tratada que será um bem cada vez mais escasso. É seguramente o petróleo do século XXI e dos séculos que aí vêm.

Que público-alvo o festival pretende atingir?
É muito eclético e heterogéneo porque a questão ambiental, social, económica e cultural acaba por ser transversal a toda a sociedade. Nos dois dias úteis o programa dirige-se mais para empresas e escolas; no fim-de-semana mais às famílias, às quatro gerações, do bisavô ao bisneto. E preocupamo-nos em ter conteúdos que sirvam todos estes diferentes públicos com linguagens diversas. Vamos muito além da linguagem convencional. Temos muitas tertúlias, workshops, ateliês, mesas redondas, etc. Mas também outros formatos mais informais; usamos a música, o teatro e outro tipo de artes performativas para passar a mensagem.

Qual o maior desafio com que se deparou o Festival ao longo destes anos?
Este ano o festival volta a ser gratuito e é um paradoxo porque algumas pessoas julgam que o gratuito não tem valor. Há conteúdos de tanta valia no gratuito que é um desafio, muitas vezes, porque parece que quanto mais caro, mais raro, mais apetecível. Outro desafio é procurar ter conteúdos que possam ir além da sensibilização. Queremos que se passe à ação. É curioso porque as quatro últimas letras de sensibilização são ação. Procuramos muito ter conteúdos que, de alguma forma, contagiem e inspirem a que se passe à ação e que a pessoa saia ou entre no Greenfest com a vontade de impactar na sua comunidade. Defendemos uma cidadania ativa em que cada cidadão faz a diferença. Cada um de nós é agente de mudança e potencialmente um agente de transformação.

Qual a maior alegria que o Festival lhe deu ao longo do seu percurso?
Este projeto tem um propósito de vida, de impacto na sociedade e, portanto, são muitos os motivos de alegria. Mas quando sabemos que, e há muitos exemplos desses, o Greenfest ajudou a que alguma “campainha” tocasse numa pessoa ou num conjunto de pessoas, numa empresa ou instituição, e depois se concretizasse em ação algo com efeito que perdure… Às vezes digo, na brincadeira, que somos uma agência matrimonial porque colocamos pessoas e projetos em contacto. E muitas vezes daí nascem novos projetos, mais robustos, sólidos e sustentáveis. Sabermos que há projetos que vingaram porque o Greenfest foi uma plataforma de lançamento e de aceleração, isso faz-nos ficar muito felizes.

Como vê o Greenfest daqui a uma década?
É curioso porque nós, de alguma forma, fazemos um balanço de mais de uma década na qual aconteceram muitas mudanças. Aliás, neste passado recente, se há tema que está na ordem do dia são os plásticos, as alterações climáticas e outros ligados à sustentabilidade. Mas há 10 anos havia quem desvalorizasse o tema da sustentabilidade, sobretudo a nível mais empresarial. Em 10 anos vimos um maior interesse e execução pelo tema. Digo isto como economista de formação que sou, quando estudei Gestão tudo se resumia ao profit & loss. O económico-financeiro que é, foi e será sempre muito importante, é interdependente do impacto que a atividade daquela empresa causa em termos sociais e ambientais. Nos próximos 10 anos vamos deixar de ver as empresas a apresentar um relatório de responsabilidade social ou ambiental porque passará a haver um só relatório financeiro, ambiental e de responsabilidade social. Isto desperta toda uma nova maneira de olhar para a economia e eu chamar-lhe-ia uma economia ecológica.

Como vê o envolvimento da sociedade civil com o meio ambiente?
Acho que progressivamente é maior e ainda bem. É que este Planeta é tão frágil. É muito bom ver a sociedade civil envolvida porque é uma causa comum, de sobrevivência e de consciência coletiva, e é bom até porque contraria as sazonalidades dos ciclos políticos. Vemos que alguns países têm neste momento, por exemplo, líderes que procuram negar as evidências das alterações climáticas e de outros desafios ambientais e é a sociedade civil o grande suporte para que, independentemente dos ciclos políticos, tenhamos cada vez mais uma sociedade civil envolvida. As novas tecnologias podem ser um preciosíssimo auxiliar porque não só democratizam muito o acesso à informação e ao conhecimento, como permitem uma divulgação, uma disseminação, e ferramentas colaborativas.

De que forma é que a sua vida se cruza com o Greenfest e com a sustentabilidade?
Sou filho de um engenheiro agrónomo e, desde tenra idade, tive o privilégio de um contacto com o campo. Acompanhei também o meu pai em projetos em Portugal e em África. Esses fatores marcaram-me e, desde que me conheço, sou muito fauna, flora, mãos na terra. No meu percurso profissional, muito ligado a novas tecnologias, a minha necessidade de equilíbrio é estar sempre perto e em contacto com a natureza. Isso vai acontecer cada vez mais na sociedade, a necessidade de nos reconectarmos com a essência, a natureza. A natureza é um laboratório vivo com quatro mil milhões de anos, é a melhor inspiração para a economia circular, para a economia do desperdício zero. Deve-se olhar e aprender com a natureza. Temos que ter, na minha opinião, uma visão menos antropocêntrica e pensarmos que somos parte integrante desse ecossistema, que devemos respeitar e valorizá-lo, até por uma questão de sobrevivência. Espécies com mais anos do que nós já desapareceram e nós não temos a garantia de cá continuarmos eternamente.

Estudei economia mas costumo dizer que estudei no século XX baseado em autores do século XIX. No século XXI sinto que muitos desses conceitos estão desadequados. Um dos exemplos é o da existência de apenas um “bottom line” empresarial, que simbolicamente, dizia que as árvores cresciam até ao céu. Um discurso que continua a fazer parte dos políticos, do crescimento perpétuo. Mas as árvores não crescem até ao céu. Cresce-se à custa de assimetrias sociais e de impactos ambientais. Este tem sido, um pouco, o modelo de crescimento do mundo ocidental, nas últimas décadas. Urge repensar o modelo de prosperidade.

O mundo ocidental é uma sociedade de consumo exacerbado. Desperdiçamos tudo aquilo em que tocamos. Desperdiçamos água: em Portugal 1/3 da água potável é desperdiçada nas cidades. Desperdiçamos comida: desde o grão, à semente, ao estádio final do alimento. Desperdiçamos energia. Aproveitamos pouco as energias renováveis. Desperdiçamos, por fim, a energia e o talento das pessoas, seja nas empresas, nas instituições, na sociedade, na cidadania. Somos uma sociedade de desperdício. Desperdiçar menos será sim uma forma de crescimento saudável.

O que é para si a sustentabilidade?
A definição que ficou aceite nas últimas décadas, questão que a primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, que já esteve no Greenfest, balizou, é que deve ser um compromisso intergeracional. Nós recebemos uma herança e deixamos um legado. A sustentabilidade assente em pilares ambiental, social, económico e cultural é isso mesmo, transversal a toda a sociedade. É esta noção holística, sistémica, que a sustentabilidade proclama e reclama.

Tentamos que isso aconteça no Greenfest, com conteúdos diversificados para as quatro gerações. É uma alegria ver jovens com condições para pensar fora da caixa. A minha geração de uma forma geral, digo-o com mágoa mas realismo, está semiperdida para a causa. Há exceções, mas eu cresci e não fui educado para a causa. Todas as profissões devem ser repensadas, em todos os setores de atividade. A maior parte do que hoje se está a aprender nas universidades, as hard skills, vão ficar obsoletas com a inteligência artificial, com os algoritmos. Temos que pensar mais nas soft skills. A boa notícia é que a esperança está nos mais novos, até por uma questão de sobrevivência, no sentido de que possam repensar e redesenhar o modelo de desenvolvimento das sociedades.

As gerações mais novas estão aptas a entenderem as questões que rodeiam o meio ambiente e o papel da sustentabilidade?
Há muito por fazer. Que ensino estamos a dar nas escolas? Se estamos a ensinar o status quo, que é o ensino dominante, estamos a perpetuar a situação. Agora temos boas notícias. Por exemplo, um dos parceiros do Greenfest, a ABAE (Associação Bandeira Azul Europeia), tem cinco programas que demonstram a transversalidade do processo de mudança. A ABAE tem um programa chamado Eco-Escolas que atua em 1600 escolas ao longo do país incidindo nestas preocupações. Temos parceria também com outras entidades que estão a intervir junto à sociedade civil.

Felizmente, e o Greenfest é um exemplo disso, estamos a assistir a um movimento que está a fazer muitas coisas nesse sentido. Um movimento imparável, porque os jovens perceberão que há temas que já estão na ordem do dia, como o plástico, mas haverá outros a surgir, como o do consumo exagerado da proteína animal.

Com o conhecimento, saber e tecnologia que temos disponível temos de saber fazer a economia circular.