Doenças infecciosas e alterações climáticas: Qual a ligação?

Mais de metade das centenas de doenças infecciosas – 58% – sofrem um agravamento devido às alterações climáticas extremas. A conclusão é de um recente estudo, publicado no portal Nature Climate Change, que alerta para a urgência de definição de estratégias para dar resposta a este problema. A Ambiente Magazine conversou com Eduardo Gomensoro, Diretor Médico de Vacinas de Portugal, Espanha e Israel na GSK, que nos explica a relação cada vez mais próxima entre “alterações climáticas” e “doenças infecciosas”.

Para se perceber em que consistem estas doenças, o melhor será dividi-las em dois grupos: as infecciosas que afetam diretamente os seres humanos, como por exemplo, malária, gripe e, mais recentemente, o coronavírus; e aquelas que afetam diretamente os animais, mas que têm uma grande probabilidade de afetar os seres humanos, como é o caso da gripe suína ou da gripe aviária. Neste último grupo, o especialista chama a atenção para uma particularidade agravante: “Quando um novo microrganismo passa a afetar o ser humano, em geral, não há proteção – imunidade – contra esses organismos e, assim, nascem os surtos epidémicos, tal com o Sars-Cov2”.

Mas, como se explica a relação das “alterações climáticas” com o aumento de doenças infecciosas? De acordo com Eduardo Gomensoro, a mudança climática pode alterar o clima em determinadas regiões: “O aquecimento de uma determinada região faz com que essa deixe de ter um padrão temperado para um mais próximo do tropical e, essa mudança pode originar na migração de espécies animais, seja mamíferos ou insetos”. Ou seja: “Espécies que ali não habitavam, passam agora a habitar, ou vice-versa”, refere o responsável, destacando que as “migrações” acarretam consequências para os seres humanos: “A população não estava acostumada à presença dessas espécies e não têm microrganismos (imunidade), resultando em infecções”. O estudo levanta precisamente esta questão, demonstrando, pela primeira vez, “evidências bastante robustas” sobre a relação entre as alterações climáticas e o aumento do número de doenças infecciosas. No caso da Europa, Eduardo Gomensoro refere que, na Península Ibérica, o padrão climático começa a favorecer a multiplicação de vários tipos de mosquito: “Esta mudança climática já se começa a verificar”. Já no caso dos eventos extremos, como secas ou inundações, o responsável refere que as infecções transmitidas por morcegos são também uma realidade: “Trata-se de um mamífero que procura e precisa de ambientes húmidos”, organizando essa migração constante. Mais uma vez o estudo, surge como um “alerta adicional” àquilo que tem sido feito no âmbito das alterações climáticas: “É preocupante que na quantidade de doenças infecciosas estudadas dois terços tendem a ser mais frequentes e presentes em regiões próximas”.

No que se refere a estratégias defendidas no estudo, Eduardo Gomensoro destaca a importância de se falar seriamente entre líderes e sociedade em geral, de forma a impedir a progressão do aquecimento global: “Esta é a primeira mensagem do estudo: tratar o assunto das alterações com a devida importância que merece”. A segunda tem que ver com o reforço de “mecanismos de vigilância”, no sentido de controlar a epidemia e, ao mesmo tempo, o “mecanismo de prevenção”, evitando a propagação da mesma. Dando o exemplo da Covid-19, o especialista defende que a mesma deveria despertar “consciencialização” e “educação”: “São dois conceitos fundamentais para que a sociedade se torne mais capaz de evitar essas ameaças”, até porque “a pandemia não foi a primeira e não vai ser a última” e, tendo em conta esta “ameaça” e, agora, a ligação com as “alterações climáticas”, o especialista é perentório: “Quanto mais se consciencializar e educar a sociedade, mais protegida estará”. Ainda assim, Eduardo Gomensoro não considera que haja alguma ligação entre a Covid-19 e as alterações climáticas: “Acredito mais na questão da migração dos morcegos e que já tem provocado grandes doenças infecciosas”, remata.