“É imperativo que haja mais informação sobre o território”

Um dos desafios que Portugal enfrenta no que aos incêndios diz respeito é, essencialmente, o desconhecimento do território, particularmente na dimensão da propriedade rústica, assegurando o seu registo e titularidade. Em Portugal, 91% da propriedade florestal é privada e desconhecem-se os titulares, a localização e os limites exatos da propriedade. Este desconhecimento cria entraves no âmbito da gestão do território e desenvolvimento de políticas públicas adequadas (nomeadamente no combate a incêndios rurais), mas é também um problema do ponto de vista dos proprietários.

Face a esta realidade, o Balcão Único do Prédio (BUPi) surge para “responder aos atrasos significativos na cobertura cadastral existente nas regiões Centro e Norte”, onde a “maioria dos municípios não dispõe de qualquer forma de cadastro”, afirma Carla Mendonça, coordenadora da Estrutura de Missão para a Expansão do Sistema de Informação Cadastral Simplificado (eBUPi), acrescentando que, o projeto “assegura, de forma gratuita, o registo da propriedade rústica em todo o território nacional, pois só com o registo da propriedade é possível assegurar e salvaguardar direitos de propriedade”. O BUPi é, assim, um “balcão físico e virtual agregador de informação do registo, dos impostos e do cadastro, através do qual o cidadão interage com a Administração Pública no âmbito predial”. Nesta primeira fase, o BUPi está vocacionado para os “prédios rústicos e mistos”, passando na fase seguinte a “integrar os prédios urbanos”, afirma. Nesta ótica, o Sistema de Informação Cadastral Simplificado (SICS), operacionalizado através do BUPi, veio criar condições para “agilizar a localiza­ção georreferenciada de prédios rústicos e mistos” nos municípios que não dispõem de cadastro predial – “153 municípios do território continental” – e o registo da titularidade da propriedade rústica – “308 municípios do território nacional”.

“Para podermos planear e gerir, criar valor económico, ambiental e social, é necessário que conhecer o território”, atenta a coordenadora, reforçando que o projeto procura “potenciar o conhecimento do território, viabilizando a integração do conhecimento setorial e facilitando o desenvolvimento e implementação de políticas publicas de valorização territorial”. Neste domínio, são de salientar as “políticas de transformação da paisagem, ordenamento e gestão do território, prevenção de riscos ou reestruturação fundiária”, mas também no âmbito da “incorporação do conhecimento relacionado com o potencial económico da propriedade, seus usos e utilizações, entre outras informações que importa disponibilizar e que possam caracterizar os prédios, acrescentando valor aos territórios e contribuindo para o desenvolvimento das comunidades locais”.

[blockquote style=”1″]“153 municípios de Portugal Continental que não dispõem de cadastro predial, 141 já integram o BUPi”[/blockquote]

Questionada sobre como é que o BUPi pode ajudar no combate aos incêndios, a responsável explica que o “generalizado desconhecimento da localização geográfica, da geometria e da titularidade dos prédios rústicos, com especial incidência nas zonas Norte e Centro do país, tem impacto direto na capacidade de intervenção pública”, designadamente ao nível da prevenção de riscos: “É neste sentido que o BUPi é um instrumento de base estrutural para a prevenção de incêndios rurais. Sem conhecer o território, os obstáculos para atuar a este nível são muito maiores, daí a urgência da identificação de propriedades, que deve mobilizar todos”. É, assim, imperativo que haja “mais informação” sobre o território: “Só assim conseguiremos pensar, de uma forma mais estruturada, em políticas públicas de gestão e ordenamento do território que respondam, efetivamente, aos desafios do país”, afinca.

Iniciado em 2017 na área de 10 municípios, o projeto serviu para testar a solução: “O modelo adotado no projeto piloto, a metodologia e os resultados obtidos num tão curto espaço de tempo, provaram a eficácia do projeto e a sua capacidade de conhecer mais território, em menos tempo e com menores custos, tendo em 2019 o sistema simplificado sido alargado a todo o território e promovendo-se igualmente a universalização do BUPi, enquanto plataforma nacional de registo e cadastro do território”. Desde o início da expansão, dos “153 municípios de Portugal Continental que não dispõem de cadastro predial, 141 já integram o BUPi, estando os restantes em processo de adesão”, adianta a coordenadora, acrescentando que, durante esse período, já foram “identificadas mais de 620 mil propriedades (60% em 2022), com o contributo de mais de 100 mil cidadãos (63% em 2022) e com o apoio de cerca de 800 técnicos que se encontram registados na plataforma BUPi”. Tendo em conta os objetivos ambiciosos do projeto Carla Mendonça não tem dúvidas que só serão possíveis de concretizar com a “ação ativa e empenhada de todos os interessados” e o “envolvimento institucional das entidades da administração pública com atribuições e competência em matéria de gestão do território, sendo este um “passo importante para alcançar uma gestão de território com mais conhecimento, onde o ponto de partida passa por identificar de quem é e onde se localiza a propriedade rústica”.

Até à data, o balanço que se pode fazer do projeto é bastante animador: “Mas, sabemos que ainda há muito caminho a fazer para concretizar este objetivo que convoca todos: cidadãos, entidades publicas da administração central e local, e todas as outras entidades externas à administração”.

São diversos os parceiros institucionais das diferentes áreas setoriais da Administração Pública responsáveis pelo projeto BUPi. Entre as entidades parceiras contam-se as autarquias locais e as entidades intermunicipais, a Direção-Geral do Território, o Instituto dos Registos e do Notariado, a Autoridade Tributária e Aduaneira, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, entre outras entidades parceiras, públicas e privadas. O projeto conta também com a participação de todos os cidadãos proprietários de terrenos rústicos e com o apoio essencial de cerca de 800 técnicos especializados que auxiliam os proprietários na identificação dos seus terrenos. Quanto à adesão dos municípios ao projeto, são já 141 os que disponibilizam balcões de atendimento ao cidadão para apoio às operações de identificação da propriedade.

[blockquote style=”1″]“O cadastro é um fator de desenvolvimento territorial”[/blockquote]

Lançada no início de junho, a aplicação móvel BUPi surge com o objetivo de facilitar e agilizar a identificação de propriedades: “A App BUPi permite aos técnicos, cidadãos e outros utilizadores realizar o levantamento das coordenadas geográficas das propriedades, com a ajuda de telemóveis ou tablets, tendo, para isso, que se deslocar ao terreno e marcar os respetivos vértices através da aplicação”. Após a identificação dos vértices, basta enviar, via e-mail, o ficheiro gerado pela aplicação para carregamento na plataforma BUPi: “É mais uma ferramenta pensada para o cidadão, para facilitar o levantamento das coordenadas dos seus terrenos, além das já existentes”. Posteriormente, o “processo de identificação pode ser feito nos balcões de atendimento das Câmaras Municipais dos municípios aderentes ou através da plataforma online”, explica. Até à data, a adesão à App tem sido bastante positiva por parte dos cidadãos: “É também uma ferramenta em constante evolução, já que procuramos adaptá-la às necessidades e questões colocadas pelos utilizadores”, afirma Carla Mendonça. A App BUPi está disponível para download gratuito na App Store para dispositivos Apple, e na Google Play Store, para dispositivos com sistema operativo Android.

Quando questionada sobre como reintroduzir riqueza na floresta portuguesa, Carla Mendonça reitera pela necessidade de se conhecer o território: “O cadastro é um fator de desenvolvimento territorial pela importância que a informação cadastral detém na definição e execução de instrumentos de planeamento e gestão do território e de prevenção de riscos, na política fiscal de base territorial, nas políticas de incentivos e de financiamento, e nos mais variados exercícios de cidadania”. Ao assegurar-se uma “base cadastral única e permanentemente atualizada”, contribui-se para o “desenvolvimento económico e social dos territórios”, algo que impacta não só os “proprietários”, mas todos os “cidadãos”, afirma.