É viável utilizar as águas residuais para detetar precocemente surtos de Covid-19, revela projeto

As águas residuais podem ser usadas para identificar precocemente novos surtos da Covid-19 e investigar a diversidade dos genomas do vírus SARS-CoV-2 que circulam numa comunidade. Este é um dos resultados do projeto-piloto “Covidetect”, que foi capaz de detetar duas mutações de variantes antes das autoridades de saúde. 

Lançado em abril de 2020, o projeto-piloto está a ser desenvolvido por um consórcio integrando várias empresas do Grupo AdP (Águas de Portugal), a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e o Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico. Os resultados primários foram dados a conhecer esta quarta-feira numa sessão pública que decorreu na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Alcântara, em Lisboa,

O projeto Covidetect foi aplicado a cinco ETAR em Lisboa, Cascais, Gaia e Guimarães e, adicionalmente, foi monitorizada a circulação do vírus nas redes de drenagem dos efluentes do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, do Hospital Eduardo Santos Silva, em Vila Nova de Gaia, e do Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães.

No total, foram analisadas “760 amostras de águas residuais”, entre 27 de abril e 2 de dezembro de 2020, “confirmando-se que os dados obtidos para SARS-CoV-2 a partir das águas residuais não tratadas seguiam, de forma bastante ajustada, os novos casos diários reportados para as regiões em que se encontram as ETAR testadas neste estudo”, lê-se num comunicado divulgado pela AdP. 

No decorrer desta primeira fase do projeto, foram ainda analisadas águas residuais tratadas, tendo-se detetado a presença de material genético de SARS-CoV-2, que se confirmou não ter capacidade infeciosa, ou seja, sem potencial para transmissibilidade ou impacto para o meio recetor em algumas amostras, refere a nota. Além disso, foi ainda possível detetar mutações das variantes da Califórnia e da Nigéria, em Lisboa, no fim de outubro e em Serzedelo, no início de novembro, respetivamente.

O término deste projeto está previsto para agosto, mas, em declarações à Agência Lusa, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, assegurou que a análise das águas das ETAR vai continuar e alargar-se. Apesar de nem todas as ETAR estarem preparadas para fazer essa deteção, Matos Fernandes considera ser “absolutamente essencial” estender o projeto piloto, para que a análise das águas passe a ser “uma regra comum”. 

Os responsáveis do Covidetect têm colaborado com a Comissão Europeia no âmbito desta iniciativa para tornar as águas residuais uma sentinela da presença do SARS-CoV-2 na população. “O projeto foi convidado pela Comissão para partilhar conhecimento e, inclusive, participar em alguns ensaios com outras cidades europeias”, disse Nuno Brôco, vice-presidente da AdP VALOR, empresa do grupo AdP e responsável do projeto. Foi através desta “partilha de conhecimento” que a Comissão acolheu ideias para a sua recomendação 2021/472: “Apraz-nos verificar que a CE na sua recomendação quase que decalca os vários passos que foram dados no Covidetect”, declarou. Com os primeiros resultados deste projeto, o responsável acredita que Portugal tem hoje conhecimento que “nos permite estar bem posicionados para a implementação” daquela orientação. 

Ainda assim, Nuno Brôco reconhece que o caminho é complexo, nomeadamente, na parte genómica: “Demos boa nota disso à Comissão, quando definiu  uma determinada periculosidade para identificação de variantes e explicamos qual foi a nossa experiência”.

Quanto aos próximos passos, o responsável adiantou que se centram na disseminação dos resultados e dos modelos desenvolvidos para aplicação mais abrangente noutros sistemas e na criação de um sistema de alerta em tempo real para notificação das autoridades de saúde e ambiente sobre a reemergência do vírus.