Economia Circular: estratégia portuguesa passa pela “valorização do território”

A economia circular foi o tema de um “Diálogo com os Cidadãos”, integrado no programa “Trata-se do Futuro da Europa. Vamos Falar”, promovido pela Representação Portuguesa da Comissão Europeia. A iniciativa aconteceu no Tivoli Avenida, em Lisboa, esta quinta-feira, com a presença de Jyrki Katainen vice-presidente da Comissão Europeia. João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Transição Energética, e Fernando Medina, presidente da Câmara Muncipal de Lisboa.

Questionado por Carla Tomás, jornalista do Expresso e moderadora da iniciativa, sobre se é possível “passar de uma economia linear para uma economia mais sustentável em que possamos reutilizar, partilhar e produzir o mínimo possível de resíduos e o mínimo possível de desperdício”, Jyrki Katainen indica que, “ao nível da Comissão Europeia”, tudo tem estado a ser feito, sendo que “dois pacotes de Economia circular foram aprovados”. O vice-presidente da Comissão Europeia constata que, “na Europa, estamos a evoluir neste caminho” e que os pacotes “estimulam a transição para uma economia circular. Esta é a política principal da União Europeia (UE)”, afirma o dirigente. Além disso, quando comparado com os parceiros económicos, o “velho Continente” está à frente. “Os chineses estão a notar preocupação (relativamente a esta matéria) e os norte-americanos ainda estão muito longe”. Jyrki Katainen considera mesmo que esta mudança na economia vai provocar “mudanças no trabalho” e na produção. “Atualmente, a Europa perde cerca de 600 milhões de toneladas de resíduos que poderiam ser reciclados ou reutilizados”, afirma o vice-presidente, chamando a atenção para a necessidade de “trabalhar num padrão de qualidade. Este é um novo mercado para a reciclagem e que, no resto do mundo, vão segui-lo”.

O responsável acredita que “a maioria das pessoas está disposta a pagar por um produto eficiente” e que o objetivo é que, em 2020, seja possível “poupar muita energia devido ao regulamento” associado a uma política de ecodesign, possibilitando a limitação do consumo de energia. Nesta linha, Jirki Katainen prevê que, em 2025, “10 milhões de toneladas de plástico será reutilizado e reciclado. A indústria do plástico está neste caminho e percebem que os consumidores querem reduzir nos plásticos”, até porque “vai haver mais plásticos do que peixes nos oceanos em 2050”. Para evitar este cenário (na política dos microplásticos) foram aprovadas duas legislações em matéria de “plásticos descartáveis e a criação de instalações nos portos para os pescadores”.

“Estamos a assistir a um Novo Renascimento”

Olhando para Portugal, Jirki Katainen acredita que o país “vai acompanhar a gestão dos resíduos e vai ser exequível”.

Carla Tomás, jornalista do Expresso; Jyrki Katainen, vice-presidente da Comissão Europeia; João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Transição Energética e Fernando Medina, presidente da câmara de Lisboa

Os anúncios de João Pedro Matos Fernandes solidificam esta ideia. “Do ponto de vista das infraestruturas ambientais, nos últimos 20 anos Portugal está muito orgulhoso do que tem feito”, indica o governante. No entanto, o trabalho ainda não está concluído. O ministro traçou o caminho da “criação de emprego, de riqueza e bem-estar”, sendo que este tem de ser “natural” com o foco “nas matérias ambientais”. Esta estratégia passa pela descarbonização. O ministro do Ambiente sublinhou que “Portugal foi o primeiro país a assumir o objetivo da redução das emissões de gases com efeitos de estufa” para que os mesmos sejam nulos em 2050. José Pedro Matos Fernandes dá como ponto inicial para “uma estratégia completa para sermos neutros em carbono” um inquérito onde “80% dos portugueses estão preocupados com as alterações climáticas”.  Esta mudança só acontece através da “valorização do território” e “tornar a economia mais circular. Um problema que não tem solução é a escassez das matérias primas”, sustenta. O plano idealizado pelo governo passa por um “plano de ação focado em setores concretos e com ações próximas dos cidadãos e iniciativas nas Juntas de Freguesia. É um plano de ação que reconhece as diferenças que existem entre os territórios e com cinco agendas regionais”. Não há metas quantificadas para este plano. “Aquilo que nós elencamos foi um vasto conjunto de ações em que, no fim, vamos ser capazes de avaliar e desenhar uma estratégia além de 2020”. “Estamos a assistir a um Novo Renascimento”, afirma o ministro.

Já Fernando Medina é muito cauteloso em relação ao futuro. O autarca lisboeta diz que “as matérias ambientais e a sustentabilidade da economia circular são conceitos centrais nas políticas das cidades”. Mas, olhando a “longo prazo”, quem gere “as cidades, territórios e comunidades tem de perceber bem como lidar com matérias de economia e de como a comunidade vai produzir e como vai viver”, avisa. O presidente da Câmara de Lisboa chama a atenção para o facto de que “é nas cidades que hoje vive metade da população mundial” e o cenário a longo prazo não é melhor: “Estima-se que, até 2050, cerca de 70% da população viva nas cidades”, algo que  vai requerer cada vez mais desafios. “Muitas das soluções vão depender das escolhas que se fizerem a nível das políticas das cidades”, algo que o autarca prevê ser “tudo menos pacífico”. Afinal, “a batalha ainda não está ganha do ponto das consciências alargadas dos cidadãos e dos atos de vida das pessoas. Tem um caminho político a fazer para apresentar a política”, explica Fernando Medina, acrescentando que serão as “novas gerações” que terão “a chave da política bem-sucedida em matérias de sustentabilidade” pois estas “vivem a cidade de uma forma diferente”.

Responsabilidade no consumidor ou no produtor?

Fernando Medina é perentório ao afirmar que há uma “situação insustentável” em Lisboa com entrada diária na cidade de 370 mil carros. O autarca defende que tem de existir “uma grande determinação política” e “encontrar a melhor forma de chegar às pessoas. É na forma como falámos que podemos ver os resultados” pois “há uma grande resistência às mudanças”.

O autarca chama a atenção para a área da energia que considera como sendo “crítica”, dando como exemplo os modos de consumo de energia. “Quando mudamos do transporte individual para o transporte coletivo em meios solares ou para meios de natureza elétrica” ou quando existe “produção de energia fotovoltaica com a instalação de centrais na cidade como fonte de captação para alimentar o sistema de transportes, conseguimos uma enorme poupança”, sublinha o presidente da câmara.

Fernando Medina diz que esta transição traz enormes vantagens, sendo essencial “escolher as políticas certas”. Caberá sempre ao consumidor ver as vantagens. Se “as pessoas deixarem de usar o carro pessoal” a favor dos transportes públicos, haverá “menos disputa nos parques e menos poluição. Todas estas estratégias são essenciais”, sustenta o autarca, que não consegue quantificar exatamente o que já se conseguiu reduzir “a nível de emissões devido ao número elevado de pessoas que escolhe os serviços partilhados”. O presidente da autarquia lisboeta não tem dúvidas em ir contra os “conservadores que se opõem a estas estratégias por causa das empresas e de que o mudar pode ser prejudicial. Temos de ser inteligentes”. O autarca reforça que a estratégia ambiental “não vai destruir as empresas” nem “o emprego vai diminuir. Não há conflito entre a estratégia ambiental e o crescimento da economia”, sustenta.

Já Matos Fernandes considera que a responsabilidade passa pelo produtor. Embora “tenhamos que ser mais exigentes, uma vez que somos responsáveis pelas embalagens que passam pelas nossas casas”, o ministro do Ambiente assume que os produtores devem ser “os primeiros a dar o salto grande pois são eles quem nos servem.” O responsável afirma ainda que, na economia circular, “devemos ser menos consumidores e mais utilizadores. Muitas vezes não nos confrontamos com alternativas altamente sustentáveis”, sustenta. “Mais importante do que a Lei é a vontade do produtor em servir os seus clientes”. Mas também pela consciencialização. “O comportamento é o mais importante. Os consumidores são a parte mais forte na consciencialização”, afirma.

“Temos de atuar já”, sublinha o ministro do Ambiente, exemplificando como bom exemplo a implementação de uma “transição justa para diminuição das emissões” através da “redução nas tarifas dos transportes públicos. Reduzimos as emissões e metemos dinheiro nos bolso das pessoas”.

A visão de Jyrki Katainen é positiva. “As pessoas estão interessadas no modo de vida mais sustentável. Algo de positivo e promissor está no ar”, considera o vice-presidente da Comissão Europeia. “O Clima e a Economia Circular são as grandes oportunidades para seguirmos numa Europa mais sustentável”. A Economia Circular assume-se, segundo o responsável, como “uma ferramenta para que a economia cresça na Europa de forma mais sustentável, dando mais força aos consumidores”, sem nunca esquecer o “apoio dos grandes aliados que são as cidades”.