Economia do Mar: As oportunidades azuis que Portugal não pode deixar escapar

Em Portugal, a economia do mar assume-se de extrema relevância: corresponde a cerca de 5% do PIB, 5% das exportações e 4% do emprego nacionais. Estes valores estão entre os mais elevados nos Estados-membros da União Europeia (UE). A isto, soma-se o facto de ser verdadeiramente resiliente em tempos de crise: em 2008, os setores da economia do mar mantiveram-se robustos na geração de receita ena retenção de emprego. Contudo, importa equacionar as ameaças: desde as alterações climáticas e os seus efeitos até à atual crise pandémica, que desafios enfrenta a economia do mar?

Apesar da economia do mar ter crescido na última década, não houve um desenvolvimento tão forte em setores de inovação e produção. É a posição de Ricardo Serrão Santos, ministro do Mar, destacando que o crescimento se deveu ao “crescimento das atividades favorecidas pela proximidade do mar”, beneficiando do “dinamismo observado na atividade turística” a nível nacional. No entanto, “várias comunidades costeiras dependentes do mar estão social e culturalmente alicerçadas na pesca”, uma atividade que, nos últimos anos, “evoluiu pouco e carece de valorização”, refere. Recentemente, muitas comunidades costeiras usufruíram do crescimento do turismo para se desenvolverem: “Mas, como a pandemia de Covid-19 veio demonstrar, a economia baseada nesta atividade, até 2019 crescente e até pujante, é volúvel e de baixa resiliência”. E por isso a “diversificação de modelos e atividades económicas”, a “formação profissional” e a “facilitação da mobilidade entre profissões ligadas ao mar” afiguram-se como “instrumentos cruciais para a resiliência destas comunidades e para o desejável crescimento económico, sustentável e inclusivo”, defende.

Relativamente aos incentivos que o Governo dispõe para promover os “investimentos azuis”, Ricardo Serrão destaca que, para além dos apoios à economia dos fundos da União Europeia, neste próximo quadro comunitário de financiamento, existe o Programa Crescimento Azul das EEA Grants 2014-2021 (mecanismo financeiro do Espaço Económico Europeu), um programa que “visa aumentar a criação de valor e o crescimento sustentável na economia azul portuguesa, através da concretização de projetos sustentáveis e inovadores” em diversas áreas. “Neste momento, temos já 64 projetos aprovados, correspondendo a um financiamento público aprovado na ordem dos 18 milhões de euros, e contamos ter ainda mais”. Outro instrumento é o Fundo Azul, que é um mecanismo de financiamento autónomo do Estado. Atualmente, e gere “51 projetos com um apoio financeiro de 9,3 milhões de euros”, resultante de “216 candidaturas submetidas para um montante total de 34,35 milhões de euros”. Por último, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a chamada “bazuca europeia”, terá “252 milhões de euros” dedicados especificamente ao mar.

Para se investir sem prejudicar o meio marinho, é fundamental “proteger e gerir bem” o oceano, “utilizar os seus recursos de forma sustentável” e “reduzir as pressões ambientais”. O novo paradigma da economia circular, segundo Ricardo Serrão Santos, surge como algo necessário neste contexto, constituindo-se como uma “obrigação moral no contexto mundial em que vivemos” e uma “oportunidade para Portugal liderar pelo exemplo e desenvolver novas tecnologias” que podem vir a ser exportadas.

Apesar do otimismo e acreditar que serão encontradas soluções para a maioria dos desafios, Ricardo Serrão Santos admite que, por exemplo, daqui a 10 anos, “estaremos pior do que hoje do ponto de vista ambiental”, mesmo que todas as medidas de proteção previstas sejam cumpridas: “A natureza dos fenómenos do oceano e da atmosfera é tal que os efeitos das medidas que tomarmos agora vão demorar várias décadas a sentir-se”.

[blockquote style=”2″]A Economia do Mar portuguesa merecia um evento equivalente à Web Summit[/blockquote]

Considerando que Portugal é 97% mar, para as empresas portuguesas trata-se de um recurso com um potencial particularmente relevante: “A Economia do Mar é o terceiro setor mais relevante da economia nacional, mas o seu potencial de crescimento é enorme”, diz João Meneses, secretário-geral do Business Council for Sustainable Development Portugal (BCSD), contatando que a inovação e a sustentabilidade são características decisivas para a competitividade internacional das empresas. A Economia Azul tem vários setores com bastante potencialidade para as empresas portuguesas. No entanto, os “desafios da sustentabilidade e da capacidade de inovar e agregar conhecimento à oferta” serão críticos para o seu sucesso. No que toca à sustentabilidade, “as empresas não podem ignorar o facto de se tratar de uma exigência crescente” das novas gerações de investidores, clientes e reguladores e o “maior vetor de transformação das economias e da sociedade do século XXI”, a par da transformação digital: “Ignorar que o mar é decisivo para que se alcancem vários dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas seria um erro, com consequências trágicas”, precisa.

João Meneses

Relativamente à situação de Portugal, João Meneses reconhece que o país está a fazer um grande esforço ao nível da Economia Azul, destacando a existência de “alguns segmentos já bastante inovadores” e com um “elevado grau de incorporação de conhecimento e tecnologia”. Ainda assim, para a “escala das oportunidades que temos diante de nós”, o que as empresas portuguesas estão a fazer ainda não é suficiente: “A Economia do Mar portuguesa merecia um evento equivalente à Web Summit, algo que juntasse as diversas indústrias, sobretudo as mais inovadoras”. Há áreas em que Portugal poderia ambicionar ser um “caso de estudo mundial” ao nível da Economia do Mar. Para que tal aconteça, as empresas portuguesas precisam de ser capazes de “coopetir”, ou seja, para além de “competirem”, “colaborarem entre si”. Por outro lado, “o Estado precisa de criar as condições para que haja centros de inovação e conhecimento de excelência”, bem como “condições para que haja investimento direto estrangeiro neste setor”.

[blockquote style=”2″]Sem azul não há verde[/blockquote]

Álvaro Sardinha

Quando se fala de economia do mar é fundamental “pensar global”: “Sabemos que o oceano vai ser uma força económica este século, perspetivando-se a duplicação do valor da atividade económica no mar até 2030”, diz Álvaro Sardinha, fundador da Economia Azul – a economia do mar sustentável. No caso de Portugal, o potencial de crescimento da economia do mar é ainda maior, mas “apenas será convertido em valor se a economia do mar for apoiada por uma política pública corajosa, suportada por uma estratégia realista e um plano de ação pragmático com foco nas pessoas e no talento”. Se se olhar apenas à “vertente económica”, a economia do mar traduzir-se-á numa ameaça: “Sem um oceano saudável, não vamos conseguir resolver o problema da sustentabilidade do planeta – sem azul não há verde”. A economia azul resulta assim do “equilíbrio” entre a “atividade económica” e a “capacidade de longo prazo dos ecossistemas oceânicos para suportar essa atividade”, permanecendo resilientes e saudáveis: “A economia azul tem a ver com conhecer, viver do oceano, viver com o oceano, proteger o oceano”, sustenta.

Hermano Rodrigues

Para Hermano Rodrigues, Principal da EY-Parthenon, as perspetivas de crescimento da Economia do Mar são muito fortes, devido à “maior necessidade de recursos para responder ao aumento da população e dos padrões de vida no mundo” e aos “avanços na capacidade tecnológica, económica e logística para a sua exploração”. Acresce o facto de o Mar estabelecer a “ponte” entre uma “alargada gama de fileiras e clusters de atividade”, havendo a “expectativa de que a Economia do Mar assuma um papel de liderança na transição para um crescimento económico mundial mais sustentável, circular e equilibrado”. E Portugal conta com “recursos e valências” que colocam o país numa “boa posição” para capitalizar estas oportunidades. Em contrapartida, Portugal enfrenta “pontos menos positivos”, como a “falta de Recursos Humanos especializados, de tecnologia de ponta em setores mais tradicionais e níveis insuficientes de investimento”.

Subscrevendo a estratégia nacional, o responsável declara que os investimentos deverão focar-se no “reforço da identidade marítima nacional”, na “atração de investimento” e na “aposta na capacidade científica e tecnológica”.

[blockquote style=”2″]Não basta apenas crescer economicamente a partir do mar[/blockquote]

Equipa do Fórum Oceano

Ao apostar na dinamização da economia do mar sustentável, Portugal pode desempenhar um “papel relevante” no reforço da autonomia estratégica da Europa através da segurança energética, segurança alimentar e relocalização das cadeias de valor industriais na rede portuária, aprofundando o “aproveitamento das oportunidades” no turismo azul e na náutica de recreio. Quem o diz é Ruben Eiras, membro da equipa do Fórum Oceano, destacando que, na energia, “a eólica offshore flutuante” apresenta um “potencial enorme” para se afirmar como uma “fonte de produção de grande escala de hidrogénio verde”, sobretudo no norte de Portugal Continental. Olhando para o setor alimentar, o responsável refere que esta década será marcada por um “aumento da proteína de base oceânica em detrimento da terrestre”, devido à sua menor intensidade carbónica: “O advento da aquacultura offshore sustentável (centrada no bem-estar animal, em alimentação de fontes sustentáveis e em sistemas multitróficos) permitirá concretizar o aumento potencial de produção de norte a sul de Portugal Continental, a par das regiões autónomas dos Açores e Madeira”. Mas “a produção offshore no nosso mar, para ser sustentável, precisa de uma nova tecnologia de jaulas que seja extremamente resiliente estruturalmente” e que assegure a “rentabilidade da operação”, atenta, acreditando que, no curto prazo, assistir-se-á a um crescimento da “aquacultura de recirculação”, visto que existem muitos fundos de investimento internacionais focados neste segmento de negócio. No setor portuário, Ruben Eiras considera que as recentes mudanças societárias e geopolíticas abrem oportunidades para que indústrias se relocalizem nas nossas zonas portuárias.

[blockquote style=”2″]Portugal é a escolha natural para fazer crescer o setor da bioeconomia azul[/blockquote]

Quando se questiona acerca das potencialidades da economia do mar para Portugal, Ana Brazão, gestora de projeto da Fundação Oceano Azul, aponta a “abundância de matéria-prima e recursos humanos qualificados” como vantagens competitivas em relação aos parceiros europeus. Portugal tem “condições particularmente favoráveis ao desenvolvimento de uma indústria de biorecursos marinhos de elevado valor acrescentado” que, através do “recurso intensivo à investigação científica e à biotecnologia azul lhe permita desenvolver a bioeconomia azul” que seja “descarbonizadora”, acrescenta.

Ana Brazão

Para Ana Brazão, as oportunidades dos biorecursos marinhos são tão vastas quanto o Oceano. E o programa de empreendedorismo “Blue Bio Value”, lançada em 2018 pela Fundação Oceano Azul com a Fundação Calouste Gulbenkian, tem permitido compreender melhor o potencial do setor: “Sabemos o potencial que o mar encerra ao percebermos que diversas soluções foram já desenvolvidas a partir de organismos marinhos”. Na visão da gestora, Portugal oferece vantagens de “cariz cultural e de qualidade e segurança de vida frequentemente subestimados”, mas sobretudo o “conjunto certo de assets na área da bioeconomia azul”. Também por isso, “cá dentro” verifica-se um crescimento nesta área, com um “aumento anual do número de candidaturas de startups nacionais”. Além disso, nenhum outro país na Europa tem, como Portugal, “tantas espécies e ambientes marinhos diferentes onde existem um sem número de aplicações biotecnológicas por descobrir e explorar”. No entanto, o país não dispõe ainda de todas as condições adequadas a assegurar o estabelecimento da maior parte das startups aceleradas: “É necessário assegurar o capital, a regulação clara, a política fiscal incentivadora e a infraestrutura empresarial para concretizar todo o seu potencial e transformar estas vantagens em valor”, remata.

*Este artigo foi publicado na edição 88 da Ambiente Magazine.