Economia do Mar: O que é ser pescador em Portugal?

O poeta Thomaz Ribeiro considerou Portugal como sendo o “jardim da Europa à beira-mar plantado”, mas o país regista há muito tempo sentimentos contraditórios para com o oceano. Com a maior Zona Económica Exclusiva da Europa, o país é acusado de viver de costas voltadas para o mar, apesar o setor da pesca gerar empregos em setores transversais a toda a sociedade. O aumento da população exige que o setor se reinvente e se torne mais sustentável. Não foi por acaso que, no decorrer da 2.ª Conferência dos Oceanos, foi assinado um acordo especial entre a FAO e os países de língua portuguesa, para evitar a pesca ilegal nas suas zonas marítimas. Mas qual o estado real do setor das pescas em Portugal? Que dificuldades sentem os pescadores numa atividade cujo lucro e produção, por vezes, não é certo? O setor está preparado para ser mais sustentável? E qual a verdadeira importância da pesca para o país? A Ambiente Magazine foi ao encontro de duas associações de pescadores do Norte do País para obter uma visão de quem sente o mar todo os dias.

Miguel Marques

Só o facto de se tratar de uma atividade destinada a “satisfazer necessidades alimentares da população” faz da pesca uma atividade importante por natureza. Quem o diz é Miguel Marques, presidente da Direção da Associação de Armadores de Pesca do Norte, lembrando que, em 31 de dezembro de 2021, estavam licenciadas em Portugal 3894 embarcações de pesca e estavam inscritos 14917 pescadores: “Em 2021 foram capturadas 185 417 toneladas de pescado, com o valor de 335 milhões e 44 mil euros”. Acresce que, “a montante e a jusante”, há uma “panóplia de atividades económicas que dependem em exclusivo da pesca” e o setor tem especial relevância social e cultural: “Há, ao longo da costa portuguesa, inúmeras comunidades onde a pesca, além de ser motor da economia local, faz parte da identidade”.

Quem reitera tal importância é João Leite, tesoureiro da Associação Pro-Maior Segurança dos Homens do Mar (APMSHM), que além de destacar o potencial de geração de riqueza e emprego, lembra a “riqueza da costa portuguesa em alimento”, bem como a “temperatura amena”, sendo fatores que” garantem a boa qualidade do nosso pescado”. Soma-se o exemplo recente da pandemia causada pela Covid-19, tratando-se de mais uma prova clara da importância desta atividade: “Foi um setor que não parou e houve sempre a consciência por parte dos pescadores que tinha de ser garantida a alimentação aos portugueses, numa altura em que importações estavam bastante condicionadas”.

Reconhecendo o impacto da atividade no meio-ambiente, João Leite não tem dúvidas de que o setor sempre foi um “aliado” para a sustentabilidade dos oceanos: “Diariamente, as embarcações de pesca retiram toneladas de lixo do mar acumulado ao longo dos anos na costa”. E esta preocupação, por parte dos pescadores, é ainda mais visível com aquela que tem sido a atuação da APMSHM que, regularmente, se junta a vários projetos de “recolha lixo marinho”, nomeadamente em parceria com a Docapesca, no projeto “A Pesca Por um Mar sem Lixo”, e com o CIIMAR, através do projeto “NETAG”. Em ambos, a colaboração dos pescadores foi essencial, tendo sido possível “recolher toneladas de resíduos dos portos de pesca”, refere João Leite, acrescentando que o foco assentou em “garantir que nas suas redes recolhem peixe e não lixo”. Ainda em matérias de sustentabilidade, o responsável considera que tornar a pesca mais sustentável implica políticas adequadas às realidades do país e até mesmo à realidade de cada região: “No Norte do país, a realidade será uma e mais a sul já será outra”. Desde a adesão de Portugal à União Europeia, o setor das pescas tem sido regulamentado pela Comunidade Europeia, implementando-se medidas que, “muitas vezes, não correspondem à realidade do nosso país”, afirma João Leite, reiterando que a “adoção de medidas ou políticas adequadas deve ser analisada localmente e não em larga escala para não se tornarem desajustadas”.

Em matérias ambientais, Miguel Marques é perentório: “A atividade da pesca apenas terá futuro se for uma atividade sustentável e a sustentabilidade da pesca depende da sustentabilidade dos oceanos”. E, nesta equação, não restam dúvidas: “Os pescadores são os maiores interessados na sustentabilidade dos oceanos, uma vez que dela depende o seu futuro”. Portanto, a prática de uma pesca responsável é, no entender daquele dirigente da Associação de Armadores de Pesca do Norte, o “melhor contributo” que os pescadores podem dar para a causa da sustentabilidade dos oceanos. Ainda assim, o responsável não deixa de sublinhar que a sustentabilidade da pesca depende de todos, “a começar nos decisores políticos, passando pelos cientistas e pelos pescadores e terminando no cidadão comum”. E, apesar dos pescadores serem, muitas vezes, “acusados de serem os responsáveis por tudo o que de mau acontece nos oceanos”, Miguel Marques lembra que as “alterações climáticas e a poluição, para as quais todos contribuímos”, são dois dos principais responsáveis pela degradação dos oceanos.

[blockquote style=”2″]“Os jovens não querem vir para o mar”[/blockquote]

Mas não é só a sustentabilidade que é um desafio para este setor: apesar de Portugal ter um “mar territorial extenso”, o presidente da Associação de Armadores de Pesca do Norte refere que o país tem uma “plataforma muito reduzida”, o que faz com que “não sejam muito abundantes os recursos marinhos disponíveis para pescar”. A isto soma-se a “frota envelhecida”, a “falta de mão-de-obra”, a “regulamentação comunitária excessiva e inadequada à realidade do setor” ou os “preços altos dos combustíveis” que se revelam como grandes desafios.

Concordando com a inércia da “mão-de-obra” na atividade piscatória, João Leite lamenta a “falta de incentivos à profissão”, obrigando, muitas vezes, ao recrutamento de mão de obra estrangeira: “Os jovens não querem vir para o mar”. Por isso, é tão importante “incentivar os mais jovens a seguirem a profissão”, desmistificando o “perigo associado à vida no mar, pois, felizmente, já existem equipamentos que tornam as embarcações mais seguras”, defende. Tal como noutras atividades, os efeitos da guerra na Ucrânia estão a ter impactos nefastos para o setor das pescas: “Temos aumentos quase semanais nos preços dos combustíveis, tornando difícil fazer face a essa despesa, já que o preço do pescado não aumentou, embora o consumidor final o compre mais caro”.

À pergunta sobre o que é ser pescador, João Leite considera que é um “misto de orgulho associado à tristeza do pouco reconhecimento da importância da atividade.” A profissão “pescador” é um desafio constante: “Saímos de terra sem saber a quantidade de pescado que resultará da faia, podendo correr mal e não haver pesca, como pode correr bem e o barco regressar com bastante pescado”. Contudo, “esta incerteza não deixa de ser estimulante para o pescador”, afirma. E fazendo uma previsão sobre o setor, o responsável acredita que a pesca será uma “área de futuro”, desde que sejam “pensadas políticas a longo prazo e não políticas a curto prazo que funcionam apenas como remendos”.

Miguel Marques considera que ser “pescador” em Portugal é, acima de tudo, “um ato de coragem e um ato de paixão”. O facto de, atualmente, ser uma atividade “tão pouco atrativa” leva o responsável a acreditar que “só quem adora o mar e a profissão e tem coragem para enfrentar os desafios que ela oferece persiste em continuar”. Quanto ao futuro, o presidente da Associação de Armadores de Pesca do Norte acredita que “serão 10 anos difíceis e, sobretudo, de transição”. Por isso, “o pescador tem de ser visto como alguém que vive da captura dum recurso natural, mas não como um inimigo desse recurso”, remata.

 

Este artigo foi incluído na edição 94  da Ambiente Magazine