#EconomiaCircular: MyCloma quer “mudar o preconceito” que ainda existe em relação à compra de roupa em segunda mão

A Economia Circular está, hoje, subjacente em muitas empresas. Produtos sustentáveis, amigos do ambiente e com um ciclo de vida longo são, cada vez mais, uma opção. Há também quem ponha em prática estes conceitos e desenvolva os seus próprios produtos. Com o objetivo de dar “voz” a projetos de cariz sustentável, a Ambiente Magazine irá, todas as semanas, apresentar algumas iniciativas aos nossos leitores e dar a conhecer o que se faz em Portugal nesta área. Esta semana, partilhamos o projeto “MyCloma”.

“No ano passado comecei a vender roupa que já não me servia ou que já não me identificava pelas redes sociais”, começa por explicar Ana Catarina Monteiro, uma das fundadoras da MyCloma, dando nota que “à medida que o perfil ia crescendo, muita gente entrava em contacto comigo a propor que eu comprasse o que já não utilizavam para eu voltar a vender”.

A MyCloma é assim uma plataforma de compra e venda de roupa em segunda mão que pretende dar resposta a uma falha que havia no mercado português e ajudar a consciencializar cada vez mais as pessoas para um consumo consciente e sustentável, optando por comprar em segunda mão.

Este projeto surge assim de uma necessidade: “Reparei que grande parte das pessoas tinha interesse em dar uma nova vida às suas peças de roupa ou tentar rentabilizá-las e não havia uma plataforma portuguesa que permitisse colocar a roupa à venda de forma simples, rápida e despreocupada”. Aliado à falta de resposta do mercado para este problema, há também uma “grande preocupação social e ambiental” que caracteriza a MyCloma: “Cada vez as pessoas consomem mais e utilizam menos, estes hábitos de consumo muito presentes na sociedade atual, acabam por contribuir muito para o aumento do desperdício têxtil, que neste momento ronda as 200 mil toneladas em Portugal anualmente”, refere.

Com a MyCloma pretende-se “mudar o preconceito” que ainda existe em relação à “compra de roupa em segunda mão”, normalizando este consumo e associá-lo a uma “compra inteligente”, em que por um “valor inferior” é possível adquirir uma “peça em excelentes condições” que durará tanto como uma nova. Além disso, “pretendemos consciencializar e alertar para o impacto brutal da indústria têxtil, a segunda mais poluidora do mundo”, e, também, “mostrar que a nossa missão de tornar um planeta mais sustentável é consubstanciada em pequenos gestos do dia-a-dia”, declara.

Ana Catarina Monteiro lembra que o consumo de roupa “duplicou nas últimas duas décadas” e, consequentemente, “aumentou não só o consumo de água para a produção das peças” mas também as “emissões de dióxido de carbono, a poluição dos solos, a libertação de micropásticos” e, no fim da cadeia, o “desperdício têxtil”, sendo que toda esta cadeia de produção tem um “efeito demasiado nefasto” para, cada vez mais, o “curto ciclo de vida de uma peça de roupa”. Neste sentido, a equipa desta plataforma desejam “prolongar o ciclo de vida útil da peça”, permitindo que seja “reutilizada”, evitando assim, no limite, o “crescimento descontrolado da produção”. Por exemplo, “para a produção de uma t-shirt são necessários 2700 litros de água que é o equivalente ao consumo de água de uma pessoa durante dois anos e meio”, ou seja, “se em vez de uma t-shirt nova, comprar-se uma em segunda mão, não estou a consumir estes recursos, estou a reutilizar recursos que já foram gastos e evitar que essa peça em bom estado vá para o lixo”, precisa. É através destes exemplos que uma compra em segunda mão só traz vantagens: “ É mais económico e tem muito menos impacto no ambiente”, sustenta.

Até à data o balanço não podia ser mais positivo: “A procura de clientes para vender tem sido fantástica e está a superar claramente a nossa capacidade operacional. Temos neste momento quase mil pessoas a aguardar para nos enviar roupa e estamos a trabalhar numa solução tecnológica que nos permitirá potenciar a nossa eficiência em cerca de 90%”. Quanto à compra, é notável o crescimento registado mês após mês: “Entre julho de 2020 e janeiro de 2021 crescemos 1900%. Sentimos que as pessoas têm curiosidade e que o mindset está a mudar”, afirma.

No que ao futuro diz respeito, Ana Catarina Monteiro diz as perspetivas são já algumas: “Começamos recentemente a vender para Espanha e queremos crescer cada vez mais nesse mercado e acelerar o ritmo das vendas”, sendo que o objetivo passa também por começar a vender para o resto da Europa. Paralelamente, “estamos a desenvolver uma solução tecnológica que nos permitirá escalar o negócio rapidamente e abrir novas áreas de negócio e canais de venda”, refere. Tornar a MyCloma uma” marca de referência da sustentabilidade e da promoção de hábitos de consumo mais conscientes” é o foco desta equipa: “Mas, isso vai muito além da venda de roupa em segunda mão”, declara.

[blockquote style=”2″]É necessário informar mais e alertar a pessoas para este tema[/blockquote]

Olhando para a economia circular como um todo, Ana Catarina Monteiro considera que Portugal tem ainda um “caminho a percorrer” comparativamente a outros países. Mas, também, é evidente a evolução crescente nestas matérias: “É notória esta preocupação com o impacto que temos no planeta e este trabalho constante para tentar diminuí-lo ao máximo, principalmente pelas gerações mais jovens”.

Sendo o setor têxtil um importante setor na economia portuguesa, a fundadora do MyCloma reconhece que nos últimos anos tem havido uma “forte aposta” na inovação não só ao nível do método, mas também na composição de materiais sustentáveis. Ainda assim, “falta a criação de algumas sinergias” entre empresas para aportar mais valor acrescentado a toda a cadeia de abastecimento: “Apesar da informação atualmente estar toda à distância de um click, é necessário informar mais e alertar a pessoas para este tema, seja pelos meios tradicionais de media, campanhas de sensibilização, ou mesmo incluir o tema da sustentabilidade nos conteúdos programáticos do ensino básico”, defende.

Sobre o papel dos líderes políticos nestas matérias, Ana Catarina Monteiro refere que, “regra geral, fazem sempre parte de uma ou duas gerações anteriores aos jovens que, como eu, cresceram numa realidade mais digital e com novas preocupações”, sendo que tal “desfasamento temporal” origina “alguma dificuldade ou alheamento das causas das novas gerações”. E isto, no caso da MyCloma, é mais sentido por parte de investidores: “Quando apresentamos a nossa empresa, têm sempre muita resistência em perceber o potencial da roupa em segunda mão”, refere. Aliás, “para alguém de classe média na casa dos 40 ou 50 anos, quem compra roupa em segunda mão são as pessoas com menos possibilidades que não têm dinheiro para comprar novo”. E esta alteração de paradigma faz-se com “pedagogia e ações de sensibilização”, sendo preciso que “os políticos percebam e antevejam esta alteração de paradigma”, remata.

[blockquote style=”3″]Quais as perspetivas para o futuro sobre estas matérias?[/blockquote]

Na MyCloma somos todos otimistas por natureza e, nesse sentido, acreditamos que, fruto de uma pressão crescente por parte dos consumidores, as empresas adaptar-se-ão na adoção de práticas mais sustentáveis. A descarbonização da economia, a transição energética e a economia circular são hoje temas com um grande enfoque por parte da União Europeia e, paulatinamente, acreditamos que a mudança ocorrerá. As alterações nos padrões de consumo não são feitas de um dia para o outro, portanto, cabe-nos a tarefa de sermos os pioneiros e estarmos à frente do tempo.