EDP: “O preço de spot está demasiado baixo para atrair investimento”

“A descarbonização e os preços da energia” foi o tema que esteve em destaque no segundo dia do Portugal Smart Cities 2021. A EDP, a APIGCEE (Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Elétrica) e a ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) partilharam a sua visão numa lógica de descarbonização. 

Questionado sobre as alterações que podem ser desenvolvidas no contexto do mercado grossista de forma incentivar o investimento em renováveis e estabilizar o preço da energia, Pedro Neves Ferreira, vice-presidente da EDP, não tem dúvidas de que se vai assistir a uma “transformação profunda do mix de produção de eletricidade” que terá como causa uma “maior penetração de renováveis, a deslocação ou até o fecho a prazo de todas as centrais térmicas”. E essa transformação não vai deixar de ter um “reflexo muito profundo” na forma como estão organizados os mercados: “Até aqui, o mercado grossista estava muito ancorado neste modelo marginalista que funcionava para fazer e finalizar despachos eficientes a curto prazo das várias centrais e, ao mesmo tempo,  como sinal para investimento”.  Neste momento, “a penetração de renováveis vai deslocando as térmicas e retirando os custos variáveis do sistema: teremos um sistema todo baseado em custos fixos”. Apesar da situação alarmante dos preços elevados que o mercado spot tem tido, Pedro Neves Ferreira olha para isso como uma componente conjuntural: “Na verdade, aquilo que nos tem preocupado, e que nos vai voltar a preocupar, é que o preço de spot está demasiado baixo para atrair investimento”. Portanto, “à medida que entram as renováveis, isso vai deprimindo o preço spot em baixa” e, rapidamente, “retirar o incentivo para investimento em renováveis”, atenta. Na opinião do responsável, o preço spot deverá evoluir no sentido de se focar na sua função de “sinalização de um despacho eficiente a curto prazo”, sendo que “terão de surgir mecanismos de incentivo ao investimento”, nomeadamente pela contratação a prazo e de “custo fixo a 15 e 20 anos, o que casa bem com a necessidade dos clientes de também terem estabilidade e previsibilidade de preço”. O contexto atual mostra, precisamente, a relevância de fazer tal “gestão de risco” do lado dos clientes, refere. Relativamente ao “preço spot”, Pedro Neves Ferreira não tem dúvidas de que haverá claramente uma alteração, sendo que tem de ser desenvolvido o “mercado” onde se “valorizem outros serviços que são prestados no mercado elétrico”, nomeadamente “a capacidade firme para assegurar a segurança de abastecimento e também mercados de flexibilidade. Teremos de ter mercados que regulam a escassez da inércia e que regulam a resposta em frequência e, isso, são mercados novos que se irão desenvolver dando resposta às necessidades dos sistemas”, sucinta. 

Apesar dos grandes consumidores serem o “elo mais fraco” nestas matérias, porque são os que “têm de viver com o preço da energia”, Jorge Mendonça e Costa, presidente da APIGCEE, é perentório: “Para haver descarbonização tem que existir preços competitivos de energia elétrica e, portanto, se as empresas não conseguirem competir nos mercados internacionais, mesmo após os esmagamentos de margens que existam sobre os produtos”, tal não acontecerá. Aliás, “há um risco de uma eventual deslocalização”, alerta. Apesar do preço do CO2 ser um “incentivo para o autoconsumo”, o responsável sabe que “o autoconsumo não cobre todo o diagrama de carga diário de uma empresa”, estando a mesma dependente da rede para assegurar o seu funcionamento durante 24 horas. Ao mesmo tempo, não deixa de ser um “estímulo”, reconhece, acrescentando que estão a fazerem-se esforços nesse sentido, nomeadamente no âmbito da publicação do “estatuto do consumidor eletrointensivo, algo que deverá acontecer em breve: “Permitirá um enquadramento mais estável e utilizar o autoconsumo de centrais de produção que estejam longe geograficamente do local de consumo com benefícios através da utilização da rede elétrica de transporte e distribuição”, declara. 

Do lado da ERSE, Jorge Esteves defende uma “alteração ainda mais profunda” e que tal implica uma mudança na regulação e que, naturalmente, terá as suas consequências de estruturas tarifárias: “Percebemos que isto tem de evoluir e temos de ser capazes de antecipar, de alterar em função e não sermos uma barreira”. Tão importante é “criar mercados de serviço de sistema e de flexibilidade” para responder ao desafio e, ao mesmo tempo, “criar estruturas tarifárias que sejam capazes de se adaptar” e que, “respondendo e sendo capazes de cobrir os custos que existem, tenham uma boa e justa distribuição pelos consumidores”. Por fim, Jorge Esteves deixa um alerta: “Não devemos cometer os erros do passado, isto é, ter cuidado com o aumento dos custos de interesse económico geral que ainda hoje são um fardo para permitir um sistema energético com determinada flexibilidade. E se nós só estivéssemos a cobrir nas tarifas de acesso os custos reais das redes, provavelmente isso seria tudo mais simples”. Apesar de tudo, “é da evolução, do debate coletivo e da transparência de processos que será fundamental para atingir a lógica da descarbonização”, remata.  

O Portugal Smart Cities 2021 está a decorrer na FIL (Feira Internacional de Lisboa). Durante três dias, 16, 17 e 18 de novembro, são muitas as empresas que aproveitam o certame para fazerem negócios inteligentes.