“Educação Ambiental não é uma atividade que é desenvolvida num dia de comemoração”

Financiado pelo Fundo EEA Grants, o projeto “Vamos Cuidar do Planeta” é operado, em Portugal, pela Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação Bissaya Barreto, no âmbito do Programa “Cidadãos Ativos”. Tem como objetivo geral reforçar a cultura democrática e a consciência cívica dos jovens em idade escolar, através da implementação da metodologia do projeto europeu “Let´s take care of the planet!”. Através da articulação entre departamentos curriculares e a área da educação para a cidadania pretende-se fortalecer as capacidades de ação dos jovens em idade escolar, aumentando as suas competências de liderança e comunicação, ou influenciar as políticas públicas através do envolvimento direto dos jovens nos processos de decisão, numa perspetiva de construção de sociedades ambientalmente responsáveis e socialmente justas.

 

O projeto que iniciou em abril de 2019 e decorrerá até setembro de 2021 envolveu, no primeiro ano de implementação piloto, 27 agrupamentos, 32 escolas e mais de 800 alunos pertencentes a cinco Centros de Formação de Associação de Escolas das regiões de Azambuja, Benavente, Santarém, Torres Novas e Tomar. Quem o diz é Joaquim Ramos Pinto, presidente da ASPEA (Associação Portuguesa de Educação Ambiental), destacando que o papel da associação assenta, sobretudo, no compromisso de defender as ideias e propostas que os jovens trouxeram ao diálogo e debate, durante as fases do projeto, deixando a garantia de que não deixarão a voz dos jovens soar em vão: “Vamos fazer com que a voz destes jovens seja parte da solução”. É ambição da ASPEA, mostrar que a Educação Ambiental é uma ação política, e não é uma atividade que é desenvolvida apenas num dia de comemoração de uma efeméride: “A Educação Ambiental é compromisso e ação, que passa pela responsabilidade individual e pelas decisões coletivas, e que devemos dar continuidade”. No âmbito deste projeto, a ASPEA reforça ainda, para a importância e relevância de existirem professores formados e com responsabilidade na Educação Ambiental nas escolas, para auxiliarem a apoiarem estes e outros jovens que se queiram juntar a esta rede e ajudarem a “Cuidar do Planeta”: “Pretende-se levar a voz dos jovens aos espaços de debate político e fazerem parte dos processos de decisão à escala local e a nível nacional numa aproximação com os deputados na Assembleia da República e membros do Governo”.

Desde abril de 2019, já se desenvolveram várias ações no âmbito do projeto, nomeadamente, a “capacitação de técnicos, preparação de materiais e recursos pedagógicos, ações de comunicação, formação de professores e levantamento de temas ambientais prioritários para serem tratados pelos alunos e escolas”. No período de confinamento, devido à pandemia de Covid-19, a ASPEA propôs desafios virtuais aos alunos a serem trabalhados em família, para que mantivessem a sua ligação ao projeto, entre abril e junho de 2020: “Os alunos participaram nos desafios, sobretudo no segundo desafio, que constituía uma reflexão sobre a realidade que enfrentamos e os comportamentos que os alunos adquiriram neste período que consideram ter um impacte positivo no ambiente e na sua comunidade”. A “formação acreditada de professores do projeto”, com o título – “Cultura democrática e consciência cívica nos jovens através do projeto Vamos Cuidar do Planeta!” – foi realizada na modalidade de “oficina de formação com 25 horas presenciais e 25 horas de trabalho autónomo”. Nas sessões presenciais, tal como explica Joaquim Pinto, os conteúdos foram abordados seguindo “metodologias ativas”, desde a “análise de estudos de caso, dinâmica de World Café, leituras críticas e discussões orientadas”. Já o trabalho autónomo dos professores, de 25 horas, implicou várias seguintes atividades, como a “apresentação do projeto à comunidade escolar e aos alunos”, o “desenvolvimento das diferentes fases do projeto na escola”, a “organização de uma conferência escolar” e a “elaboração de um relatório individual de reflexão crítica sobre a formação”, acrescenta.

Entre os meses de novembro de 2019 e fevereiro de 2021 foram certificados 154 formandos: “Capacitamos professores para implementar metodologias inovadoras, dinâmicas e participativas capazes de incentivar os jovens a pensar criticamente sobre a sua comunidade e a agir em conformidade com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”.

As Conferências Escolares “Vamos Cuidar do Planeta!” são um outro exemplo dos projetos promovidos no âmbito do projeto. Segundo Joaquim Pinto, estas conferências promovem a cultura democrática e a consciência cívica de jovens em idade escolar, através da discussão e partilha de ideias em debates com colegas, professores, organizações da sociedade civil e políticos, numa base de corresponsabilização dos jovens para participação nas tomadas de decisão política a nível local: “Mais de 3.800 alunos e 50 professores de 14 escolas dos concelhos de Azambuja, Benavente, Santarém, Tomar e Torres Novas organizam e promovem 17 conferências escolares que decorrem em formato online”.  Após as conferências escolares foram eleitos delegados para quatro conferências regionais e uma conferência nacional, como espaço que pretende dar voz aos jovens como atores relevantes no debate político e socioambiental. Nestas conferências foi elaborada uma “Carta de Corresponsabilização e Manifesto Político” com a “voz dos jovens como parte da solução”. E, através da “Carta de Corresponsabilização e Manifesto Político”, os jovens comprometem-se a fazer os possíveis para solucionar as problemáticas identificadas, deixando o apelo para que os representantes políticos e decisores públicos, possam também eles firmar um compromisso de: “Ouvir a nossa voz e reunir com grupos de jovens antes das tomadas de decisão, incluindo as nossas propostas nos vossos planos”; “Criar um espaço institucional para envolver os jovens no debate político”; “Criar um espaço na televisão pública, dando voz aos jovens através dos seus projetos e propostas como parte das soluções.” Após leitura da Carta, evidencia o presidente da ASPEA, a mesma foi entregue em mãos aos deputados que participaram na Conferência Nacional e a todos os membros representantes das instituições presentes, tendo sido enviada ao Presidente da Assembleia da República que a distribuiu pelos Grupos Parlamentares e Deputados não inscritos, esperando poder ser recebidos por todos os Grupos Parlamentares.

[blockquote style=”2″]É um projeto de continuidade[/blockquote]

Já sobre outras ações previstas, Joaquim Pinto refere que no mês de junho, o projeto será alargado ao âmbito nacional através da apresentação da metodologia numa ação de formação de curta duração para professores: “No início do ano escolar 2021-2022 iremos replicar a ação de formação em modalidade de oficina de 50 horas para que novas escolas, de âmbito nacional, se possam integrar nesta rede”. Outra iniciativa que está dentro dos planos da ASPEA é envolver a Associação Nacional de Juntas de Freguesia e a Associação Nacional de Municípios de forma a que se possam vir a constituir “Assembleias de jovens” a nível local, reconhecendo o “papel das gerações presentes na construção de políticas com compromissos duradouros”. Já para 2022, está prevista, também, uma Conferência Europeia, onde os jovens portugueses podem levar as suas ideias e propostas a juntarem-se com as de outros jovens europeus com a finalidade de serem apresentadas aos Eurodeputados, destaca.

Apesar da fase piloto do projeto terminar em setembro de 2021, é um compromisso da ASPEA que o mesmo se implemente de forma consistente a nível nacional e, assim, possa permanecer como filosofia de escola comprometida com uma sociedade ambientalmente responsável e socialmente justa: “É, portanto, um projeto de continuidade”, afinca.

Questionado sobre o papel que os jovens podem e devem ter na preservação do planeta, o presidente da ASPEA é perentório: “Cuidar do Planeta não pode estar apenas nas mãos dos decisores políticos e dos adultos, pelo que os jovens têm de ser chamados aos processos de decisão na construção de políticas locais, nacionais e europeias, em particular as que impliquem a preservação do planeta”. Por isso, defende Joaquim Pinto, “temos de trabalhar com as gerações do presente e deixar de pensar que os jovens são apenas as gerações futuras”, ficando a “aguardar sossegados pelo seu momento e por aquilo que lhes queremos deixar”, quando vierem a tomar os “lugares de decisão”. Os jovens têm, assim, de ser chamados ao diálogo: “Apropriarem-se do conhecimento científico produzido no âmbito dos temas que trabalham e que os preocupam, conhecerem os pareceres técnicos perante os desafios de respostas à crise ambiental e participarem no debate político, como forma de se comprometerem com a continuidade do trabalho que iniciaram no presente, com metas que são estabelecidas para as próximas décadas”. Através de “Assembleias Municipais de Jovens ou Parlamento Jovem” será importante que “os jovens se mobilizem para que a sua voz seja parte da solução na preservação do planeta” entendendo o seu papel na “mudança de comportamentos com compromisso individual e responsabilidade coletiva para sociedades ambientalmente mais responsáveis e socialmente justas”, atenta.

[blockquote style=”2″]Baixa participação dos jovens portugueses nas iniciativas da sociedade civil[/blockquote]

Numa altura em que o tema “alterações climáticas” está na ordem do dia, o presidente da ASPEA acredita que os jovens, no geral, estão comprometidos e consciencializados com as questões ambientais, mas “pouco implicados” no debate e na procura de soluções para responder aos problemas que se fazem sentir à escala local e global: “Considero que a responsabilidade é da sociedade e das políticas, em particular no nível do poder local, que não têm criado os canais e os espaços para que tal tenha acontecido”. Ainda assim, constata o responsável, é notório que, nos últimos anos, “vários movimentos de jovens têm vindo a participar em diferentes iniciativas no espaço público”, mostrando a sua vontade em “contribuir para a mudança de políticas que respondam ao enfrentamento da crise climática, em particular, e da crise ambiental, no geral”. Mesmo com a geração mais jovem cada vez mais consciencializada para os problemas ambientais que se debatem à escala global, o responsável reforça a  importância de aproximar esta camada dos problemas ambientais à escala local: “Aqui a escola e os municípios precisam proporcionar as condições que ajudem a reforçar a cultura democrática e a consciência cívica dos jovens, aproximando-os do debate político sobre estes temas e criando as oportunidades para que se possam manifestar e apresentar as suas ideias e propostas”. É, pois, importante inverter os resultados dos relatórios “World Youth Report” da ONU (Organização das Nações Unidas) que “denunciam a baixa participação dos jovens portugueses” nas iniciativas da sociedade civil, “desconhecendo os instrumentos ao seu dispor para exercerem uma cidadania plena”. Mais uma vez, atenta o presidente da ASPEA, é muito importante que as políticas de juventude, educação e ambiente possam trabalhar em conjunto e em programas de mobilização dos jovens aproximando-os das organizações da sociedade civil, dos debates políticos e de programas de voluntariado ambiental: “Será necessário promover cada vez mais espaços para dar voz aos jovens, nos quais poderão ver reconhecidas as suas inquietações e, acima de tudo, onde possam apresentar as suas soluções para os problemas identificados nos projetos de cidadania e Educação Ambiental”.

Sobre o facto de Portugal estar num bom caminho no que à educação ambiental diz respeito, o responsável diz que, ao nível político é “inquestionável” a importância de documentos de referência como são a Estratégia Nacional de Educação Ambiental, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e o Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade: “A escola e a sociedade têm instrumentos que orientam para uma formação humanista dos alunos, incentivando ao desenvolvimento de atividades e projetos trazendo-os para o espaço público e político no respeito pelos valores democráticos”. Por outro lado, existem várias ONGA com professores em mobilidade, ao abrigo de protocolo entre o Ministério da Educação e do Ambiente, que apoiam os professores através de formação e disponibilizando ferramentas e metodologias que possam ajudar a preparar os alunos para a cidadania ativa e “promover a Educação Ambiental e o respeito pelos valores do ambiente”, conforme o do Artigo 66º da Constituição da República. Também, há já autarquias que têm vindo a reconhecer a importância da Educação Ambiental nas políticas locais com programas e orçamento destinados a reforçar o envolvimento dos cidadãos em iniciativas que promovem práticas de responsabilidade socioambiental, evidencia.

Como notas finais, Joaquim Pinto acredita que chegou a altura de pensar e atuar “em” e “no” coletivo para os bens comuns: “São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, paradigmas e modos de vida, suportados por políticas de Educação Ambiental e participação social de proximidade com os cidadãos, em especial, reconhecendo o potencial educativo dos processos participativos nas políticas locais”. Para isso, “temos conhecimento científico produzido e tecnologias necessárias para abastecer todas as pessoas, em particular, e a sociedade, em geral, reduzindo o impacte ambiental sobre a biodiversidade e sobre o Planeta”. Tão importante é o “ressurgimento de uma sociedade civil global”, mobilizada para “ajudar a criar novas oportunidades na construção de um mundo melhor: mais democrático e mais humano”, precisa. E as diversas crises, não só a crise económica, resultante da pandemia, obrigam a reconhecer o papel da Educação Ambiental para ajudar a “refletir e a agir” sobre o modo de vida e como ele afeta a natureza e, consequentemente, a própria saúde humana: “Ecossistemas bem preservados fornecem serviços, além dos espaços para atividades recreativas, indispensáveis ​​para nossa qualidade de vida e sobrevivência das gerações futuras”, remata.