A ZERO alerta para o impacto climático das viagens aéreas, que vai muito para além das emissões de dióxido de carbono. Estima-se que os efeitos não-CO2 – que incluem o efeito das emissões de outros gases com efeito de estufa, tais como óxidos de azoto e vapor de água, bem como a formação de contrails (rastos de condensação) que têm um efeito de aquecimento da atmosfera – sejam responsáveis por cerca de dois terços do total do aquecimento global provocado pela aviação – ou seja, equivalem ao dobro dos efeitos diretos das emissões CO2.
Neste contexto, a organização consultou os dados publicados pela Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) relativos ao consumo de combustível para a aviação em Portugal de junho de 2023 a maio de 2024, e chegou à conclusão que só os efeitos não-CO2 associados ao uso desse combustível podem corresponder a 10,6 milhões de toneladas de CO2eq., o que equivale a cerca de 20% de todas as emissões registadas no país em 2022.
Já os efeitos totais, incluindo o direto do CO2, equivalem a cerca de 16,2 milhões de toneladas de CO2eq., ou seja, cerca de 32% das emissões totais do país. Estes valores, quer um quer outro, mostram a gravidade tremenda dos efeitos da aviação no clima. Estas emissões são mesmo superiores às emissões totais que o país poderá ter num contexto de neutralidade climática em 2045 ou antes.
Efeitos não-CO2 têm de ser monitorizados e mitigados
A última revisão do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), adotada em maio de 2023, inclui a criação de um esquema de Monitorização, Reporte e Verificação (MRV) desses efeitos, um primeiro passo fundamental para informar o estabelecimento de medidas visando a sua mitigação. Na prática, isto significa que as companhias de aviação, à semelhança do que fazem com as emissões de CO2, terão de passar a reportar as suas emissões não-CO2 no final de cada ano à União Europeia (UE) já a partir de janeiro de 2025. A revisão do CELE pressupunha que o esquema de MRV incluiria todos os voos com partida e chegada na Zona Económica Europeia (ZEE).
Contudo, esforços de parte da indústria da aviação atuando em lobby parecem ter surtido efeito junto da Comissão Europeia para alteração deste âmbito pelo menos até 2027, pressionando para a redução da abrangência geográfica do MRV e excluindo assim os voos de longo curso, que são os que têm efeitos não-CO2 mais significativos.
ZERO participou na consulta pública da CE sobre o MRV (com parecer desfavorável)
A Comissão Europeia organizou uma consulta às partes interessadas e ao público em geral sobre os objetivos, o âmbito e os primeiros passos para a criação de um sistema de MRV dos efeitos não-CO2 da aviação.
A ZERO participou nesta consulta pública e, pelos motivos apontados, deixou um parecer cheio de reservas, lamentando que a Comissão esteja a dar mostras de cedência aos interesses do lobby da indústria da aviação. Se isso acontecer, é grave, pois excluir os voos de longo curso significaria que dois terços dos impactos dos efeitos não-CO2 ficariam de fora do esquema de MRV, alerta a ZERO. Os efeitos não-CO2 não estão cobertos por mais nenhum outro regulamento ou tratado internacional, pelo que reduzir o âmbito do MRV no CELE compromete o único plano para os começar a entender e combater.
Como pistas para mitigar este problema já nos próximos anos, a ZERO aponta para a moderação do tráfego aéreo, para a utilização de rotas por parte das aeronaves que minimizem este impacte, e para uma necessidade urgente de recurso aos denominados combustíveis sustentáveis, cujas propriedades parecem indicar uma redução destes efeitos não-CO2.