A Ambiente Magazine está a auscultar várias vozes em relação às Eleições Legislativas antecipadas, que se realizam a 18 de maio, para descobrir o que o próximo Governo deve priorizar em matéria ambiental. Aqui fica o comentário de Miguel Macias Sequeira, vice-presidente do GEOTA e investigador no CENSE NOVA-FCT.
Enquanto Portugal se compromete internacionalmente com a neutralidade climática até 2045, os operadores da rede de distribuição de gás natural propuseram, para o período 2025-2029, um investimento de quase 400 milhões de euros… para expandir esta infraestrutura fóssil. Também o plano de investimento do operador da rede de transporte de gás, atualmente em consulta pública, apresenta a intenção de investir 470 milhões de euros entre 2026 e 2035.
Estes planos preveem a instalação de 1 380 km de nova rede de distribuição, a ligação de 100 mil novos pontos de consumo e a construção de dois novos armazenamentos subterrâneos. Isto num contexto em que os compromissos climáticos nacionais – consagrados na Lei de Bases do Clima e no Plano Nacional de Energia e Clima para 2030 – exigem precisamente o oposto: uma redução acentuada do consumo de combustíveis fósseis. Mais do que travar esta expansão, é tempo de planear a desativação progressiva de uma parte considerável das redes de gás, em linha com o que já está a ser efetuado em vários países da União Europeia.
Argumentar que o gás é ecológico, seguro ou económico é uma tentativa de greenwashing. A ciência é clara: a extração, transporte e utilização de gás natural emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa, sendo dos principais responsáveis pelas alterações climáticas. Além disso, o seu uso no setor doméstico contribui para a poluição do ar interior com consequências para a saúde pública. Portugal importa 100% do gás que consome, o que deixa o país vulnerável a crises geopolíticas e à volatilidade dos preços no mercado global. É inaceitável continuar a investir em gás natural, tanto por motivos económicos como ambientais.
A eletrificação dos consumos, por exemplo, através de bombas de calor e de energias renováveis, é tecnicamente viável e é mais segura, limpa e barata. Os apoios públicos à renovação dos edifícios devem ser reforçados e direcionados para substituir equipamentos a gás por alternativas elétricas de elevada eficiência. Os gases renováveis, como o hidrogénio verde e o biometano, devem ser reservados para os setores difíceis de descarbonizar e não usados como falso pretexto para sustentar uma infraestrutura obsoleta. Por exemplo, mesmo uma mistura de 20% de hidrogénio verde na rede gás – valor limite considerado atualmente – leva a uma redução real de emissões de gases de efeito estufa de apenas 7%.
Neste contexto, o próximo governo, após as eleições legislativas de maio de 2025, tem de escolher entre perpetuar a utilização de recursos energéticos do passado ou liderar uma verdadeira transição rumo a um sistema energético moderno, limpo e eficiente. Portugal precisa de visão estratégica e de um plano sério e estruturado para o encerramento faseado da rede de gás, que garanta transparência, justiça social e proteção dos consumidores. Prolongar a vida do gás natural é adiar o inevitável. E já não temos tempo a perder.