“Em Portugal sente-se abandono florestal, o que leva ao aumento dos incêndios”

O grupo BEL, em parceria com a ANP|WWF, está a reflorestar Boticas, uma zona fortemente afetada pelos incêndios florestais. A Ambiente Magazine conversou com a Paula Amaral, responsável de Sustentabilidade da BEL Portugal e com João Maurício, Consultor de Florestas da associação, para compreender melhor esta iniciativa.

 

Como o grupo BEL estabelece as suas parcerias, como por exemplo com a WWF?

Paula Amaral, responsável de Sustentabilidade da BEL Portugal

Na Bel acreditamos que o futuro da alimentação mundial depende da capacidade de implementarmos uma agricultura inovadora, sustentável e regenerativa, juntamente com agricultores. Estas parcerias e apoios, como estamos a fazer em Portugal, são cruciais para o nosso compromisso.

Neste caso, a ANP|WWF com o apoio da BEL uniu esforços para criar uma paisagem mais resiliente e recuperar práticas ancestrais, contribuindo para uma melhoria nas áreas de intervenção do projeto, seguindo as características da área: abandono rural, agricultura e incêndios recorrentes. Este projeto visa o restauro ecológico e recuperação de paisagens florestais no concelho de Boticas – região onde a agricultura foi reconhecida pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) como património mundial. A BEL apoia este projeto de restauro para criar melhores condições em áreas com grande potencial para a pastorícia, um sistema agrícola que favorece a biodiversidade e gera rendimento para as comunidades locais.

Quais os objetivos que foram definidos com a WWF?

Com o Projeto de Recuperação da Paisagem Florestal de Boticas queremos regressar às origens, onde se conjuga a pastorícia e os espaços agro-silvo-pastoris que caracterizam o Barroso, tornando assim a paisagem mais resiliente aos incêndios e beneficiando do melhor que estas terras têm para oferecer. É importante ter projetos que impulsionem as atividades económicas e sociais que dependem da paisagem florestal para sobreviver, bem como que valorizem as práticas culturais deste território e os seus sistemas agroflorestais tradicionais. Neste caso, queremos promover a multifuncionalidade da paisagem, possibilitando múltiplos usos para múltiplos benefícios. A dinamização socioeconómica do território, além de ser uma ferramenta de gestão paisagística, contribuirá também para aumentar a resiliência das comunidades que habitam a região e para combater o despovoamento e o abandono rural. Todas estas ações irão melhorar a conservação da natureza e da biodiversidade. A paisagem do Barroso apresenta um elevado potencial para polinizadores, especialmente abelhas, que produzem um mel muito característico da região, o mel de urze

Quais são as metas para Portugal?

Os principais objetivos deste projeto são contribuir para a recuperação e transformação da paisagem florestal de Boticas; reduzir o risco de incêndio e aumentar a resiliência da paisagem aos incêndios rurais; proteger e recuperar a biodiversidade (nomeadamente os polinizadores); conservar o ciclo hídrico da região; preservar as espécies florestais nativas; e instalar pastagens bio-diversas para pastagem e capazes de armazenar mais carbono. Este projeto, que irá criar uma paisagem mais resiliente aos incêndios e promover a proteção da biodiversidade, trará inúmeros benefícios não só a nível ambiental, mas também a nível social e económico para as comunidades locais (nomeadamente proprietários de terras, produtores de gado, apicultores, agricultores).

Qual a importância de ações como esta de plantação de 420 carvalhos?

Projeto de Reflorestação Florestal

A plantação de árvores é de extrema importância no restauro do ecossistema da área pretendida, mas a melhor forma de restaurar a floresta é através da regeneração natural – o principal aspeto da parceria BEL/ANP WWF em Boticas. Nas últimas décadas, a região do Alto Tâmega e Barroso sofreu um declínio de espécies-chave para a economia florestal e para o uso do solo, acompanhado pela falta de políticas públicas eficazes para promover espécies mais adaptadas à região. Os incêndios rurais têm sido outro grande problema no concelho de Boticas (cerca de 50 por cento do qual está ocupado por florestas de produção). Em Setembro de 2016, Boticas foi atingida por um grande incêndio que consumiu uma área de floresta, arbustos e alguns terrenos agrícolas, num total de 1.791,13 hectares.

O restauro ecológico da floresta será feito através do controlo de densidade e limpeza do ecossistema florestal permitindo a regeneração natural do pinheiro. Será feita uma gestão específica das parcelas que permita a regeneração do carvalho, de forma a mitigar os impactos do incêndio. Por último, serão reabilitadas pastagens ricas em biodiversidade, tendo como principal objetivo a valorização dos recursos e a revitalização dos territórios geridos pela comunidade. Essas ações são cruciais para preservar o sistema Agro-silvo-pastoril do Barroso reconhecido pela FAO como património agrícola mundial.

Qual a importância do restauro da natureza?

O restauro ecológico é o processo de imitar a estrutura, função, diversidade e dinâmica do ecossistema original em áreas degradadas. Num contexto rural, esta restauração é extremamente importante, uma vez que as pessoas valorizam cada vez mais os espaços verdes, a redução da poluição, o aumento da biodiversidade dos sistemas e o sequestro de carbono em terrenos anteriormente devolutos ou abandonados. Esta revitalização e respetiva promoção das pastagens e dos sistemas agroflorestais tradicionais, além de ser uma ferramenta de gestão da paisagem, contribuirá também para aumentar a resiliência das comunidades que vivem na região, que por sua vez são essenciais para aumentar a resiliência do território aos incêndios florestais.

Qual o cenário atual das florestas no mundo?

As florestas sofreram um declínio nos últimos anos, devido a vários fatores, como o desmatamento descontrolado e os incêndios em grande escala. Tudo isto contribui para a destruição de ecossistemas essenciais para a conservação de espécies e habitats e para a mitigação dos riscos climáticos que se tornam cada vez mais pronunciados.

E em Portugal?

Em Portugal sente-se abandono florestal, o que leva ao aumento dos incêndios florestais. Este abandono deve-se a vários fatores, como políticas ineficientes de proteção dos recursos florestais e gestão florestal incorreta, que resultam num aumento do risco de incêndios, tornando a área florestal pouco atrativa para o investimento privado de pequena escala.

O que é mais urgente fazer no atual contexto?

Há uma necessidade urgente de parar a desflorestação e de manter as florestas existentes; restaurar terras degradadas e ampliar o uso de sistemas agroflorestais; utilizar as florestas de forma sustentável e construir cadeias de valor verdes. Desta forma poderemos combater as alterações climáticas, gerar benefícios para as populações locais e conservar a biodiversidade, entre outras coisas.