Emídio Pinheiro: “Os planos foram sempre bem intencionados (…) a questão é que têm de ser consequentes” (I)

Há mais de 25 anos que atua numa área equivalente a 60% do território português, servindo aproximadamente dois terços população, cerca de seis milhões de pessoas. A EGF – Empresa Geral do Fomento, assegura o tratamento de 3,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos e afirma-se como líder de mercado no tratamento e valorização de resíduos em Portugal. Foi em 2015, através de um processo de privatização, que a EGF passou a integrar o Grupo Mota-Engil/Urbaser. O “estado da arte” do setor dos resíduos em Portugal serviu de mote para a Ambiente Magazine desafiar Emídio Pinheiro, Presidente do Conselho de Administração e CEO da EGF, para mais uma Grande Entrevista.
  • Como define a atuação da EGF? E qual a real missão da empresa no desenvolvimento do setor dos resíduos?

A EGF é a empresa líder no tratamento e valorização de resíduos em Portugal há mais de 25 anos. Atuamos numa área equivalente a 60% do território português e servimos aproximadamente dois terços população portuguesa, cerca de 6 milhões de pessoas. Processamos 3,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos através de uma estrutura de 11 empresas concessionárias. Como sócios, temos 174 Municípios e, portanto, somos uma empresa que tem um impacto muito grande na gestão de resíduos em Portugal.

Operamos 19 Centrais de Valorização Orgânica, entre Centrais de Tratamento Mecânico e Biológico, Centrais de Compostagem e Centrais de Digestão Anaeróbia, que permitem separar as embalagens de contaminantes provenientes da recolha do lixo comum e biorresíduos, garantindo o seu envio para a reciclagem. Fazemos a produção de corretivos orgânicos para agricultura a partir dos biorresíduos e produzimos energia, seja através da Digestão Anaeróbia dos biorresíduos, seja através de uma Central de Valorização Energética com uma capacidade para 660 mil toneladas por ano (produz energia que daria para abastecer uma cidade de 200 mil habitantes).

Atuamos ainda através de 22 Unidades de Triagem que se destinam a fazer a separação dos resíduos provenientes da recolha seletiva e 27 aterros sanitários com rede de drenagem de biogás, que é utilizado para produção de energia ou para queima e, assim, diminuir a produção de gases com efeito de estufa.

  • Como é articulado o trabalho da EGF com as 11 concessionárias e os 174 Municípios? 

Os municípios são nossos clientes e são nossos acionistas. Enquanto acionistas tomam connosco decisões sobre os planos e as contas das empresas. Enquanto clientes, através dos contratos de concessão, temos a obrigação de lhes prestar um serviço público essencial. E os serviços que lhes prestamos passam por serviços de recolha seletiva e tratamento de todos os resíduos urbanos que são produzidos nesses concelhos.

A EGF é uma holding e coordena o trabalho de 11 concessionárias, procurando dar a cada uma delas um timbre e uma uniformidade e coerência de atuação, respeitando a individualidade de cada uma das empresas.

  • Fazendo uma retrospetiva a 1997, aquando da aprovação do PERSU (Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos), o que marcou definitivamente o setor dos resíduos em Portugal?

O que marcou definitivamente o setor dos resíduos em Portugal foi o encerramento das lixeiras e a construção dos aterros sanitários, assim como das infraestruturas de tratamento de resíduos e a implementação da recolha seletiva com destino à reciclagem. É nessa altura que Portugal dá um grande salto qualitativo, fazendo com que essas estruturas e essas ideias ainda hoje se mantenham de pé. Foi nessa altura que o mundo da gestão dos resíduos mudou: fecharam-se as lixeiras e virámos completamente a página. Os aterros sanitários são, assim, estruturas seguras de deposição de resíduos, assegurando sempre, antes de levar os resíduos para este destino, a modalidade de recolha seletiva com destino a reciclagem e a valorização dos resíduos como matérias-primas ou energia. Depois, registou-se um progresso, desde essa altura até aos dias de hoje, [com] momentos de mais aceleração e outros mais pausados, mas sempre no sentido da reciclagem e aproveitamento energético.

  • Como define o estado da arte deste setor?

O setor teve um processo de transformação muito grande. Desde o início da década anterior (1999) que existiram várias iniciativas no sentido de acelerar o processo de modernização no setor, com a publicação dos primeiros Planos Estratégicos para os Resíduos Urbanos (PERSU), associando meios de financiamento público e organizando devidamente os sistemas de gestão de resíduos urbanos. Esses processos tiveram sempre aspetos positivos, mas não podemos dizer nos dias de hoje que esses planos atingiram os seus objetivos em plenitude. O que importa é que hoje estamos perante um novo plano, o PERSU 2030, que define metas para 2030. E o que caracteriza este plano é que vamos ter de acelerar e muito a execução: hoje, não temos tempo a perder, temos de pôr em prática a execução, sob pena, de uma vez mais, ficarmos para trás face às metas que foram definidas.

  • Apesar da estruturação do setor, houve sempre o desafio de aumentar as reduzidas taxas de valorização dos resíduos de embalagens. O que esteve e está na origem desta reduzida taxa de resíduos?

Há vários domínios, mas provavelmente o que está associado é o insuficiente nível de financiamento dos investimentos necessários. Diria que o atraso de disponibilidade de fundos pesa nos objetivos e planos que foram criados. Portanto, havendo um desfasamento entre objetivos e nível de financiamento, gera-se, obviamente, uma perturbação para a obtenção de resultados. Essa é a experiência que foi vivida no setor. No nosso caso em concreto, a partir de 2015 quando assumimos a responsabilidade da gestão da EGF, já passamos por dois planos, o PERSU 2020 e o PERSU 2020+. Penso que tiveram essas características de serem dois planos bem-intencionados, mas que, ao nível da disponibilização de fundos, enfim… vieram muito atrasados e a capacidade de concretização dos objetivos ficou prejudicada.

  • Com o encerramento das lixeiras, o aterro sanitário tornou-se na única opção de tratamento. Que vantagens e desvantagens regista desta evolução?

Uma lixeira é uma desorganização com um impacto ambiental brutal e uma desproteção das pessoas e do meio envolvente sem qualquer controlo e nem limite. Um aterro sanitário é uma instalação que protege e é controlado. E no dia em que os aterros vierem a ser encerrados, em cima deles constroem-se jardins e áreas onde as pessoas podem estar tranquilamente a passear. Digamos que é a capacidade de gestão tecnológica dos aterros e de quem tem a especialidade técnica de os explorar que os faz serem substancialmente diferentes das lixeiras. Em qualquer caso, de acordo com as metas do PERSU 2030, tenderão a ser cada vez menos utilizados com instrumento de tratamento de resíduos.

  • Desde a aprovação do PERSU, em 1997, foi aprovado uma nova versão do PERSU (II), para o período de 2007 a 2016. Depois, em 2014, foi aprovado o PERSU 2020. Como avalia as aprovações destes instrumentos e qual a importância destes instrumentos para o setor?

Um setor como este que agrega muitas organizações, todos os municípios e, provavelmente, todos os cidadãos deste país, não pode andar para a frente sem ideias claras que, no papel, chamamos planos.  Os planos que foram desenhados foram sempre bem intencionados. A questão é que têm de ser consequentes e a consequência é levá-los à prática. E aquilo que me parece da análise histórica destes dois planos mais recentes (PERSU 2020 e o PERSU 2020 +) é que são planos com vontade de acelerar metas desejadas do ponto de vista ambiental e de aproximação do país ao que são os paradigmas europeus. Melhorou-se consideravelmente, investiu-se bastante, mas não se atingiram os objetivos que todos desejavam e ansiavam, precisamente pelo atraso na disponibilização dos meios financeiros necessários para execução dos investimentos, seja de instalações, seja de meios de recolha.

 

*Esta é a primeira parte da Grande Entrevista incluída na edição 99 da Ambiente Magazine