Empresas são verdadeiras promotoras e protagonistas da mudança, assegura OCDE

Na “década derradeira” onde os desafios são muitos e ambiciosos, as empresas têm que ser capazes de ser “viáveis do ponto de vista económico”, mas também têm que dar “uma centralidade às pessoas e ao planeta”. Este foi o ponto de partida para a primeira conversa, da segunda temporada das “Conversas sobre Sustentabilidade“, promovida pelo BCSD (Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável).

Para Jorge Moreira da Silva, diretor-geral de desenvolvimento e cooperação da OCDE, o papel das empresas é hoje ainda mais determinante para o sucesso da Agenda 2030: “Se a revisitarmos, toda ela está associada ao reforço do papel das empresas num sentido de propósito; o pilar de Paris da Agenda 2030 com as alterações climáticas lança o repto ao setor privado para uma descarbonização que esteja alinhado com o objetivo de 1,5 graus de aumento da temperatura; o pilar dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) também coloca as empresas no centro da mudança; e o pilar do financiamento ao desenvolvimento coloca as empresas mais uma vez como decisivas no financiamento privado ao desenvolvimento”. Este é assim o paradigma em que as empresas, “mais do que assistirem, acompanharem ou cumprirem as metas que vão sendo desenhadas pelos legisladores” são “verdadeiras promotoras da mudança” e, ao mesmo tempo, são “protagonistas de direito próprio desta mudança”, afirma.

Em matérias de descarbonização, Jorge Moreira da Silva não tem dúvidas de que 2021 será o ano de todas as grandes decisões: “É o ano que vamos decidir que mundo queremos ser na resposta à pandemia e, muito daquilo que seremos, dependerá da forma como alinharmos o combate à crise social económica gerada pela pandemia com o combate às outras crises”, como é o caso das “desigualdades sociais”, das “alterações climáticas” e da “degradação da biodiversidade”. E nessa decisão só existem duas respostas: “Ou seguiremos o caminho da inércia que passa por mobilizar todos os recursos financeiros para resgatar as economias, pensando no curto-prazo na resposta à pandemia; ou perceber que temos de usar as Bazucas que vão existindo, fazendo mira não apenas a uma crise mas sim às várias crises”.

[blockquote style=”2″]Ou se aumenta o nível de ambição por cinco vezes ou não teremos o aumento da temperatura limitado a 1,5 graus[/blockquote]

No rumo à direção certa, Jorge Moreira da Silva chama a atenção para os “gaps (lacunas)” que urge superar. Um deles centra-se na “incoerência”, ou seja, o Acordo de Paris não cumpre o Acordo de Paris: “Se somarmos todas as metas que os países levaram para Paris em 2015, teremos um aumento de temperatura de 3,1 graus. Ou mudamos rapidamente o nível de ambição que os países levam para o Acordo de Paris, incluindo Portugal, ou não cumpriremos os objetivos”. E esta é uma “incoerência” que vai custar caro: “Ou se aumenta o nível de ambição por cinco vezes ou não teremos o aumento da temperatura limitado a 1,5 graus”. Outra das lacunas está no curto, no médio e no longo-prazo: “Já temos 126 países focados no objetivo da neutralidade carbónica para 2050, mas temos falta de ação para a próxima década, marcada por um nível de incoerência profundo”. Há ainda uma terceira lacuna entre os países ricos e os países em vias de desenvolvimento: “Sabemos que dois terços do investimento que é necessário para descarbonizar a economia a nível global e para atingirmos 1,5 graus de aumento da temperatura tem que ser realizado com os países em desenvolvimento, uma vez que 80% dos países pobres vivem nos vinte países mais ameaçados pela mudança climática”. Para Jorge Moreira da Silva, é fundamental que haja noção da “total interdependência” no combate às alterações climáticas e da “impossibilidade” de abordar a questão numa “lógica territorial, de política pública nacional ou, até, europeia”.

Nas lacunas verificadas e que urge uma resposta séria e verdadeira, há também sinais de otimismo. E o facto da população na sua generalidade estar “altamente favorável à descarbonização”, assim como a “opinião pública” cada vez mais ligada ao tema são motivos de esperança para o responsável. Também a “evolução tecnológica” que é já notável com uma “redução fortíssima dos custos da tecnologia na ordem dos 90% em seis anos” é um exemplo de que é possível levar avante os desafios. Em matérias de financiamento, o diretor-geral de desenvolvimento e cooperação da OCDE considera que há um “financiamento cada vez mais alinhado com a sustentabilidade”, estando “alocados na área da sustentabilidade 30 biliões de dólares à escala mundial”. Depois, o setor financeiro está a dar “sinais evidentes da descarbonização” sendo essa uma “boa notícia para os empresários do setor económico”, sucinta.

[blockquote style=”2″]Seria um desperdício não olhamos para as enormes potencialidades de investimento sustentável[/blockquote]

Como notas finais, Jorge Moreira da Silva reforça a importância de se “aumentar as metas para a descarbonização, realizar reformas ao nível das políticas públicas nacionais e no financiamento sustentável”. Nesta última, o desafio está “olhar além da bazuca” mesmo que os “fundos europeus” sejam “decisivos, importantes e alinhados com os objetivos da digitalização e descarbonização”, sublinha, ressaltando que “seria um desperdício não olhamos para as enormes potencialidades de investimento sustentável” além do financiamento europeu público: “Portugal que é um laboratório vivo de tecnologias limpas, de promoção de energias renováveis, de eficiência energética, de descarbonização e da economia verde e azul”. Como maior preocupação, o responsável constata: “Se nós andarmos a conversar sobre descarbonização, biodiversidade e proteção ambiental sem termos a noção que as desigualdades sociais estão a crescer e alargar-se de uma forma significava nunca mais conseguiremos convencer os países em vias de desenvolvimento a abraçar a causa da descarbonização e, sem que eles a abraçem, podemos dizer adeus a 1,5 graus de aumento da temperatura”.