#ENEG2021: “Haja boa vontade e condições” para resolver o problema das perdas e da Água Não Faturada

Encontrar “novas disponibilidades de água” é uma de várias soluções para os desafios que o setor da água enfrenta, nomeadamente, a escassez do recurso. Esta foi uma mensagem partilhada por um grupo de especialistas que se juntaram no Grande Debate – “Dificuldades na Gestão da Água e a Emergência Climática: Mudanças Necessárias” – promovido na edição 2021 do ENEG (Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Água e Saneamento). Aquele que é considerado o maior encontro entre entidades gestoras decorreu entre os dias 23 e 26 de novembro no Tivoli Marina Vilamoura – Centro de Congressos do Algarve.

Para Eduardo Marques, presidente da AEPSA (Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente), antes das preocupações se centrarem nas “fontes alternativas”, seja a reutilização, seja a dessalinização ou sejam as novas origens da água, há um “longo caminho a percorrer” no que à eficiência das redes públicas de água, diz respeito: “Entram mais ou menos 800 milhões de metros cúbicos nas redes públicas. Temos uma Água Não Faturada (ANF) na ordem dos 277 milhões de metros cúbicos. E temos perdas na ordem de 170 milhões de metros cúbicos”. Passando isto para algo mais prático, Eduardo Marques dá nota que “170 milhões de metros cúbicos é qualquer coisa como um reservatório com uma área de um campo de futebol com 17 quilómetros de altura”, ou seja “é a água que anualmente perdemos nas nossas redes”. Tais perdas exigem uma “eficiência necessária”, atenta o responsável, acrescentando que os níveis de ANF são, também, muito elevados: “Por cada 100 litros introduzidos no sistema geral, 30 litros são não faturados, sendo que uma parte significativa são perdidos”. Mas isto traduz-se ainda em custos energéticos: “Cada metro cúbico de água tem um impacto a nível de emissões de CO2 na ordem dos 200 gramas”. Ora, “quando falamos de perda de 170 milhões de metros cúbicos, quer dizer que estamos a falar de 85 mil toneladas de CO2 por ano que esta ineficiência hídrica está a transmitir para a atmosfera”, alerta. Posto este cenário, o presidente da AESPA não só destaca a importância de se pensar do ponto de vista económico, como também do ponto de vista ambiental, quer seja nos recursos hídricos, quer seja na qualidade da atmosfera. Para o imediato, Eduardo Marques defende a necessidade de se “fomentar a eficiência hídrica nas redes de abastecimento de água”, sendo algo de “obsceno” o facto de existir municípios com 70% de perdas: “Temos de atingir no mínimo 20% de perda a nível nacional”. E para este desafio, o presidente da AEPSA não tem dúvidas da sua exequibilidade, lembrando que “as empresas privadas portuguesas têm em média 17,4% de ANF e perdas na ordem dos 15%”. Posto isto: “Haja boa vontade e haja condições para o conseguimos”, reclama.

No entender de José Furtado, presidente da Águas de Portugal, a questão das perdas é algo central, mas está relacionada com o problema mais crítico do setor, isto é do “abastecimento de água ser uma competência do território”. E tratando-se de uma “atividade que está ancorada no território e bem”, o presidente da Águas de Portugal lembra que é partir do território que se “interpretam as necessidades e se encontram as soluções”. A isto acresce um outro problema que acaba por concorrer com o anterior: “Estamos a falar de uma indústria”. Assim, o problema central do setor é a “articulação” entre a “legítima gestão a partir da base da proximidade e a necessidade de se criar um contexto empresarial” que faça apelo à escala e à especialização, declara.

[blockquote style=”2″]Associar o preço da água ao consumo[/blockquote]

Apesar da “eficiência” ser um tema central, Miguel Freitas, professor da Universidade do Algarve, não deixa de acrescentar as questões da resiliência e da coesão: “Quando olhamos para os sistemas e achamos que apenas a questão da eficiência é importante cometemos muitos erros”. Olhando ao regadio, o docente lembra que no período de 1980 a 2018, houve uma melhoria clara do ponto de vista do consumo de água, mas o mesmo não aconteceu na energia: “Passamos de 200 MW hora hectare para cerca de 1534 MW hora hectare”. A conclusão é clara: “Estamos a ser muito mais eficientes no consumo da água  e muito menos no consumo de energia”, declara. Por isso, o docente defende uma visão que assente na dimensão “água e energia”. Tão importante é a resiliência dos sistemas e a coesão: “Temos de nos adaptar à medida que as questões nos vão sendo colocadas e as soluções existem”.

Filipe Duarte Santos, presidente do CNADS (Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável), reitera a importância da eficiência da água: “É extraordinário como há tantas perdas”,lamenta. Algo que parece ser indispensável, é que na gestão os “incentivos” são um fator de maior eficiência. Já no caso do regadio, o responsável além de sublinhar a sua importância (regadio) para Portugal, defende que se deve associar o preço da água ao consumo: “Há países em que o preço do metro cúbico baixa se o agricultor conseguir demonstrar que conseguiu produzir mais gastando a mesma quantidade de água”. Em Portugal, “não há qualquer impedimento” para tal: “Dentro do nosso sistema existem mecanismos de incentivos que permitem diminuir”.

Como notas finais, Rui Godinho, presidente da ADPA (Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas), destacou três áreas vitais que devem ser “introduzidas, assumidas, assimiladas e postas em prática” no setor em geral, sendo elas a “eficiência”, a “inovação” e a “resiliência”. No que toca aos serviços de água e saneamento é fundamental ter em consideração um aspeto significativo sobre  a organização: “Mais do que dois terços das entidades gestoras têm menos de 10 mil clientes”. Isto significa que “estamos num país com uma dualidade de organização do setor da água”, algo que se traduz num “problema estrutural” que tem de ser encarado, reitera o responsável, acrescentando, ainda as “dificuldade do ponto de vista da aplicação de tecnologias para reutilização de perdas”, bem como “investimentos que sejam verdadeiramente sustentáveis”.  Já no que toca ao Plano de Recuperação e Resiliência, Rui Godinho afirma que ficou de fora a “maior parte do país” no que toca  a financiamentos para o ciclo urbano da água e a gestão dos recursos hídricos: “Não é uma crítica, nem é um desvalor dos investimentos de gestão hídrica que lá estão para a região do Algarve, Madeira ou para a construção da Barragem do Pisão, sendo investimentos necessários”. No entanto, “ é preciso olhar para o setor na sua totalidade”, reforça, lamentando que “ficou de fora 92% da população portuguesa no que toca ao ciclo urbano da água”, sendo, efetivamente, um “aspeto negativo”. Aquilo que o presidente da APDA espera é que, em “futuros instrumentos de captação de fundos europeus”, designadamente, no Portugal 2030 ou no plano plurianual, tais áreas sejam devidamente consideráveis. Relativamente ao funcionamento do setor da água, o presidente da APDA partilha uma preocupação que passa, essencialmente, pela “pouca capacidade de investimento” que existe na reabilitação ou renovação das redes: “Depois de investimentos extraordinários é o momento de entrarmos a fundo na reabilitação”. Rui Godinho centra a sua mensagem final na organização da gestão dos recursos hídricos em Portugal, defendendo, de uma forma integrada, o conceito da organização da gestão dos recurso hídricos por bacias hidrográficas, sendo um princípio de “regionalização” da gestão dos recursos hídricos universalmente aceite: “Inclui o território, introduz  soluções e medidas políticas e pode o recurso assumiria a sua centralidade absolutamente inevitável”.