Entrevista I: “As redes de recolha própria têm que ser urgentemente incentivadas e não obstaculizadas”

O CEO do Electrão, Pedro Nazareth, em entrevista à Ambiente Magazine, traça as grandes prioridades da organização para os próximos anos e faz um balanço dos 20 anos de existência do sistema, sublinhando que a missão do Electrão é “recolher, reutilizar e reciclar mais e melhor”. Leia aqui a 1ª parte desta Grande Entrevista.

A aproximar-se dos 20 anos de existência, que balanço é possível fazer da missão do Electrão em Portugal?

A missão do Electrão é “recolher, reutilizar e reciclar mais e melhor” e os resultados da atividade evidenciam que o temos feito nos diferentes sistemas de gestão de resíduos em que participamos de elétricos, pilhas e embalagens usadas.

As quantidades recolhidas pelas nossas redes de recolha própria cresceram desde o início da nossa atividade para cerca de 19 mil toneladas anuais de equipamentos elétricos usados e para 300 toneladas anuais de pilhas usadas, que iremos atingir este ano. Estas quantidades têm aumentado gradualmente, desde 2014, a par e passo com o crescimento do número de locais de recolha que, no sistema de elétricos usados, já ultrapassa mais de 10 mil locais em todo o território nacional.

Na reutilização também temos feito mais e melhor na medida em que temos vindo a apoiar financeiramente e a participar diretamente nesta atividade através de iniciativas de recolha seletiva e triagem específicas de algumas tipologias de equipamentos elétricos que, no seu todo, já permitem contabilizar mais de 400 toneladas anuais reutilizadas. Projetos como a recolha porta-à-porta de grandes equipamentos e do centro de triagem e reutilização do Electrão têm sido fundamentais neste domínio.

Também no tratamento e reciclagem temos feito mais e melhor ao promover e financiar a certificação destes operadores com o normativo CENELEC que é a referência para esta cadeia de valor, elevando o que tem vindo a ser o padrão de desempenho sobretudo ao nível da separação de frações críticas e da evolução da taxa de valorização.

Mesmo no sistema de gestão de embalagens usadas, em que participamos apenas desde 2018, estamos convencidos que temos vindo a dar um valioso contributo, apesar da grande limitação ainda existente ao desenvolvimento de redes de recolha próprias. São exemplos os projetos de recolha de embalagens de bebidas com incentivo financeiro “Mafra reciclar a valer +”, de separação de vidro e de plásticos mistos dos TMB com impacto direto nos números da recolha e reciclagem de embalagens.

Não confundimos a missão do Electrão com o que são os objetivos e compromissos ambientais do país, que necessariamente abrangem outros agentes económicos que participam nas cadeias de valor da reciclagem, sejam distribuidores, municípios, sistemas de gestão de resíduos urbanos, operadores de gestão de resíduos, empresas e cidadãos. Apesar de todo o empenho da nossa organização, evidente nos resultados diretos de recolha e reciclagem referidos e nos contributos para o debate público de promoção de um quadro regulatório e de operação mais adequados, estamos longe de fazer um balanço positivo.

Em termos de atuação, quais as áreas que abrangem o Electrão neste momento?

O Electrão foi constituído em 2005, inicialmente para a gestão de equipamentos elétricos usados, sobretudo em representação das suas 60 empresas associadas fundadoras na recolha e reciclagem destes resíduos em Portugal. Poucos anos depois, em 2009, alargava o âmbito da sua atuação à gestão das pilhas e baterias usadas. Hoje, quase 20 anos decorridos, servimos cerca de 2 mil empresas, muitas das quais em mais do que um sistema integrado de reciclagem. A gestão de embalagens usadas é simultaneamente a nossa área de atividade mais recente e com maior expressão económica.

Temos a expectativa de que os plásticos de uso único venham a ser brevemente o quarto sistema de responsabilidade alargada do produtor em que marcaremos presença numa parceria que temos vindo a desenvolver desde há dois anos com a maioria das principais empresas produtoras abrangidas neste fluxo de resíduos. Mas com facilidade, porque está no nossa DNA de gestão multifluxo, evoluiremos para outras áreas de atividade que venham ser objeto da responsabilidade alargada do produtor como, por exemplo, têxteis ou mobiliário.

A confiança que temos vindo a merecer cada vez mais das empresas produtoras que servimos tem-se traduzido em iniciativas conjuntas para o desenvolvimento e implementação destes novos sistemas. Pretendemos por isso continuar a desenvolver a nossa atividade explorando as diferentes sinergias operacionais que existem entre sistemas de reciclagem e beneficiar das economias de escala e gama que daqui decorrem, melhorando a competitividade da nossa proposta de valor a estas empresas.

Quais as suas grandes prioridades enquanto CEO do Electrão para os próximos anos?

A primeira prioridade que temos é a de convencer a tutela e os diferentes agentes económicos que participam nos sistemas integrados de reciclagem, em particular os municípios e os operadores de gestão de resíduos, que todos podem sair beneficiados, que o país sai beneficiado, com uma atribuição inequívoca de responsabilidade operacional na recolha e triagem às entidades gestoras de resíduos. Reduzir o papel das entidades gestoras à vertente financeira, de cobertura de gastos de recolha e tratamento dos diferentes agentes e, simultaneamente, responsabilizar (e taxar) estas entidades pelo cumprimento das metas de reciclagem, não faz qualquer sentido.

As redes de recolha própria têm que ser urgentemente incentivadas e não obstaculizadas, como sucede hoje. As entidades gestoras de embalagens têm que poder recolher livremente embalagens usadas nos locais privados, em particular nos locais do canal HORECA. São entidades privadas, com uma agilidade e capacidade de resposta operacional e financeira sem par e que deve ser urgentemente desamarrada para bem dos números da reciclagem do país.

Esta participação operacional que defendemos, como a concebemos, implica o estabelecimento de parcerias e a contratação de serviços entre entidades gestoras e operadores de gestão de resíduos, mas num quadro de liberdade e flexibilidade contratual entre as partes. Esta é a nossa segunda prioridade, abandonar uma lógica de Administração dirigista que procurar impor e regular todos os aspetos da atividade, plastificando as relações entre os diferentes operadores e sendo ultrapassada pelo ritmo dos acontecimentos no sistema de reciclagem.

Por outro lado, tem de ser assegurada a total cobertura dos gastos com recolha e triagem de resíduos aos sistemas de gestão de resíduos urbanos, mas com garantias de qualidade de serviço, de eficiência económica e de transparência na fixação desses mesmos gastos – a nossa terceira prioridade. Os municípios são um parceiro indispensável das entidades gestoras de resíduos nos sistemas de reciclagem, o mais importante no contacto direto com as populações e é inquestionável a necessidade de aumento de valores contrapartida que se iniciou no último trimestre de 2023. No entanto, tem que ser mais claro para as empresas e para o cidadão o que se está a pagar, porquê e a que nível de serviço corresponde. Em particular num contexto futuro muito adverso em que os agentes de setor terão que justificar o paradoxo da simultaneidade do aumento drástico dos gastos da gestão de resíduos e do incumprimento de metas de reciclagem do país.

Por último e como prioridade central, o aumento drástico da recolha e da valorização dos resíduos urbanos e das diferentes famílias de produtos nestes contidas. Este aumento não deve cingir-se apenas ao aumento da recolha seletiva de resíduos e deve responder à necessidade urgente que o país tem de desviar estes resíduos do aterro.

O facto de o Electrão atuar em várias áreas é uma vantagem na persecução destas prioridades?

O Electrão, ao longo dos seus quase 20 anos, desenvolveu e ainda desenvolve, conjuntamente, o sistema de recolha e triagem de elétricos e pilhas usadas porque existe uma grande sinergia operacional. Os locais de produção destes resíduos são muitas vezes comuns e permitem o estabelecimento de contentorização de recolha conjunta no mesmo local, bem como, integrar a logística de recolha.

Fez evoluir a sua atividade de gestão destes dois fluxos para um novo sistema de gestão de embalagens usadas com o objetivo de desenvolver a rede de recolha própria porque em muitos produtores empresariais, onde recolhia equipamentos elétricos e pilhas usadas, existiam embalagens usadas por recolher ou mesmo por separar. Uma nova sinergia operacional que ainda tem tanto por explorar, em particular quando se efetivar o alargamento de âmbito do SIGRE para as embalagens não urbanas. A mesma entidade que recolhe elétricos e pilhas usadas em milhares de empresas e instituições pode promover a separação de embalagens nestes locais e a própria recolha logística– uma outra sinergia operacional.

Mais tarde, o Electrão começou a desenvolver a atividade de um novo sistema de responsabilidade alargada do produtor, dos plásticos de uso único para os produtos de tabaco, que implicou a caracterização de varreduras e papeleiras com origem nas atividades da limpeza urbana. Para além das pontas de cigarro que procurava quantificar, encontrou embalagens usadas, elétricos e pilhas nestas papeleiras que agora está a separar para reciclagem com diferentes parceiros.

Nos sistemas de gestão de resíduos urbanos (SGRU) identificou fluxos conjuntos de pilhas, elétricos e vidro usado por separar nos fluxos dos TMB e cujos processos de triagem e separação está a pretender implementar com impacto nos números da reciclagem destes três sistemas.

Muitos destes projetos são críticos para a separação para reciclagem de diferentes fluxos e para o cumprimento das respetivas metas ambientais estabelecidas. Sem uma visão e uma abordagem de gestão multifluxo integrada de resíduos não teriam sido desenvolvidos.

Estes são alguns exemplos da riqueza do impacto da gestão multifluxo integrada desenvolvida pelo Electrão em Portugal, cuja de eliminação está, em certa medida, a ser considerada na proposta de revisão do UNILEX que está em discussão e que, naturalmente, não conseguimos compreender.

Os resíduos urbanos e não urbanos que Portugal tem que necessariamente separar para reciclagem vão continuar a ser, infelizmente, produzidos e recolhidos de forma misturada sejam elétricos, pilhas, mobílias, embalagens ou têxteis. A resposta eficaz a este problema deve ser através do apoio a entidades com esta vocação multifluxo – como o Electrão, e não o seu contrário.

*Esta entrevista foi publicada na íntegra na edição 103 da Ambiente Magazine.