A Ambiente Magazine esteve à conversa com o CEO da Aquapor, António Cunha. Esta empresa, em Portugal, é responsável por 11 concessões de serviços de água e saneamento, abrangendo 27 municípios. Também prestando serviços especializados de operação e manutenção no setor e consultoria, a Aquapor foi adquirida pelo grupo francês SAUR, que tem reforçado as competências do negócio. Nesta entrevista compreenda a dimensão da empresa, o estado atual das Águas no país e o processo de construção da dessalinizadora no Algarve. Recursos humanos, inovação e falta de concessões são outras temáticas em destaque. Leia a 2.ª parte.
Qual a posição da Aquapor em relação aos modelos de gestão por agregação?
Nós estamos contra o que se passa atualmente no setor, que é fazer uma agregação pública, ou seja, fazer uma agregação e entregar essa gestão ao Estado, por via da Águas de Portugal. Não há concorrência e o setor precisa de concorrência. Além disso, este modelo não garante que a tarifa cumpra as necessidades de investimento e é pouco transparente. Agregar não significa nacionalizar e entregar ao Estado. Agregar é juntar municípios próximos uns dos outros, fazer economia de escala e conseguir que haja uma partilha melhor.
E se essa agregação for feita por uma gestão privada?
A Aquapor tem exemplos de agregações, como a Águas do Planalto, composta por cinco municípios, e a Águas do Vouga ,que junta oito concessões.
Somos favoráveis à agregação, com certeza, porque há municípios que não têm a escala necessária para fazer isto sozinhos.
Estamos é contra o modelo de agregação pública, que impossibilita a concorrência. A AEPSA inclusive, foi a Bruxelas denunciar o Estado de violação do direito da concorrência, o que está a ser objeto de análise.
A Águas de Portugal foi criada para a alta e de repente há um quadro legal que é alterado e que lhes permite entrar na baixa. Só que entraram na baixa em concorrência com os privados. Este setor tem de ser reorganizado. A Águas de Portugal tem de sair da baixa porque é uma concorrência desleal. Se a Águas de Portugal foi criada para a alta, mantenha-se na alta. De preferência que fique sem a exploração do serviço, que fique só mesmo na execução dos grandes investimentos, e que depois subcontrate, que faça outsourcing dos serviços de atividades privadas, porque essas têm tido bons resultados. Até porque há uma iniciativa privada forte e há players muito fortes no país. Definir bem quem faz o quê é fundamental.
E essa é uma das razões que tem travado mais concessões, sendo que a última foi em 2019?
Não tem havido concessões porque o Estado assumiu obrigações através da Águas de Portugal, ou até dos próprios municípios, colocando de lado os privados. É evidente, quando o Estado aparece com uma empresa estatal, isto é muito difícil. É como um vendedor que vai vender uma gama de produtos que representa, se é aquela marca que comercializa, não vai dizer para comprar produtos de outra marca.
Por outro lado, sabemos que há pouca transparência na distribuição dos fundos comunitários. Isso é outro problema, porque o acesso a estes fundos foi durante muito tempo vedado às concessionárias. É evidente que os municípios preferem agregar-se e ter acesso aos fundos comunitários, em vez de entregarem a uma concessionária que não tem esse acesso. Pode perguntar-me, mas que sentido é esse dos privados terem acesso a fundos comunitários? Na altura em que se podia receber estes fundos, nós, em Gondomar, demos provas que não ficámos com eles e que se traduziu numa redução da tarifa. E isso dá trabalho? Sim, mas também é para isso que serve a ERSAR, para verificar. Então como é que as concessionárias são impedidas de receber fundos comunitários quando no final das contas, vai reverter para o consumidor? Finalmente, este Governo alterou essa situação e permitiu que as concessionárias também tenham acesso a fundos comunitários.
E em relação ao resgate de concessões?
É outro tema que finalmente este Governo parece estar a querer disciplinar. É normal que haja contratos com os quais os autarcas não concordem e que entendam que devem resgatar, desde que provem o interesse público. Ou seja, serem eles a resgatar os contratos e a ficar com a gestão, com a internalização do serviço. O que não fazia sentido era a disposição que vinha do Governo anterior em permitir aos municípios fazerem o resgate e o montante contraído de endividamento para pagar esse resgate não contar para os limites de endividamento desse município. A alteração que finalmente vai acontecer vai permitir que isso aconteça, caso haja acordo quanto ao resgate, e não haja qualquer processo de litígio em tribunal.
Outro tema que tem sido abordado no setor das águas é a crise de recursos humanos. Neste ponto, como é que está a Aquapor?
A crise dos recursos humanos existe neste setor, no setor da construção, no setor do turismo, em todo o lado. E afeta principalmente as classes mais operárias. Isto tem a ver com o facto de as gerações mais jovens não terem escolhido a carreira do operário e haver uma falta enorme de recursos especializados nessas áreas. Por exemplo, um projeto que deveria ser pensado, e já há algumas ideias a surgir, é criar escolas próprias para formar quadros para setores específicos por forma a cobrir esta necessidade.
É evidente que se a água é barata, se as receitas são baixas, os salários vão ser baixos. Desvalorizar o recurso vai desvalorizar o setor e vai desvalorizar o preço da mão-de-obra. É sempre assim. E é por isso que há uma crise de mão-de-obra, porque depois não se consegue praticar salários para atrair novos recursos.
E como é que se torna o setor mais atrativo?
Não é fácil. Ainda assim, não deixa de ser um setor que desperta curiosidade nos jovens, porque hoje dão muita importância a estas questões ambientais. E o jovem hoje gosta também de fazer a diferença, já não está tão preocupado só com o salário, está preocupado com mobilidade, com liberdade de horário e com outras matérias, mas também está preocupado com causas. E o nosso setor é um setor que está no ambiente e que trabalha nestas causas. Voltamos a dizer, combate-se, começando, no nosso caso, por valorizar o recurso e as tarifas subirem para gerar valor. E para quê? Para conseguirmos rivalizar com os setores das novas tecnologias, por exemplo.
Como é que a Aquapor vê a sinergia entre o setor da água, a tecnologia e a inovação?
A Aquapor faz parte da SAUR, que é um grupo que fatura dois mil milhões e que tem mais de 20 mil trabalhadores em todo o mundo. Nós beneficiamos do desenvolvimento e da inovação do grupo. O grupo tem um laboratório de inovação que cria produtos e soluções que temos vindo a trazer para o mercado. Por exemplo, estamos a utilizar um software preditivo para fugas de água. O grupo tem investido bastante nisso e também tem de haver escala para haver inovação. Em Portugal não se justificava ter um laboratório de inovação, pela dimensão do mercado, mas felizmente usufruímos do grupo onde estamos, e da inovação para trazer para cá as melhores ideias.
*Esta entrevista foi publicada na edição 109 da Ambiente Magazine
Leia aqui a 1.ª parte: