(Entrevista) Portugal próximo dos melhores no abastecimento de água

O cumprimento das metas do PEAASAR II tem permitido uma gestão mais coordenada do sector de águas e resíduos. Contudo, a respectiva implementação tem sofrido alguns "atrasos" e "desvios". Em entrevista à Ambiente Magazine, Jaime Melo Baptista, presidente do Conselho Directivo da ERSAR – Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, adianta que ainda existe um grande espaço para a eficiência produtiva no sector, realçando que Portugal ainda está longe de atingir as metas estabelecidas no que refere às redes de drenagem e tratamento de águas residuais.

Que balanço faz das metas traçadas no PEAASAR II? Faço um balanço globalmente muito positivo. O facto de terem sido estabelecidas metas nacionais e medidas para as concretizar revelou-se importante, uma vez que permitiu que todo o sector trabalhasse relativamente coordenado para assegurar o seu cumprimento. A execução dos investimentos previstos, mesmo sem estar concluída, tem permitido uma evolução relevante do atendimento das populações, tendo também sido reforçados os direitos dos consumidores no acesso ao serviço, incluindo dos socialmente mais frágeis.As principais preocupações centram-se nos serviços de saneamento, que ainda apresentam grande atraso.

Quanto à qualidade de serviço, assistiu-se a uma gradual melhoria, tendo sido intensificado o controlo da qualidade da água para consumo humano e introduzida a avaliação regular de qualidade de serviço das entidades gestoras e o seu benchmarking. Foram criados mecanismos de adequação tarifária, como as recomendações sobre critérios de fixação tarifária e conteúdo das facturas, foi introduzido um indicador de acessibilidade económica com base no rendimento disponível médio das famílias de cada município e foi proposto um fundo de equilíbrio tarifário. Continua, no entanto, a haver grande dispersão e falta de racionalidade e transparência no cálculo de muitos tarifários, a recuperação de custos por via tarifária continua baixa, afectando a sustentabilidade do sector, verificandose por outro lado alguma morosidade na utilização dos fundos comunitários. Contudo, a melhoria dos níveis de eficiência produtiva, quer por via de maior racionalidade dos custos operacionais, quer através de economias de escala decorrentes de processos de fusão de sistemas, tem vindo a contribuir para a atenuar um pouco o impacto negativo de tarifários desajustados dos custos dos serviços prestados pelo sector às populações. Não tem havido no entanto integração significativa alta/ baixa nem integração de águas com saneamento, havendo, portanto, ainda grande espaço de melhoria da eficiência produtiva. A regulação tem vindo a reforçar-se e o quadro legal actual contempla o seu alargamento a todo o universo das entidades gestoras, sendo agora necessário que o regulador se capacite para responder a este alargamento. Foram aprovados os regimes jurídicos da regulação, dos serviços multimunicipais, dos serviços municipais e intermunicipais e das parcerias entre Estado e municípios. Não foi no entanto modificada a lei de delimitação de sectores, impossibilitando a sub-concessão. As novas infra-estruturas têm permitido maior cumprimento da legislação ambiental. Têm sido introduzidas soluções eco-eficientes que passaram também a ser monitorizadas. Contudo, há uma melhoria ainda débil no tratamento das águas residuais, dificultando nomeadamente uma mais rápida melhoria da qualidade das águas balneares. Em síntese, verifica-se que a existência do PEAASAR II tem sido uma clara mais-valia para o sector. No entanto, a sua implementação tem sofrido atrasos e desvios que importa sanar. A sua reavaliação e revisão podem contribuir para melhorar o seu cumprimento, introduzindo os reajustes e as clarificações necessárias. Qual o campo onde se regista um maior atraso? Este será cumprido? Os níveis de cobertura da população portuguesa por redes de drenagem e tratamento de águas residuais são um aspecto que o País deve ainda melhorar em face dos objectivos estabelecidos no PEAASAR II, verificando-se que, segundo os últimos dados disponíveis referentes a 2008 (INSAAR 2009), apenas 71% da população portuguesa era servida por este serviço, um valor ainda claramente abaixo da meta de 90% definida como objectivo para 2013. Não podemos antecipar o pleno cumprimento do objectivo mas podemos dizer que os avultados investimentos em curso deverão contribuir para uma aproximação significa à meta estabelecida. A regulação viu ser reforçado o quadro legal actual, contemplando o seu alargamento a todo o universo das entidades gestoras. Como vai o regulador responder a este alargamento? A ERSAR vem preparando o alargamento do âmbito da sua intervenção regulatória há algum tempo em duas vertentes principais: por um lado envolvendo e capacitando as entidades gestoras para uma adaptação rápida e eficaz às novas regras do sector e, por outro lado, procurando reforçar os seus instrumentos e capacidade própria para intervir. No que se refere ao primeiro aspecto, gostaria de referir a título de exemplo o ciclo de seminários em cinco capitais de distrito (Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro) que a ERSAR tem realizado neste último trimestre de 2010 sob o tema "Regime jurídico dos serviços municipais de águas e resíduos: os novos desafios", com a participação de cerca de 600 dirigentes e técnicos de entidades gestoras de águas e resíduos de todo o país, durante os quais têm sido extensivamente abordadas as questões do novo enquadramento regulatório, as atribuições da ERSAR e as principais dimensões do modelo regulatório em vigor, tanto do ponto de vista da regulação económica como da regulação da qualidade de serviço. Este esforço de capacitação do sector para as alterações decorrentes do alargamento da regulação vai prosseguir no primeiro semestre de 2011, com a realização de um segundo ciclo de seminários de âmbito regional. Em complemento, a ERSAR tem procurado reforçar a sua estrutura e desenvolver métodos de trabalho para reforçar a capacidade de intervenção em face do novo enquadramento, mesmo num contexto de dificuldades como o que se vive actualmente no nosso País. Estamos em linha, nas várias vertentes em que têm responsabilidades, com os países europeus? Na água estamos próximos dos melhores. No saneamento ainda não. Efectivamente, no período 1993-2009 evoluímos de 82% para 94% de população com acesso a sistemas públicos de abastecimento de água, ou seja, servindo mais 1.200.000 portugueses, e de 31% para 71% de população com acesso a sistemas públicos de saneamento de águas residuais com destino final adequado, servindo mais 4.000.000 portugueses. Evoluímos também drasticamente de 50% para 98% na água da torneira monitorizada e de acordo com a exigente legislação nacional e europeia. Significa que somos dos países que mais evoluiu nos últimos anos, tal como tem sido publicamente reconhecido pela International Water Association. A ERSAR tem sido seguida, no que diz respeito às suas recomendações, ao nível de ajustes dos critérios dos tarifários? Refira-se, em primeiro lugar, que a ERSAR teve, até final de 2009, poderes regulatórios apenas relativamente às concessões de águas e resíduos, estando portanto excluída a grande maioria dos municípios portugueses, com modelos de gestão directa e delegada. Como a recomendação tarifária n.º 1/2009 apenas foi emitida em Agosto de 2009, só é expectável algum impacto na definição dos tarifários a partir de 2010. Em todo o caso, de uma maneira geral a receptividade por parte das entidades do sector foi bastante positiva, tendo-se registado muitas manifestações de vontade de municípios no sentido de adoptarem desde já, no todo ou parcialmente, as soluções constantes daquela recomendação. Enquanto supervisor desta área de negócio, considera que as tarifas praticadas reflectem os custos do serviço? Maioritariamente não, embora se encontrem todas as situações. O custo global do serviço de abastecimento de água para a sociedade é de cerca de 700×106 euros/ano, sendo o grau de recuperação de custos pela via tarifária de 85%. No saneamento o custo global para a sociedade é também de cerca de 700×106 euros/ano, sendo o grau de recuperação de custos de apenas 50%. Significa que tem havido uma subsidiação significativa destes serviços, por exemplo através dos orçamentos municipais e de financiamentos comunitários. Porque diminuiu, nos últimos dois anos, a participação de privados nas concessões de abastecimento de água e saneamento de águas residuais? De facto, isso tem sucedido. Nestes últimos quinze anos criaram-se cerca de três dezenas de concessões municipais de águas, instalaram-se no País cinco operadores privados e houve um número razoável de concorrentes em cada concurso. No entanto, embora o PEAASAR II preconize claramente o reforço da participação do sector empresarial privado, tem havido ultimamente um retraimento de concursos municipais e não se promoveram subcontratação de serviços de exploração nem subconcessões por alguns sistemas multimunicipais. A razão poderá eventualmente ser atribuída à expectativa dos municípios relativamente à evolução dos processos de integração vertical dos sistemas, designadamente através de parcerias entre o Estado, via AdP, e Autarquias. Os municípios esperam para ver. Parece no entanto haver alguns indícios de uma retoma desse mercado. Note-se que o sector dos serviços de águas está numa fase de crescimento, caracterizando-se por gerar receitas com uma margem bruta estável e controlada, nomeadamente devido à crescente intervenção regulatória, com horizontes temporais de longo prazo. Trata-se portanto de um mercado interessante e com um perfil de risco genericamente mais mitigado que outros sectores de actividade. O PEASAAR II vem preconizar a dinamização do tecido empresarial privado nacional, regional e local. Leia esta entrevista na íntegra na edição nº56 da Ambiente Magazine