A Ambiente Magazine entrevistou Carlos Rabaçal, presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Setúbal e vereador da Câmara Municipal de Setúbal, que nos explica que a história dos SMS conta 96 anos, 25 dos quais em regime de concessão privada. Há dois anos, o município decidiu terminar a concessão e regressar à gestão pública. Uma decisão ambiciosa que, diz hoje o responsável, faz toda a diferença para a população e a qualidade do serviço público. Leia aqui a 1.ª parte desta Grande Entrevista.
Que balanço faz destes dois anos de atividade dos Serviços Municipalizados de Setúbal (SMS)?
Em dois anos de SMS conseguimos transformar a cidade de Setúbal, imprimindo uma nova dinâmica quer no que respeita à requalificação da rede de abastecimento de água, ao alargamento da rede de saneamento, ao aumento da capacidade de distribuição de água, à recolha dos resíduos e limpeza da cidade. A transição da gestão privada para a gestão pública está a ser um sucesso. Demonstrámos como a gestão pública é a melhor solução para a gestão dos recursos hídricos e para assegurar a melhor qualidade de vida para os cidadãos, porque o nosso compromisso é com o cidadão e não com acionistas. Conseguimos uma nova capacidade de investimento. Ou seja, o que cobramos aos munícipes em matéria de tarifa da água e dos resíduos é investido no serviço, é um investimento no futuro.

O nosso território está hoje melhor e os nossos recursos naturais estão mais protegidos do que há dois anos. Não quer isto dizer que está tudo feito. Estes dois anos após a reativação dos SMS revelaram que esta foi uma aposta ganha para os setubalenses. Deu muito trabalho toda esta transição, e foi mais complicada do que alguma vez imaginámos quando iniciámos o processo, mas a diferença é enorme.
E o que faz essa diferença?
Toda a nossa estratégia assenta nas pessoas, nas suas necessidades, mas numa lógica do desenvolvimento sustentável, ou seja, contrabalançando o impacto económico e o impacto ambiental. Por isso, o nosso trabalho é delineado auscultando a população e atendendo à suas necessidades no terreno e temo-lo feito a vários níveis: em reuniões regulares com as Juntas de Freguesia, em reuniões temáticas com grupos de trabalho representantes de moradores dos bairros, com quem muitas vezes desenvolvemos soluções específicas para os bairros; e reuniões plenárias com os moradores dos bairros. É um trabalho feito em conjunto com a Câmara Municipal de Setúbal e as Juntas de Freguesia, que nos tem permitido responder de forma mais eficaz aos problemas dos setubalenses.
Este trabalho de proximidade permitiu-nos, por exemplo, ir mais longe na resposta à população da freguesia da Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra, que há vários anos a ligação do saneamento à rede pública. Foi possível, em reunião amplamente participada pela população, definir em conjunto o calendário de execução e ampliar a resposta do projeto. A 2ª fase está em execução e a 3ª fase começa até ao final do ano, permitindo a eliminação de mais de 300 fossas séticas.
Outro exemplo desta proximidade é o trabalho que estamos a desenvolver nos Bairros Santos Nicolau e N. Srª da Conceição. Com a autarquia, a junta de freguesia e a população estamos a reformular este importante Bairro Histórico no sentido de melhorar a limpeza das ruas, a segurança rodoviária e qualidade de vida das pessoas. Para isso, estamos a limpar ruínas e terrenos, requalificar os passeios, relocalizar contentores de resíduos, implementar a recolha porta a porta de biorresíduos na restauração, mercado e escolas, além de testar um modelo inovador de recolha de resíduos no concelho: a recolha porta-a-porta de resíduos indiferenciados. Isto para reduzir a quantidade de contentores na via pública e sensibilizar para a necessidade crescente de separar cada vez mais e melhor os resíduos. Estamos a contribuir para a requalificação destes bairros como centralidades de qualidade de vida exemplar, associando esta atividade a outros projetos de requalificação.
Recomenda, portanto, este modelo de gestão na água e no saneamento?
Sem dúvida. Aliás, os municípios já perceberam que este serviço precisa de outro tipo de atenção. Depois de fazermos esta transição no final de 2022, em 2023, as concessões municipais de Paredes e Batalha cessaram para dar lugar a entidades com modelos de gestão pública, como antes tinha acontecido com Mafra, como se pode verificar no relatório do sector publicado pela entidade reguladora. A gestão pública da água é a melhor ferramenta para garantir a preservação dos recursos hídricos locais e a acessibilidade deste bem essencial a todos, como recomendam os relatórios da ONU.
“Valorização dos trabalhadores é a nossa prioridade”
Quais os principais investimentos feitos pelos SMS no último ano?
Tenho de começar pelos trabalhadores. Esta foi a nossa grande prioridade desde o início: melhorar os seus locais de trabalho (escritórios, balneários, cantinas) e valorizar os trabalhadores dos SMS.
Implementámos para todos os trabalhadores um programa de cuidado e prevenção na saúde, com consultas especializadas em vários domínios; um intenso programa de formação em Segurança e Saúde do Trabalho; encetámos uma parceria com o Instituto Politécnico de Setúbal para fazer um diagnóstico dos eventuais problemas de saúde associados aos trabalhos desenvolvidos e implementar medidas para a prevenção e redução desses problemas; e temos ainda previsto um investimento na ordem dos 442 mil euros para assegurar a correta higienização das fardas das nossas equipas que exercem atividades na via pública e para os trabalhadores expostos a riscos elétricos
Só em 2024 aumentámos 24% o número de postos de trabalho e vamos continuar a crescer neste sentido. É uma aposta em recursos humanos e equipamentos com o objetivo de internalizar toda a operação da lavagem e recolha de resíduos, hoje realizada por prestadores de serviços.
“A gestão pública da água é a melhor ferramenta para garantir a preservação dos recursos hídricos locais e a acessibilidade deste bem essencial a todos”
O parque de viaturas foi amplamente renovado em 2024, porque existiam viaturas com décadas que exigiam muito trabalho de manutenção e horas de paragem, além das emissões associadas. A aquisição de cinco novas viaturas pesadas e ligeiras, num investimento de mais de um milhão de euros, permitiu aumentar a taxa de operacionalidade da frota de resíduos urbanos de 31 % para 64% em 2024. Ainda na área dos resíduos, tenho de referir o investimento na renovação do sistema de contentorização, no alargamento da recolha de biorresíduos e implementação na nova rede de oleões do município.
Ao nível de obras, no domínio da água e saneamento lançámos 28 empreitadas em 2024, no valor global de quase quatro milhões de euros.
Onde foram sentidos os principais problemas na rede de abastecimento de água?
O município de Setúbal tem vindo a verificar um aumento significativo da população nos últimos anos, pelo que os serviços têm de acompanhar esta procura por parte da população. Em específico, a freguesia de Azeitão tem verificado mais problemas ao nível da rede de abastecimento, devido sobretudo à idade avançada e má qualidade da rede, cuja requalificação foi praticamente inexistente nos anos da concessionária, mas também à pressão populacional e características das habitações nesta região (moradias com jardins e/ou piscinas), onde se regista um maior consumo per capita. Neste cenário, temos investido nesta freguesia no sistema em alta, quer em novas captações de água, quer no reforço da adução e na capacidade dos reservatórios; bem como no sistema em baixa, quer no alargamento da rede de distribuição, quer na requalificação da rede já existente. Nesta freguesia os SMS já investiram cerca de 1,6 milhões de euros e até ao final do ano, com o lançamento das obras previstas, o investimento nesta área do município vai ultrapassar os cinco milhões de euros, para beneficiar o sistema de água e do saneamento.
Qual o nível de perdas de água em Setúbal?
Infelizmente, em Setúbal, temos um nível de perdas elevado devido à idade avançada da rede e falta de investimento na sua requalificação. Esse investimento é sempre muito pesado, portanto tem de ser faseado e contínuo, o que não se verificou nos últimos anos. Os SMS têm implementado um programa de busca ativa de roturas, de forma a detetar as roturas em profundidade e, de acordo com a intensidade da fuga, programar as intervenções. O problema é que por vezes temos roturas sucessivas numa mesma conduta, que não aguenta a pressão depois da reparação. Para resolver este tipo de problemas – que já temos catalogado – precisamos de investimentos da ordem do dobro ou do triplo do que estamos a fazer, o que é dramático. Na estratégia nacional Água que Une, é obrigatório prever financiamentos para sistema em baixa em todos o país, e não apenas para os que estão especificamente referenciados, para que “A Água que Une” não seja uma Água que Divide e Discrimina.
Ainda a propósito das perdas, também estamos a trabalhar ao nível das perdas aparentes, nomeadamente na substituição de contadores inteligentes e introdução de sistemas de telemetria, além do reforço das equipas de fiscalização.
Para este ano, que investimentos estão planeados pelos SMS no que diz respeito à rede de água?
Para a rede de água, temos previsto 2,3 milhões de euros de investimentos no decorrer deste ano, repartidos no reforço da captação de água no Pinhal das Espanholas, reforço do sistema adutor da Bassaqueira – São Domingos, na requalificação das redes de distribuição, na ampliação da rede de abastecimento e na substituição dos contadores mais antigos. Em curso está a aquisição de um novo sistema de telegestão, num valor de cerca de 1,3 milhões de euros, que vai facilitar todo o trabalho de gestão dos equipamentos, assegurando a qualidade da água captada e distribuída. Recorde-se que em 2024 recebemos o Selo de Qualidade da Água para Consumo, distinção que queremos continuar a manter.
Estamos ainda a implementar um Plano de Eficiência Energética, com investimento previsto na área das energias renováveis, entre outras medidas, que nos vai permitir uma poupança anual na ordem dos 93 mil euros.
E ao saneamento?
Para este ano temos em curso um investimento da ordem dos 2,8 milhões de euros, muito focado no prolongamento da rede de saneamento (cerca de 1,3 milhões de euros), depois na reabilitação da rede de drenagem (mais de meio milhão) e ainda intervenções na rede pluvial (cerca de meio milhão). No saneamento, tínhamos zonas rurais sem saneamento que estamos a intervencionar. Já falei da importante obra nas Pontes, que está enquadrado Plano de Eliminação de Fossas Séticas, que faz o mapeamento de todas as fossas existentes ainda no concelho e permitiu traçar a melhor solução para o tratamento das águas residuais produzidas nestas zonas mais remotas. Ainda em março iniciámos um programa de visitas técnicas e informação à população sobre as fossas e como devem ser construídas, no sentido de serem eficientes nas situações em que não é possível prolongar a rede de saneamento.
Também estamos a implementar o Plano de Afluências Indevidas, que prevê o crescimento da rede pluvial como forma de desviar as águas pluviais da rede de tratamento de águas residuais, desde logo porque tem custos elevados para os SMS , além de que sobrecarregar os sistemas de tratamento com caudais inesperados causa problemas aos próprios sistemas de tratamento.