A Ambiente Magazine entrevistou Carlos Rabaçal, presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Setúbal e vereador da Câmara Municipal de Setúbal, que nos explica que a história dos SMS conta 96 anos, 25 dos quais em regime de concessão privada. Há dois anos, o município decidiu terminar a concessão e regressar à gestão pública. Uma decisão ambiciosa que, diz hoje o responsável, faz toda a diferença para a população e a qualidade do serviço público. Leia aqui a 2.ª parte desta Grande Entrevista.
Que iniciativas tem tomado a entidade para sensibilizar as pessoas para o consumo mais consciente de água?
Todas as iniciativas municipais em que os SMS participam têm uma componente muito grande de sensibilização para o valor da água e a necessidade da sua utilização consciente. Neste sentido, criámos a marca Água 100% Setúbal, que é a nossa água da torneira, captada em profundidade e de excelente qualidade. Em 2024 participámos em várias iniciativas dirigidas à população, distribuindo garrafas reutilizáveis, organizando provas de águas aromatizadas. Desenvolvemos campanhas de informação e sensibilização como as “10 medidas para o uso sustentável da água”. Mas notámos uma alteração de comportamentos a outro nível: em 2023, enviámos uma carta informativa sobre o consumo de água e de sensibilização para a sua redução a todos os grandes consumidores de água registados nos SMS e no ano seguinte registámos uma redução efetivas e significa nos consumos destes grandes consumidores.

Os SMS defendem um aumento da tarifa de água ao consumidor? Se sim, porquê?
A reativação dos SMS permitiu, de imediato, baixar 20% no preço da água, atribuir uma tarifa social [automática] a mais de 9000 famílias, devolvendo aos munícipes 2,8 milhões de euros. Em 2025, o custo da água e do saneamento na fatura é de cerca de 9% inferior ao valor pago no último ano da concessão, em 2022, valor que seria exponencialmente mais elevado caso se continuasse a aplicar a fórmula de atualização tarifária da concessionária. E note-se que nos dois últimos anos não deixámos de atualizar a tarifa, de acordo com a inflação.
Defendemos uma tarifa justa e equilibrada para todos. O consumo doméstico representa cerca de 10 % do consumo global da água em Portugal, enquanto, por exemplo a agricultura representa 75%, e o setor industrial cerca de 15%. É preciso não nos esquecermos destes valores, antes de falar de aumentos de tarifa à população. Um dos primeiros trabalhos que tentámos desenvolver com a reativação dos SMS foi precisamente um Plano Estratégico da Água de Setúbal que fizesse o mapeamento das utilizações da nossa água subterrânea, perceber a evolução das capacidades do aquífero e elencar medidas de prevenção que proporcionassem a preservação do aquífero. Ainda não terminámos este trabalho, porque além do que se passa no sector doméstico sabe-se muito pouco. Em Setúbal, por exemplo, ficámos a saber que há indústrias que captam mais água por dia do que os SMS para abastecer todo o município, ou seja, mais do que o consumo de 123 mil habitantes! Se pensarmos nos cenários de escassez hídrica projetados para o país, associadas às alterações climáticas, este tipo de informação tem de funcionar como um alerta. A Estratégia Nacional Água que Une, apresentada recentemente pelo governo, refere que as perdas de água nos grandes aproveitamentos hidroagrícolas públicos situam-se, em média, nos 25%, resultando num valor absoluto de perdas de pelo menos sete vezes superior às perdas no sector doméstico.
Há uma tendência para, sobretudo, responsabilizar o consumo indivíduo pelas perdas dos consumos de água. A nossa visão passa por exigir aos grandes consumidores que implementem medidas de redução dos consumos, porque o impacto será de facto mais significativo. O setor agrícola e industrial tem de ser a grande prioridade no combate às perdas e produção de fontes alternativas de água.
Lava-contentores permite mais duas mil lavagens/ mês
No que toca à gestão de resíduos, quais foram os principais avanços feitos pelos SMS?
O nosso propósito é encontrar a melhor solução de serviço público, mobilizando a população para a necessidade de separar os seus resíduos e colocá-los no sítio certo. Nesta lógica, em junho de 2024 disponibilizámos à população uma rede inovadora de 69 contentores para os óleos alimentares usados, que recorrendo a um sistema de sensorização garante a recolha antes do contentor estar cheio, de modo a manter as melhores condições de higiene e saúde pública. Nestes dois anos reforçámos as equipas de recolha de monos, verdes e RCD, mas o facto de existirem várias entidades responsáveis pela recolha destes fluxos – as várias juntas de freguesia nos seus territórios – levantava várias dificuldades na operacionalização de uma recolha eficiente e eficaz. Por isso, o ano passado iniciámos um processo para a uniformização destes serviços no concelho, em conjunto com as juntas de freguesia, que muitas vezes se debatiam com a falta de meios. Gradualmente, os SMS estão a assegurar a recolha destes fluxos em todo o concelho, melhorando a eficiência do sistema e a rapidez na recolha dos resíduos. Temos um serviço de agendamentos para os monos e verdes e os RCD são monitorizados através de uma aplicação própria.
“O setor agrícola e industrial tem de ser a grande prioridade no combate às perdas e produção de fontes alternativas de água”
Faz mais de um ano desde a obrigatoriedade da recolha de biorresíduos pelos municípios portugueses. Qual o ponto de situação em Setúbal?
Mais de 12 mil toneladas de biorresíduos foram encaminhadas para tratamento desde que a recolha seletiva de biorresíduos foi implementada em Setúbal, em 2021. Em 2024, recolhemos mais de 4 mil toneladas, ou seja, mais 33% de biorresíduos do que no ano anterior e atualmente temos uma taxa de cobertura deste serviço de 34% das famílias.
Foram feitos investimentos na aquisição de contentores para as famílias aderentes terem nas suas casas, contentores para deposição na rua e respetivos sistemas de acesso limitado (chaves eletrónicas), camiões específicos para a recolha, reforço das equipas de recolha e ações de comunicação e sensibilização junto dos aderentes. Temos previsto continuar a alargar o projeto no sector doméstico e na restauração, atualmente com cerca de 100 estabelecimentos comerciais aderentes.
Neste último ano notaram uma maior adesão por parte da população à separação destes resíduos?
Este processo tem de ser contínuo e a sensibilização tem de ser feita de forma sistemática. Mas a sensibilização e consciência ambiental não são suficientes. É urgente inverter a lógica do sistema e fazer chegar ao cidadão resultados financeiros decorrentes da valorização dos resíduos, que contribuem de forma clara e decisiva para a compensação do seu contributo ambiental.
Qual a sua posição sobre as metas/medidas do PERSU 2030?
A Área Metropolitana de Lisboa (AML) iniciou em julho de 2024 um grupo de trabalho para a área dos resíduos solicitando que os seus municípios desenvolvessem PAPERSU (planos de ação locais para a implementação do PERSU 2030) com metas realistas ou moderadas, por oposição às metas irrealistas do PERSU 2030. Entretanto, em dezembro de 2024 o Governo cria o grupo de trabalho Emergência Aterros, cuja estratégia Terra foi recentemente apresentada e que define uma série de medidas e ações. Portanto, temos duas estratégias nacionais e, pelo menos na área da AML, os municípios têm 2 PAPERSU. O nosso primeiro PAPERSU ainda nem está aprovado pela APA. A situação está caótica!
Há falta de financiamento?
O próprio governo, na sua estratégia diz que é necessário investir 2,1 mil milhões de euros nos próximos cinco anos para evitar o colapso no setor dos resíduos. De onde virá esse dinheiro, ninguém sabe ainda. Certo é que não podemos repercutir estes valores na fatura ao consumidor. A solução passa por inverter a lógica instituída nestes sectores públicos essenciais. Só o lucro e outros valores que as entidades privadas em alta transferem para os acionistas da EGF, reinvestidos no setor poderiam resolver os problemas financeiros existentes. A situação existente não é irrevogável, basta a tutela querer e reverter a privatização da EGF, até porque são os sistemas integralmente municipais que revelam melhores desempenhos. Por outro lado, quem define e impõe as metas é que devia assegurar o respetivo financiamento, quer em alta, quer em baixa.
Como está a questão das tarifas cobradas ao município? Qual o seu impacto?
Está mal! A tarifa continua a crescer de forma inaceitável, +300% em cinco anos. Estudos recentes da AMRS e da AML, revelam dados esclarecedores sobre a natureza da tarifa. Além de suportar o serviço efetivamente realizado, a tarifa tem incluídas compensações dos valores de contrapartida não pagos – o que nos parece ilegal, os lucros do acionista, mais valores absolutamente incompreensíveis dos custos dos fatores de produção na Amarsul, muito acima do praticado no setor. A tarifa de 77,04€ podia, para o serviço prestado na operação, ter um valor mais baixo, até 40€/ton. Só é possível uma tarifa equilibrada, a meu ver, com a gestão pública municipal integral do sistema em alta.
*Esta entrevista foi publicada na edição 110 da Ambiente Magazine
Ler parte 1:
Entrevista SMS I: “Regresso da água e do saneamento à gestão pública é um sucesso em Setúbal”