ESG: Que entraves à sua aplicabilidade?

Conceitos como “ESG – Environmental, Social and Governance, finanças sustentáveis, greenwashing, taxonomia ou reportes financeiros” são constantes nos dias de hoje. O “ruído” em torno destes conceitos é de tal forma “estridente” que o caminho  para a sua compreensão é “árduo” e está longe de ser alcançado: “Não se prende apenas pelo volume imenso de informação que é preciso digerir, mas pela urgência de se fazer o caminho”. Esta reflexão, partilhada por Daniel Moreira, gestor de projetos da APCER (Associação Portuguesa de Certificação), serviu de mote para o debate “ESG – Desafios e Oportunidades“, promovido no passado dia 18 de maio, na ESG WEEK 2022, uma iniciativa da APEE (Associação Portuguesa de Ética Empresarial).

Começando precisamente pelos desafios, a Lipor, enquanto empresa pública, ao colocar na estratégia as dimensões ESG foi necessário “arrojo, agilidade e maleabilidade por parte da organização”, bem como “profissionalismos” por parte do capital humano que dispõe: “Uma administração pública não está preparada para o entendimento que se tem do cumprimento de normas e regras”, afirma Fernando Leite, CEO da Lipor, acrescentando, aliás, que “o setor público não foi nunca preparado para gerir um negócio, apenas para  exercer o seu poder de autoridade, funcionando em regime de monopólio, algo que também restringe aquele que deveria ser o verdadeiro entendimento para normativos que hoje estão a dominar o nosso relacionamento entre entidades”. Ainda assim, apesar da base de “empresa pública”, o administrador da Lipor afirma que a entidade teve uma dinâmica diferente: “Hoje, permite-nos ficar muito satisfeitos ao entender o que temos de fazer para estar em perfeita conformidade não só com os diferentes normativos, mas naquilo que é o cumprimento de uma missão ou na definição de um projeto e no seu sucesso”. Aquando do surgimento dos critérios ESG, a Lipor soube, desde então, “adaptar e implementar tais referenciais” para “assegurar a credibilidade e mudança estratégica radical” que está ser implementada na organização: “A Lipor quer sair do modelo de gestão de resíduos e passar a ser um produtor de bens e produtos e uma prestadora de serviços especializados”. Com os critérios ESG bem implementados, a Lipor leva a cabo um conjunto de ações que, ao nível ambiental, se prendem com a “estratégia para neutralidade carbónica”, a “política de combate às alterações climáticas” ou a “estratégia de transição energética”. Em temas como a circularidade, a empresa trabalha, desde 2015, na transição da economia linear para uma economia circular: “Estamos envolvidos em grandes projetos”, afirma o responsável, acrescentando que, a mais recente estratégia foca-se na defesa da biodiversidade. A questão social e de governance são áreas onde a organização também tem trabalhado: “Além de fazermos o reporte de informação não financeira e de relatórios de sustentabilidade há 18 anos, também definimos aquilo que é o plano de combate à corrupção, estando também envolvidos em questões de fiscalidade responsável”, sustenta.

Ao nível de desafios, Fernando Leite aponta, desde logo, o facto de Portugal ser “muito burocratizado”, havendo também uma “falta de cultura da excelência” que prejudica quem tenta ir mais à frente. A isto, soma-se a “incerteza” que existe nas orientações do Governos: “Mudam muito rapidamente as suas políticas e, para uma empresa, não há nada mais difícil  do que lidar com a incerteza”, atenta. Ao nível da política fiscal, o CEO da Lipor lamenta o facto de ser “muito lesiva” para quem cria valor e riqueza: “Aqueles que estão na ponta mais acelerada na criação de valor são os mais penalizados em liquidar maior valor de impostos”. O “centralismo” que prevalece, é outro entrave: “Somos um país que, embora pequeno, teríamos muitas vantagens se desenvolvesse o processo de regionalização, combatendo, por exemplo, a desertificação existente no Interior”. A guerra na Ucrânia trouxe ainda a evidência do abandono à indústria: “Dependendo muito do estrangeiro, hoje temos uma quebra das habituais cadeias de abastecimento que dificilmente nos beneficia, porque somos um país periférico. Precisamos de reindustrializar”.

“Temos de discutir e ter soluções para a cadeia e, se olharmos para o mercado como um todo, estamos muito longe”

Apesar de não restarem dúvidas quanto ao facto de se mudar o atual modelo de consumo para um mais circular e consciente, Roberta Medina, vice-presidente executiva do Rock in Rio, não compreende a demora de se agir e de se criar regras: “O mundo leva tanto tempo. É óbvio que temos de fazer diferente, mas a questão é como acelerar o processo?”. Aquela que parece ser a dificuldade mais evidente ao nível da indústria de entretenimento é a falta de união: “Sozinhos não conseguimos fazer nada”. E com base nesta realidade, a responsável adianta que, em breve, será feito um grupo de trabalho que se centrará, em primeiro lugar, no estudo da cadeia produtiva: “Temos de discutir e ter soluções para a cadeia e, se olharmos para o mercado como um todo, estamos muito longe”.

Tão importante para que esta transição seja mais rápida e eficaz, Roberta Medina defende que o tema da sustentabilidade deve ser levado para as escolas: “Olhar para a responsabilidade social como um todo e tirar o foco do nosso umbigo. Vimos de uma geração muito individualista e só a educação, talvez, possa fazer uma reviravolta”.

“Quando encaramos os critérios ESG temos que os encarar ao longo de toda a cadeia de valor.”

Para Paula Guimarães, responsável de sustentabilidade da The Navigator Company, o modelo de critérios de sustentabilidade tornou-se complexo: “A necessidade de dar resposta a este modelo de critérios, de gerir os riscos ambientais, sociais e de governance tornou-se complexo, não só no perceber esses riscos mas também na necessidade de as empresas trazerem esse conhecimento para dentro, se organizarem, sistematizarem e estarem disponíveis para continuamente atualizar a sua análise risco”. Dando o exemplo da Navigator, a responsável explica que, quando “encaramos os critérios ESG, encaramos ao longo de toda a cadeia de valor: desde a floresta até ao produto final, incluindo a cadeia de distribuição. Essa complexidade tem que ser interiorizada, é preciso fazer uma internalização destes conceitos”.

Um dos desafios que a Navigator teve que gerir foi a capacidade de fazer a sistematização da análise dos riscos, “um dos aspetos que vem sendo atualizado constantemente”. Ao nível da estrutura, a responsável lembra que, no início, a sustentabilidade era tratada por um “conjunto de pessoas nas diversas áreas” que respondiam a uma comissão de sustentabilidade: “Tivemos a necessidade de criar uma direção de sustentabilidade que faz a ponte com os “key-users” das várias direções, seja de ambiente, recursos humanos ou de energia, para responder aos desafios”. Ao nível de governance, a Navigator criou também um “Fórum de Sustentabilidade” do qual fazem parte entidades externas, como academia e representantes de diversos outros grupos de interesse, acrescenta.

De forma a responder a estes desafios, a empresa apostou na “expertise técnica”, algo que vai “muito mais além do que saber gerir florestas e fábricas, ou produzir pasta e papel; é gerir de outra forma, olhando sempre para riscos e impactos”. Há, ainda, o desafio dos dados, que se centra na “recolha de uma quantidade infinda”, sendo que é preciso o “saber recolher e olhar de forma crítica” para essa informação, tendo definidas as responsabilidades e timings: “Os dados não caem do céu, precisamos de vários dispositivos para os obter”, refere.

A respostas a estes desafios não pode ser feita numa “perspetiva umbilical”, cabendo às empresas “compreender e olhar para todo o enquadramento: precisamos de perceber as macrotendências e os desafios internacionais que estão na agenda, que podem influenciar o nosso resultado e que nos devem orientar, bem como trazer a perspetiva do stakeholder para dentro da empresa”, refere, explicando que foi esse o processo seguido na construção da Agenda 2030 da empresa.

De entre os vários entraves existentes, Paula Guimarães atenta ainda na “evolução” de todos os referenciais de reporte, comentando que “As empresas têm que estar focadas no fazer mais e melhor e, ao mesmo tempo, focadas na forma como reportam e como respondem, acabando as energias por se dispersar um pouco”.

“… coragem de não olhar para o que está bem, mas para as consequências e impactos negativos de algo que está sempre a engordar”

Concordando com os desafios abordados pelos participantes, Eduardo Moura, diretor-adjunto de Sustentabilidade do Grupo EDP, é perentório na questão dos critérios ESG: “É preciso ter a coragem de identificar, denunciar, mapear, colocar na agenda empresarial e levar a administração, de forma a que consiga falar no problema e resolver. Isso é sustentabilidade e mede-se por indicadores ESG”. O desafio resume-se, portanto, na “coragem de não olhar para o que está bem, mas para as consequências e impactos negativos de algo que está sempre a engordar e merece a nossa intervenção”, remata.

Entre os dias 16 e 20 de maio, especialistas nacionais e internacionais, líderes empresariais, representantes da academia, da administração pública e da sociedade civil debateram na ESG WEEK 2022 os temas enquadrados nos domínios ESG.