Especialistas debatem desafios e soluções para o setor da água em contexto de alterações climáticas

Entre os dias 12 a 18 de outubro, decorreu a “MAP Virtual Week”, promovida pela Acredita Portugal. Ao longo da semana, foram vários os debates e partilhas sobre o ecossistema empreendedor.  No painel “Empreendedorismo Azul: Salvar o mundo na indústria das águas”, pretendeu-se responder aos desafios que se colocam no setor da águas e que soluções empreendedoras possam combater tais problemas.

Miguel Lemos Rodrigues administrador executivo da Águas de Gaia, destaca que, do ponto de vista ambiental, aqueles que parecem ser os problemas prementes são as “alterações climáticas”, a “gestão mais eficiente dos resíduos” e as “novas formas de abastecimento de água”. E numa lógica de “salvar o mundo”, o setor tem muitos desafios, diz, destacando, desde logo, a contribuição para o “controlo das alterações climáticas”, através, por exemplo, da “nossa atividade” e de “uma gestão mais eficiente”, nomeadamente do ponto de vista “energético”. Para enfrentar os problemas de escassez da água, as soluções que parecem ser mais eficazes centram-se em saber “se é através da reutilização da água ou se é no combate às perdas de água”, diz o responsável.  

Na visão de Miguel Lemos Rodrigues, o facto do setor representar um “monopólio natural” faz com que haja oportunidades que devem ser aproveitadas, nomeadamente na “obrigação” de se compararem entre si e na “partilha de experiências”, no sentido de ser “inspirador” para outras empresas, quer em Portugal quer no estrangeiro. Não restam dúvidas de que, hoje, o setor das águas é um exemplo europeu:  “Passou por um período de crescimento e foi empreendedor quando transformou Portugal, um país que era marcado pela pouca água potável, zonas sem saneamento e praias poluídas”.

[blockquote style=”2″] Ou temos água a mais ou temos água a menos. E a que temos é sempre no tempo errado [/blockquote]

Por seu turno, José Pimenta Machado, vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), afirma que Portugal é um “país pequeno mas com problemas muito assimétricos”, não tendo dúvidas de que a “seca e a escassez da água” é um problema com que o país está mesmo confrontado. E é nesta lógica que surgem as novas tecnologias, nomeadamente a questão das águas para a reutilização: “É uma aposta clara da APA, que preparou um diploma e um guia, no sentido de criar condições para estimular a reutilização”, refere.  Na região do Algarve, esta associação já tem em marcha a tecnologia da  “dessalinização” que conta com uma “equipa de três especialistas” a avaliar o método e “perceber se pode ser uma oportunidade para a gestão daquilo que é a oferta da água para a região”

Já no desafio das alterações climáticas, José Pimenta Machado é claro: “Ou temos água a mais, ou temos água a menos. E a que temos é sempre no tempo errado”. O problema climático traz também a “gestão da costa”, que se prende com o “aumento do nível médio do mar” e a “pressão que vai criar sobre o território”, afirma o responsável, dando conta que “o mar já avançou em terra mais de 1200 campos de futebol”. Nestas matérias, alerta o responsável, é preciso “olhar e saber como lidar” com a “gestão difícil do mar”.

Relativamente à temática da inovação e conhecimento, o responsável reconhece que a tecnologia no setor das águas tem respondido. No entanto, declara que, quer a academia, quer o setor em si, “vão ter de responder aos planos emergentes”. E, nestas matérias, uma das ambições da APA está na criação de um sistema de informação moderno capaz de monitorizar em tempo real as decisões e que tenha um sistema de report online, por exemplo. Outra problemática evidenciada pelo responsável é que “50% dos nossos recursos hídricos provêm de Espanha”, logo, o desafio aumenta, no sentido de se perceber como é que o país vai lidar com a situação em contexto de alterações climáticas. 

José Pimenta Machado reconhece que há “boas empresas” e “bons indicadores”. No entanto, afirma que ainda existem ineficiências no “conjunto de sistemas de entidades gestoras”: “Há tecnologia, vontade e financiamento para que tais assimetrias tenham melhorias para termos melhores indicadores”.

O responsável quis ainda chamar a atenção para a “tarifa e preço” que se aplica no setor, não compreendendo o motivo pelo qual o “preço varia na mesma região”. E, ao comparar com o setor energético, “o cidadão paga o mesmo independentemente da região”, o que não acontece na água. Assim, a “variação de preços de tarifas” é um claro entrave neste setor, desde o momento em que Portugal decidiu que “os problemas da água devem ser resolvidos ao nível dos municípios”, reclama. Outra situação é a compilação da tarifa da água fixa e variável: “Na variável, se consumir mais, pago mais; se conseguir consumir menos, pago menos. Mas na tarifa fixa, o valor é o mesmo”, declara. E num setor em que há “monopólio de mercado” e em que “não há concorrência”, o responsável olha para a “tarifa fixa” como um “absurdo”, não fazendo sentido existir.

[blockquote style=”2″] Do que depender da ciência e da engenharia, não vai faltar água [/blockquote]

Joaquim Poças Martins, engenheiro e professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), parece ter uma visão mais otimista face ao setor, alertando que, no que às forças da natureza diz respeito, é uma situação que transcende a todos. 

No contexto das alterações climáticas, o docente afirma que a engenharia é capaz de dar respostas: “Podemos reutilizar ao infinito a água, só não o fazemos porque não tem sido preciso”, sustenta, acreditando que “temos tecnologia que chegue para transformar qualquer água em água potável”, havendo “vários exemplos disso pelo mundo todo”. E se, porventura, houver necessidade, “nós conseguimos dar rapidamente respostas”, tal como foi dada na questão pandémica, declara. 

O engenheiro acredita que, “quando for preciso e se for preciso”, daquilo que “depender da ciência e da engenharia, não vai faltar água”, enquanto “houver dinheiro” e, nesta última, chama a atenção para a pobreza: “A Covid-19 fez vir à tona novas situações de pobreza”, havendo dentro dessa área “muito a fazer”, sendo a “solidariedade” a resposta mais viável. 

Olhando para os diversos setores, Joaquim Poças Martins destaca que as universidades e as empresas, quer públicas, quer privadas, são capazes de dar boas respostas aos desafios da seca: “Há, de facto, exemplos excelentes que podemos exportar para o mundo”, sustenta, dando nota da importância de transmitir as práticas em Portugal lá fora, inclusive nos países que mais precisam, havendo já “excelentes empresas a beneficiar da experiência portuguesa”. 

Embora haja o ciclo urbano da água, o docente afirma que a forma como a água é gerida nas cidades e nas indústrias é o mais linear possível: “A tecnologia já existe para fazermos uma verdadeira economia circular” neste setor. E se tal for feito, mesmo em contexto de alterações climáticas, o responsável afirma que “nunca mais haverá falta de água”, além de que, “se as cidades e indústrias também o fizerem, acabamos ainda com a poluição”. 

E se nada ainda foi feito, deve-se ao facto da “água ser ainda demasiado pouco cara”, diz, alertando para a necessidade da “valorização” deste bem, que permitirá dar espaço para “soluções que já existem” e que, seguramente, permitem que “ninguém ande aos tiros por falta de água”. 

[blockquote style=”2″] Noção nacional e um estratégia europeia [/blockquote]

E é precisamente na “valorização” da água que Alberto Carvalho Neto, presidente da Associação Jovens Empresários Portugal – China (AJEPC), se centra, alertando para a necessidade de se “trabalhar na eficiência da mesma”. O responsável reconhece que Portugal tem evoluído imenso: “Temos uma cobertura enorme da rede”. 

Mas há problemáticas que quis chamar a atenção, reclamando pela necessidade da boa informação, quer na “desmistificação de alguns problemas” quer na “desmistificação de algumas questões” como a gestão de concessões: “Entenda-se que é preciso trabalhar para se conseguir essencialmente melhorar o sistema reduzir as perdas mantendo um sistema de qualidade”.

Em matérias de empreendedorismo, o responsável considera que se deve “equilibrar o tradicional com uma parte da inovação”, não tendo dúvidas de que uma das formas para se poder valorizar o recurso é “acrescentar-lhe valor”, permitindo “criar riqueza”. E projetos como a “aquicultura”, a “valorização das algas” ou a “agricultura moderada” são exemplos de práticas que devem ser pensadas como um todo, refere. A energia é também um forte contributo na valorização da água, acrescenta o responsável, dando como exemplo as “pequenas barragens” por todo o país onde podem ser colocadas “pequenas hídricas”.

A tecnologia é realmente uma motriz neste setor e Portugal tem demonstrado grande evolução nesse sentido. Mas Alberto Carvalho Neto chama a atenção para o valor dessas tecnologias e, por isso, muitas não são utilizadas: “Devemos tentar melhorar e aproximar as entidades privadas com as universidade para se conseguir financiar determinados projetos de estudos”, para que “hoje se estude soluções que amanhã serão necessárias”. Não há dúvidas de que os problemas surgirão, pelo que é necessário “respeitar os recursos hídricos”, declara. Em Portugal, além do desafio social, o responsável destaca o desequilíbrio regional, alertando para a necessidade de uma “estratégia pensada”, até porque o “valor da água dispara”, chamando a atenção para a “manutenção das infraestruturas” e para a “necessidade de colocar água nos locais onde é necessário”. Há que ter a consciência que, em Portugal, o setor tem “perdas de 170 milhões de metros cúbico anuais”, além do “custo financeiro brutal de água tratada” que ronda os “80 milhões de euros”, vinca. 

E, por fim, numa lógica de salvar o mundo, Alberto Carvalho Neto considera que é vital ter consciência de que, no setor da água, é preciso “trabalhar em conjunto” e “uniformizar o país”, apelando a uma “noção nacional” e a uma “estratégia europeia”, para que haja uma “planificação séria”, deixando de fazer da água um “fator político” e sensibilizar a “população” sobre o devido “valor”. 

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